Economia & Mercado

A Economia Brasileira: Antes, Durante e Após a Pandemia

Arquivo Pessoal
Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 17/09/2020, às 22h36   Luiz Filgueiras*


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O Governo Bolsonaro uniu, por razões distintas, forças políticas neofascistas e neoliberais, que dividem espaço no seu interior e no aparelho de Estado. Constituiu-se uma espécie de afinidade eletiva entre esses dois agrupamentos, tendo por acicate o combate à esquerda e às forças antineoliberais, inimigos comuns de ambos. Comportando tensões e contradições, essa unificação, da extrema-direita e do neoliberalismo, está na raiz tanto da força quanto da fraqueza do Governo Bolsonaro.

De um lado, esse governo tem garantido a aprovação e execução das reformas e políticas neoliberais; razão fundamental de Bolsonaro, apesar de todas as barbaridades até aqui cometidas (a mais recente é a repulsa à futura vacina contra a COVID), não ter ainda sofrido um processo de impeachment: Rodrigo Maia, Presidente da Câmara de Deputados, não dá andamento aos mais de 60 pedidos de afastamento já protocolados.

De outro lado, contudo, a defesa e o encaminhamento dos interesses do “mercado”, apesar dos esforços de Guedes, são feitos com dificuldade e relutância por parte do núcleo duro neofascista; por isso, sempre dependem do protagonismo do Presidente da Câmara – fiel servidor do grande capital. Além disso, Bolsonaro e o movimento neofascista tencionam permanentemente o ambiente político, promovendo a “Guerra Cultural” e ameaçando as Instituições democráticas e o Estado de Direito. 
O atual cenário econômico resultou tanto do ajuste fiscal iniciado no segundo Governo Dilma e das reformas e políticas neoliberais dos Governos de Temer e Bolsonaro, quanto da crise sanitária do Novo Coronavírus. 

A desaceleração da economia durante o primeiro Governo Dilma evoluiu para erosão das contas públicas e, posteriormente, para o início de uma recessão no segundo. A desoneração fiscal não impediu a desaceleração e comprometeu as receitas do Estado, enquanto o ajuste fiscal jogou a economia em uma recessão – piorando ainda mais as contas do governo.

As reformas e políticas econômicas dos Governos de Temer e Bolsonaro, aprofundaram a recessão e estagnaram a economia, ampliando a crise fiscal. As Reformas Trabalhista e da Previdência, como previsto, não conseguiram criar empregos estáveis e nem impedir a erosão das contas públicas: a primeira impacta negativamente a qualidade do emprego e a renda, enquanto a segunda tem efeitos apenas no longo prazo.

As reformas e políticas neoliberais afetam negativamente a economia, tanto pelo lado da demanda - redução dos gastos públicos e do consumo das famílias (desemprego crescente e extinção dos reajustes do salário mínimo acima da inflação), desestimulando o investimento privado -, quanto pelo lado da oferta - desestruturação da cadeia produtiva do petróleo, destruição e desorganização da construção pesada e da indústria naval, paralisação de obras públicas e enfraquecimento do BNDES, com a retirada de sua capacidade de financiamento.

A economia brasileira, já antes da pandemia, se encontrava na “UTI”, apresentando grande dificuldade para retomar o crescimento. Após a recessão de 2015-2016 (queda de mais de 7%), o PIB cresceu em média 1% no período 2017-2019; o PIB per capita em 2019 ficou 7,5% abaixo do de 2013 (antes da crise). A queda de 2,5% do PIB no primeiro trimestre de 2020, quando comparado ao último do ano passado, evidencia isso: os efeitos da crise sanitária sobre a economia só começaram na segunda quinzena de março. Com a pandemia, o cenário estagnacionista evoluiu para um novo mergulho recessivo, mais profundo que o anterior. 

O isolamento social - medida incontornável para se enfrentar a COVID implicou a paralisação da maioria das atividades econômico-sociais (não essenciais), que puxou a queda da demanda em geral, em virtude do aumento do desemprego/desocupação e da queda dos rendimentos. A recessão só não foi maior em razão de pressões da sociedade civil e do Congresso Nacional, que exigiram a adoção de medidas emergenciais - apesar da resistência do Governo Bolsonaro. O pagamento de R$ 600, por três meses, a 70 milhões de brasileiros foi a principal delas, impedindo a queda mais dramática do consumo. Ironicamente, ele é a causa, momentânea, do Governo Bolsonaro ter melhorado sua aprovação.

Todavia, mesmo com as medidas emergenciais, o PIB caiu 9,7% no segundo trimestre (11,4% quando se compara com mesmo trimestre de 2019) - a maior da história – e a taxa de desemprego atingiu 13,3% (com recorde de desalentados e menos pessoas com carteira assinada). O investimento caiu 15,4% e o consumo das famílias 12,5%. Com o crescimento de 0,5% das exportações de bens e serviços, só restou o gasto público (as medidas emergenciais) como compensação ao tombo do setor privado. No primeiro semestre deste ano, tendo por referência o primeiro de 2019, o PIB caiu 5,9%, com previsões de queda variando entre 5% e 5,5% para 2020. Como sempre, o setor financeiro se salvou dessa tragédia, beneficiando-se de medidas adotadas pelo Governo Bolsonaro.

Recentemente, com suspensão do isolamento social e retorno do funcionamento de muitas atividades, ainda com grande incerteza com relação à evolução da pandemia, a economia passou a dar os primeiros sinais de reativação. A indústria no mês de agosto cresceu 8% em relação ao mês anterior, mas ainda não retornou ao nível de produção pré-pandemia; e o comércio e os serviços, setores mais afetados pelo isolamento social, estão retomando lentamente as suas atividades.

Como em todos os países, a tendência de a economia brasileira voltar a operar próxima aos níveis pré-crise sanitária é evidente; outra coisa, contudo, é a retomada do crescimento - que nem havia sido iniciada anteriormente – e a sua velocidade. No final deste ano, e início do próximo, o décimo-terceiro dos aposentados, já antecipado, não contribuirá para alavancar o consumo; e o término da suspensão dos contratos de trabalho implicará dispensa de trabalhadores.
Adicionalmente, a retomada do ajuste fiscal permanente (o teto de gastos) voltou à ordem do dia: o auxílio emergencial teve o seu valor reduzido à metade (R$ 300) e será extinto no fim do ano; a proposta orçamentária do Governo para 2021 trás cortes na Saúde e na Educação; e o salário mínimo, pelo quarto ano consecutivo, não terá aumento real.

Retoma-se a mesma política econômica pré-crise, que deprime a demanda efetiva e joga todas as esperanças nas reformas neoliberais. Agora, é a Reforma Administrativa, que além de desmontar o Estado em geral, principalmente a sua dimensão social - precarizando a carreira de servidor público e quebrando a estabilidade funcional -, também impactará negativamente a demanda efetiva.

Resumindo: é muito provável que a economia continue com grande dificuldade de retomar o crescimento (e não apenas recuperar o nível de atividade pré-pandemia) e a aprovação de Bolsonaro e seu governo volte a cair – impulsionada pela retomada do arrocho fiscal e pelo fim das medidas emergenciais, além da persistência de elevado nível de desemprego e da manutenção da política de arrocho do salário mínimo. E, agora também, pela “inflação da cesta básica”.


*Luiz Filgueiras - Professor Titular da Faculdade de Economia da UFBA. Pesquisador na área de Economia Política, Desenvolvimento e Economia brasileira.

Classificação Indicativa: Livre

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