Entrevista

"O impacto da pandemia vai ser muito maior para aqueles que já estão em vulnerabilidade social", diz titular da Sempre

Imagem "O impacto da pandemia vai ser muito maior para aqueles que já estão em vulnerabilidade social", diz titular da Sempre
Em entrevista ao Bnews, a titular da Sempre também falou sobre o aumento de pessoas em situação de rua  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 04/08/2020, às 10h52   Nilson Marinho


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Juliana Guimarães Portela, de 52 anos, é a nova secretária de Promoção Social e Combate à Pobreza (Sempre) de Salvador. É dela a missão de estar à frente da pasta que, neste período de pandemia, tem sido o pilar da gestão ACM Neto. O convite para ocupar a cadeira veio durante o período de desincompatibilização dos gestores que pretendem concorrer às eleições municipais deste ano. Juliana sucede Ana Paula Matos, recém filiada ao PDT e possível vice da chapa do atual vice-prefeito Bruno Reis na corrida ao Palácio Tomé de Souza, em novembro deste ano.

A missão, como nos conta a secretária durante entrevista, foi aceita como muita serenidade, mesmo diante da imensa responsabilidade de amenizar os impactos sociais deixados pela maior pandemia da nossa história recente. O “sim” veio com a consciência da experiência adquirida durante 20 anos atuando na área de políticas sociais. 

Portela é pedagoga e possui especialização em Gestão Pública pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e Gestão Municipal do Sistema Único de Assistência Social curso de extensão em Gestão de Contratos e Convenções, ambos pela Fundacem. Ela também é diretoria de Proteção Social Especial da secretaria há 3 anos.

Por conta desse último cargo, pôde acompanhar todo as agruras da população desde o início da pandemia na capital baiana. Entre elas, uma chama atenção: o aumento de cerca de 15% de pessoas vivendo em situação de rua, maior parte delas migraram de cidades vizinhas acreditando que, em Salvador, poderiam atravessar a fase de forma menos dolorosa. (confira matéria completa abaixo)  

Bnews: Você já estava na pasta antes desse período de pandemia. Então, pôde acompanhar de perto as transformações causadas pelo avanço da doença e as ações adotadas pela gestão para amenizar os impactos. Poderia nos fazer um breve balanço dos últiimos três anos e o que já foi feito desde a confirmação dos primeiros casos?

Juliana: Neste um mês à frente da Sempre, a gente vem intensificando essa assistência e amparo às pessoas, principalmente nesse período de pandemia. Então, assinamos a parceria com o projeto Axé, que eu avalio ser um fortalecimento importante para crianças e adolescentes em situação de rua. São três anos onde vamos ter um considerável aporte na busca ativa de mais de mil crianças e adolescentes nessa condição. Temos outro suporte importante: o acompanhamento de 150 famílias em extrema vulnerabilidade e, também, a capacitação e oficina dada aos colaboradores da Sempre, numa metodologia diferenciada que o Axé traz na arte e educação. São três eixos: a busca ativa, o acompanhamento dessas famílias e a capacitação dos colaboradores da Sempre. Em três anos, o aporte foi de mais de R$ 6 milhões, o que dá R$ 2 milhões por ano.

A gente amplia o Salvador por todos em mais uma etapa, totalizando R$ 25 milhões em investimento em três categorias de trabalhadores informais. Vamos dar continuidade a distribuição de cestas básicas, além do que está contemplado na Lei Salvador Por Todos, mas, também, para a organização da sociedade civil de crianças e adolescentes, idosos, população em situação de rua e pessoas com deficiência, a exemplo da Apae que ajudamos ontem (quinta-feira, dia 10)

A gente sabe que as doações ficaram escassas porque as pessoas estão em isolamento social. Sendo assim, a prefeitura precisa prestar essa proteção. Além das cestas básicas, a gente dá também o kit de higiene pessoal, o kit de limpeza e, na medida do possível, o EPI, com a luva e a máscara. A gente continua também com as unidades emergenciais.

Bnews: Falando sobre essa parcela da população, lembro que, em entrevista recente à uma emissora de rádio local, você sinalizou um crescimento de pessoas vivendo em situação de rua em Salvador. A que deve esse acréscimo? Tem relação direto com a pandemia? Qual o perfil dessas pessoas que agora estão nas ruas?

Juliana: O efeito e o agravamento da pandemia. São várias fatores. Há uma migração porque, nas cidades da Região Metropolitana e em pequenas cidades, as pessoas entendem que vindo para à metrópole terão uma oportunidade de vida e emprego. Acho que isso, hoje, na pandemia, é um equívoco. Estamos com o comércio fechado e não temos o comércio informal funcionando, tanto não tem que, hoje, o município está dando o auxílio Salvador por Todos para trabalhadores informais. Infelizmente, as pessoas  se iludem. No interior, a coisa está muito mais difícil, sabemos disso, e as pessoas ainda se iludem. Quando fazemos a abordagem nas ruas encontramos pessoas que dizem chegar em Salvador andando, de carona, isso é muito comum, entende? Foi um aumento de 10 a 15%.

Temos observado também que as pessoas não estão conseguindo sobreviver e manter suas necessidades básicas. Não conseguem pagar o aluguel e fazer o mercado, assim, acabam nas ruas. A gente faz o acolhimento para as unidades da Sempre. A porta de saída [da situação de rua] é o auxílio moradia. Temos incluído mais pessoas nesse nosso cadastro. A ordem do prefeito é que não tenha restrições, sem limite de novos beneficiários e orçamento. Ele é muito sensível a isso.

Bnews: O acolhimento a pessoas que vivem em situação de rua tem sido uma outra ponta de lança da pasta durante a pandemia. Isso deve continuar de forma tão intensa quando tudo passar?

Juliana: Durante esse período, acolhemos mais 1,8 mil pessoas em situação de rua, de 18 de março até final de junho. O acolhimento precisa ser espontâneo, a pessoa precisa se colocar à disposição para deixar as ruas. Vamos aos logradouros públicos, de domingo a domingo, das 7h às 19h, tendo a necessidade, de ampliamos o turno até às 22h ou 23h. Fazemos o convite para que a pessoa aceite ir até uma das unidades de acolhimento. Hoje, temos 21. Nove são emergenciais, que foram criadas agora; as outras já existiam. 

As unidades funcionam conforme os perfis. Temos só para acolher homens, mulheres, casais, famílias e um para pessoas com Covid-19, que fica localizada no bairro de Roma. Lá, elas podem sair durante o dia, visitar parentes, fazer algum “corre”, mas sempre pedimos para que não saiam, porque do mesmo jeito que prezamos pelo isolamento social dos nosso familiares, nos preocupamos com eles.

Além das equipes de abordagem social, temos os nossos quatro centros de Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua, os POP’s, que também são portas de entrada para as unidades de acolhimento.

Uma porta de saída é o aluguel social, ou então a inserção familiar, porque fazemos a escuta qualificada e tentamos identificar se é possível voltar ao ambiente familiar. Se não for possível, damos essa alternativa de alugar um imóvel ou quarto por tempo indeterminado.

Bnews: Sabe a porcentagem de pessoas que conseguem ser inseridas novamente? 

Juliana: Não sei a porcentagem, mas é a maior parte dos casos, até porque quando identificamos que a pessoa já possui o aluguel social, mas mesmo assim está nas ruas, efetuamos o bloqueio. Isso é muito raro acontecer. Quando dados suporte a eles, automaticamente uma assistente social passa a monitorá-los, fazendo visitas sistemáticas. Ninguém fica desassistido. É uma responsabilidade nossa.

Bnews: E o Salvador por Todos? Quantas categorias são beneficiadas hoje? Quanto já foi gasto? Há chances de ampliar para mais trabalhadores?

Juliana: São 10 categorias. Nesta etapa já foram investidos R$ 25 milhões. Não podemos ampliar porque o projeto de Lei fechado para essas categorias. Não temos previsão de ampliar

Já entregamos 84.150 cestas básicas e 10 mil itens de higiene, não apenas nas áreas com restrições, mas, também, para todas organizações da sociedade civil, famílias de crianças com microcefalia… Como já falei, está sendo um momento difícil para essas instituições. A prefeitura entende que é o momento de fortalecer.

Na questão das cestas básicas recebemos muitas doações, mais de 50% do que conseguimos, um exemplo disso foi no drive solidário que fizemos no Centro de Convenções.

Bnews: A pasta já começa a pensar no momento pós-pandemia?

Juliana: Já estamos pensando em novos protocolos, em como vamos redefinir nossos serviços; Criamos um complexo social no restaurante em Pau da Lima, que foi pensado para ser bem mais que um simples local para servir alimentos. Ele vai ser um centro fundamental para a retomada econômica e social para aqueles que perderam seus empregos e bicos com a pandemia. 

Lá, será oferecido cursos profissionalizantes como corte e costura, padaria, salão de beleza e informática. Estamos pensando em fazer isso com o Senai e Senac, com consultoria e créditos para empreendedores.

Gradualmente, de forma técnica e responsável, nós iremos retomar os nossos serviços e vamos continuar trabalhando ajudar a amenizar o impacto da crise

Bnews: Qual o impacto disso?

Juliana: Acho que pelo cenário que está sendo desenhado vai ser muito forte, na verdade já está sendo. Os nossos beneficiários serão o que mais sentirão. É um grande desafio que está posto para a assistência social, mas vamos garantir a dignidade e resgatar sonhos.

Bnews: A Sempre se tornará bem mais relevante…

Juliana: Até porque, infelizmente, diante do cenário, as pessoas se tornaram mais frágeis, socialmente e até emocionalmente, refletindo economicamente. Isso acaba caindo para o nosso setor. Hoje, a pasta tem uma importância na prefeitura, uma relevância enorme e isso nos traz uma responsabilidade. Temos ciência e isso nos honra.

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