Coronavírus

Famílias de Manaus recorrem a atendimento em casa e montam próprio mini-hospital

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Famílias têm se mobilizado para comprar cilindros de oxigênio, que triplicaram de preço nos últimos dias  |   Bnews - Divulgação Divulgação/FAB

Publicado em 17/01/2021, às 18h53   Folhapress


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Sem oxigênio e leitos nos hospitais de Manaus, muitos pacientes com Covid-19 que deveriam estar internados estão sendo tratados em casa.

Famílias têm se mobilizado para comprar cilindros de oxigênio, que triplicaram de preço nos últimos dias: uma bala com dez litros que custava R$ 2.000 estava sendo oferecida a R$ 6.000. Só que, agora, é vendido o cilindro vazio.

Uma outra saída para as famílias com mais recursos tem sido a contratação de médicos e fisioterapeutas particulares para o atendimento em casa.

Cada sessão de uma hora de fisioterapia pulmonar custa entre R$ 150 e R$ 300. São necessárias pelo menos dez. Uma visita domiciliar de um médico custa entre R$ 400 e R$ 700.

Na família Gadelha, de Manaus, 11 pessoas já foram infectadas pela Covid desde o início do ano, entre elas a matriarca, Carmen, 77, e as quatro irmãs, todas idosas.

Três delas se sentiram febris no início do ano e Carmen, diabética e hipertensa, descompensou. Com os hospitais já lotados, a família optou por contratar um serviço de home care.

O médico prescreveu antibiótico e corticoide e pediu uma tomografia, que mostrou o comprometimento de 25% dos pulmões. A saturação do oxigênio chegou a um nível crítico, 87%.

“Agimos rápido, começamos o combate na hora certa. Imediatamente ela começou com a fisioterapia pulmonar e agora, no 11º dia da doença, a saturação está em 98%. Nem precisou de oxigênio”, diz o filho Pierre Gadelha, administrador.

Diariamente, a família da idosa monitora a sua pressão arterial, a temperatura e saturação de oxigênio, e passa os dados para equipe de saúde que a monitora.

Segundo a comerciante Anna Gadelha, irmã de Pierre, a maior preocupação agora é com uma das tias que é fumante e tem enfisema pulmonar. A saturação está em 89%.

“Está oscilando para baixo. Já chegou em 86%. Quando baixa a saturação, é aquele desespero.

Tentamos comprar oxigênio, mas não conseguimos. Achamos um cilindro vazio por R$ 3.500, mas aí precisa ir atrás de recarga, entrar numa fila de espera”, conta.

A alternativa tem sido replicar o mesmo tratamento de Carmen, especialmente a fisioterapia pulmonar. Entre os exercícios, está o uso de um aparelho que trabalha a musculatura respiratória (o respiron) e a inalação com soro.

Na sexta (15), a médica de família Brena Santos tentava encontrar oxigênio para o pai, de 56 anos, com diagnóstico de Covid. Sem nenhuma comorbidade, ele estava com 50% do pulmão comprometido e com saturação entre 90% e 94%.

A família tinha comprado um cilindro de oxigênio vazio, com capacidade de 40 litros, por R$ 8.000. “Estamos tentando encher ainda.”

Uma fisioterapeuta colega de Brena também iniciaria na sexta à noite os exercícios respiratórios. “Tem uma lista de fisioterapeutas e todas estão ocupadas. Tá sendo dificílimo encontrar profissionais.”

Ela conta que o pai mora num sítio, começou a sentir os sintomas no último sábado (9), mas só a avisou na terça (12). “Ele estava cansado, com febre e um pouquinho dispneico [com dificuldade de respirar].”

Na quinta, ele fez uma tomografia e o exame da Covid (RT-PCR). “Tá bem difícil também para conseguir. Fizemos num laboratório mais caro e o resultado saiu no mesmo dia. Tem gente que está esperando dez dias.” Como médica, ela diz que consegue dar um suporte ao pai. “Mas a maioria das pessoas está perdida, procurando um lugar, tentando um atendimento e não consegue. Até nos hospitais particulares não há vaga.”

Brena atende numa UBS dedicada ao tratamento da Covid, mas está de licença médica. Na semana passada, chegou a atender 60 pacientes em oito horas de trabalho.

Famílias com ainda mais recursos contam com aparelhos que nem cidades do interior do Amazonas dispõem, com respiradores, estoque de oxigênio e equipe multiprofissional 24 horas.

É o caso da família do empresário Ariel Almeida, 35, com negócios nos setores da construção civil e gráfico. O irmão de Ariel, um servidor público de 37 anos, está há 14 dias sob tratamento contra as complicações da Covid-19 em casa.

Ele tem um respirador de uso não invasivo, estoque de oxigênio para as próximas 50 horas e um médico que o acompanha a distância.

Na casa do servidor público, um fisioterapeuta pulmonar e mais três técnicas de enfermagem se revezam 24 horas por dia nos cuidados.

O paciente não conseguiu conceder entrevista à Folha porque não pode falar muito devido à respiração fragilizada, mas autorizou o irmão a contar como está a sua rotina de tratamento.

Ariel diz que o quadro clínico do irmão se agravou neste sábado (17). “Ele está com muita dificuldade de respirar, mesmo com a ajuda dos aparelhos”, diz.

A família planeja ter mais um suprimento de oxigênio, com um cilindro cheio proveniente de Roraima, e transferi-lo para um hospital de São Paulo ou Brasília o quanto antes. “Só que temos disponibilidade de UTI aérea na região apenas para a próxima quarta-feira [21]”, afirma Ariel.

Ariel conta que já vinha se preparando para enfrentar a segunda onda de contaminações ao comprar todos os equipamentos. “Eu não aguentaria ver o meu irmão dentro de um hospital daqui nessas condições.”

Sem assistência médica adequada, muitas pessoas estão morrendo em casa em Manaus. Nas duas primeiras semanas de janeiro, foram 114 mortes em casa, contra 84 no mesmo período de 2020 e 82 no de 2019, segundo dados da Arpen-Brasil (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais no Brasil).

Desse total, apenas 16 têm como causa da morte a Covid. Mas há muitas outras suspeitas sem diagnóstico ou teste, que aparecem como SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave), insuficiência respiratória, pneumonia ou ainda causa indeterminada, geralmente associada à falta de assistência médica.

“Isso que estamos vendo é só um tantinho, vai subir muito ainda. Tem muita gente que ainda vai fazer o registro [do óbito]. Não se exige a certidão de óbito para sepultar, basta a declaração”, diz a médica

Fátima Marinho, pesquisadora sênior da Vital Strategies e que estuda os dados epidemiológicos no país.

Segundo ela, muitas mortes cardiovasculares também podem estar ligadas à Covid-19. “Ela afeta a coagulação, forma trombos. Como não se faz mais autópsia, entra como cardiovascular inespecífica.”

Entre 1º e 14 de janeiro deste ano, foram sete mortes por infarto e seis por AVC (Acidente Vascular Cerebral) em casa.

Em 2020, nesse mesmo período, foram três mortes por infarto e uma por AVC. Em 2019, houve uma por AVC e nenhuma por infarto.

“Não tem lugar para essas pessoas. Elas não têm como ser socorridas, muitas vão precisar de UTI. Se o caso for grave, em casa não há o que ser feito”, explica a médica.

“É uma tragédia inaceitável o que está acontecendo em Manaus. As pessoas sabem que se ficarem doentes, nem precisam ir para o hospital”, afirma César Eduardo Fernandes, presidente da AMB (Associação Médica Brasileira).

Segundo ele, os casos mais leves podem ser acompanhados em casa, com monitoramento da oxigenação por meio de um oxímetro. “Esse é um bom indício de agravamento da doença. É um dado mais concreto para a pessoa.”

A questão é que nos casos graves, mesmo que a pessoa consiga oxigênio em casa, há medicações que só podem ser administradas no hospital. Muitos casos também vão demandar sedação e intubação.

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