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Terreiro em Simões Filho é alvo de intolerância religiosa em disputa eleitoral; prefeito repudia ato

As imagens mostram o principal adversário do prefeito Dinha, o deputado estadual Eduardo Alencar (PSD), em uma visita ao terreiro de candomblé  |  Reprodução

Publicado em 11/11/2020, às 18h21   Reprodução   Luiz Felipe Fernandez

O terreiro Ilê Axé Ominigê, em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador, foi atacado em um vídeo que circulou nas redes sociais e aplicativos de mensagem instantânea, em mais um episódio de intolerância religiosa. Desta vez, com cunho político, já que a gravação defende a candidatura do prefeito Dinha (MDB), que tenta a reeleição. Ainda não há informações sobre a autoria do vídeo. Em nota, o prefeito repudiu o ato de intolerância religiosa [veja nota abaixo].

As imagens, que teriam sido filmadas na última segunda-feira (9), mostram o principal adversário de Dinha, o deputado estadual Eduardo Alencar (PSD), em uma visita ao terreiro de candomblé, liderado pelo babalorixá Luiz Natividade.

"Olá meu povo de Simões Filho [...] o candidato Eduardo Alencar, pedindo a benção do 'demônio' para ter as chaves da nossa cidade. Você evangélico, você católico, não permita isso. Nossa cidade só tem um único dono, que é Deus, e Deus levantou um homem chamado Dinha, que recebeu a missão para governar a nossa cidade", diz o narrador do vídeo, que em certo momento convoca os irmãos da "Quadrangular".

Nas redes sociais, o prefeito Dinha afirmou que repudia "atos de intolerância de qualquer natureza e Fake News" e garantiu que mantém uma relação "respeitosa" com diferentes segmentos da sociedade. De acordo com o texto, o prefeito se coloca como um defensor da "cordialidade" e da "liberdade de escolha".

"A falta de respeito na tentativa de pautar a disputa política, em Simões Filho, está causando indignação à nossa sociedade, e nossa Coligação repudia veementemente toda forma de notícia falsa, conteúdo preconceituoso, intolerância, retaliação ou violência que possam ferir a honra ou a moral do cidadão, grupos políticos, representações sociais ou religiosas", diz o texto, sem mencionar especificamente o vídeo ou o terreiro.

Tássia Batista, ekedi da casa Ilê Axé Ominigê, lamentou o caso os ataques no vídeo e disse que ninguém presenciou o momento da gravação. Ela destacou que é comum a visita de políticos no terreiro, e que o candomblé é, acima de tudo, uma "manifestação cultural".

Segundo Tássia, o crime de intolerância religiosa tem ainda o cunho "racista", visto que é um ataque a uma religião de matriz africana. A ekedi, posição de respeito ocupada por uma mulher na hierarquia do terreiro, admitiu ainda que desconhece a autor do vídeo e de qual igreja ou congregação supostamente pertencem.

Uma denúncia será protocolada no Ministério Público para tentar identificar os envolvidos no ataque e responsabilizá-los.

"Acreditamos que, para além da intolerância religiosa, já que não é com messiânico ou outros tipos de religiões que não são de matriz africana, um ato sobretudo racista. Por isso nosso posicionamento, pois não queremos que isso se repita, não dá para ser assim. A porta de entrada é essa, depois vemos o terreiro sendo quebrado, pessoas agredidas", disse Tássia em conversa com o BNews, relembrando o caso de Mãe Gilda, ialorixá morta em 2000 de infarto fulminante, após sucessivos ataques de seguidores da Assembleia de Deus.

A reportagem entrou em contato com o deputado estadual Eduardo Alencar, mas até o momento da publicação não obteve retorno. O mesmo aconteceu com o prefeito Dinha.

SOLIDARIEDADE

A comunidade Hunkpame Savalu Vodun Zo Kwe, cujo terreiro em Salvador fica no bairro do Curuzu, emitiu uma nota em apoio e solidariedade à casa Ilê Axé Ominigê. Em nota, citam o histórico de perseguição aos terreiros de candomblé, que só foram efetivamente protegidos pela lei, sem repressão policial, após a Constituição de 1988.

"Precisamos enfatizar que não apenas a prática religiosa do candomblé é garantida pela nossa Constituição Cidadã, mas também defendida contra todo tipo de intolerância religiosa através da lei federal 9.459/1997, e da lei estadual 13.182 de 20141, que tipificam como crime toda e qualquer prática, indução ou incitação à discriminação baseados em preconceito de cor, etnia e religião, dentre outros", ressalta o texto.

Na nota, o Vodun Zo cobra das autoridades a identificação dos responsáveis pelo ataque e promete união ao Axé Ominigê para garantir a "continuidade de sua prática religiosa e legado ancestral".

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