Justiça

Ação no STJ que pede federalização do caso “Chacina do Cabula” está pronta para julgamento desde setembro

Relator da ação diz que merece “aprofundamento a alegação de que as atuações da Polícia Civil baiana e da Justiça Estadual podem estar comprometidas”  |  Bocão News

Publicado em 23/11/2017, às 15h55   Bocão News   Rafael Albuquerque

Ainda não teve desfecho a ação policial que ficou conhecida como 'Chacina do Cabula', ocorrida em seis de fevereiro de 2015 na Vila Moisés, localidade do bairro do Cabula, em Salvador. Na ocasião, 12 jovens mortos e seis foram feridos gravemente - com idades entre 15 e 28 anos. Os policiais envolvidos alegaram legítima defesa. Os autos da ação que prevê o deslocamento de competência da Justiça estadual para a federal estão prontos para julgamento, porém ainda não há prazo. 

A juíza Marivalda Almeida Moutinho, que substituiu o juiz Vilebaldo José de Freitas Pereira na 2ª Vara do Júri durante suas férias, chegou a absolver, em decisão do dia 24 de julho de 2015, os nove policias militares da Rondesp Central acusados das mortes na chacina. Os PMs foram denunciados pelo Ministério Público do Estado (MP-BA) em maio de 2015 e a denúncia foi aceita pelo juiz Vilebaldo, em junho.  À época, a assessoria do Tribunal de Justiça da Bahia afirmou que a juíza informou que chegou à sentença após analisar as provas técnicas do processo.O fato foi veementemente criticado pelo promotor Davi Gallo, que disse que a decisão da magistrada foi de encontro a “todas as regras processuais”. A sentença foi dada pela juíza Marivalda apenas um mês depois de o MP-BA ter denunciado os policiais pelo crime, sem que sequer houvesse apresentação de resposta dos acusados Júlio Cesar Lopes Pitta, Robemar Campos de Oliveira, Antônio Correia Mendes, Sandoval Soares Silva, Marcelo Pereira dos Santos, Lazaro Alexandre Pereira de Andrade, Dick Rocha de Jesus, Isac Eber Costa Carvalho de Jesus e Lucio Ferreira de Jesus.

Em junho de 2016 o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, propôs ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) incidente de deslocamento de competência, que na prática significa transferir o caso da Justiça estadual para a federal. À época, Janot afirmou que ao absolver sumariamente os policiais militares envolvidos, sem permitir que o andamento normal do processo ocorresse, a Justiça Estadual não levou em conta informações importantes que poderiam levar a um resultado diferente.

Além disso, o MP-BA já havia concluído que os nove policiais militares envolvidos na morte das 12 pessoas planejaram o crime como vingança. A chacina foi motivada, apontou o órgão, por um confronto entre a polícia e traficantes da Vila Moisés no dia 17 de janeiro de 2015. Na troca de tiros, um tenente da Rondesp foi baleado no pé e dois jovens morreram. Para o MP-BA, a incursão na Vila Moisés no dia 5 de fevereiro foi premeditada e tinha o objetivo de dar uma "resposta a altura" ao tráfico de drogas na área. Desta forma, caracterizou-se grave lesão aos direitos humanos, o que também é um pressuposto para o pedido de descolamento de competência. 

O ministro relator do caso, Reynaldo Soares da Fonseca, que já havia considerado plausível o pedido de Janot, solicitou informações ao TJ-BA, à 1º Juízo da 2ª Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Salvador/BA e ao secretário de Segurança Pública da Bahia, sobre as alegações feitas acerca do caso. Em 14 setembro deste ano finalmente o processo ficou concluso para julgamento com parecer do Ministério Público Federal (MPF).

Em despacho no processo, o relator já havia afirmado ter “evidência de que os órgãos do sistema estadual não mostram condições de seguir no desempenho da função de apuração, processamento e julgamento do caso com a devida isenção”. 

“Impressiona a estatística apresentada na inicial e corroborada por números apresentados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (e-STJ fls. 480/483), de que, ‘Em dois anos e meio, entre janeiro de 2013 e 30 de junho de 2015, foram 616 mortes em confronto com a Polícia Militar baiana, sendo que muitos desses casos nem sequer contam com inquérito policial instaurado’ (e-STJ fl. 52), sendo que, dos 460 inquéritos instaurados no período (106 deles decorrentes de mortes em confrontos com a Polícia Civil), apenas 245 foram remetidos ao Judiciário. O quadro, com efeito, descreve indícios de uma possível violação de direitos humanos que pode, pelo menos em tese, vir a gerar responsabilização internacional do País”, complementou o relator se referindo aos dados apresentados pelo procurador-geral da República.

“Merece, igualmente, aprofundamento a alegação de que as atuações da Polícia Civil baiana e da Justiça Estadual podem estar comprometidas, tanto para a condução da investigação quanto para o julgamento do(s) processo(s) relacionado(s) ao evento cognominado ‘Chacina do Cabula’”, afirmou também o relator em despacho. O magistrado salientou que foram preenchidos os “requisitos para o recebimento do presente Incidente de Deslocamento de Competência. O quadro, com efeito, descreve indícios de uma possível violação de direitos humanos que pode, pelo menos em tese, vir a gerar responsabilização internacional do País”.

O relator da ação, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, considerou importante a lembrança do PGR de que “a reverberação de ações policiais truculentas, ocorridas em 1994 e 1995, no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro, levou a República Federativa do Brasil a responder por violação dos direitos humanos, perante a Corte Interamericana”.  No referido caso, a Corte condenou o Estado brasileiro pela falta de investigação e de punição dos responsáveis por 26 mortes em operações policiais nos episódios conhecidos como chacinas de Nova Brasília. Até hoje, ninguém foi preso, julgado nem condenado pelas mortes. Foi a primeira vez em que o Brasil foi julgado e responsabilizado na Corte por um caso de violência policial.

Em sua peça o relator afirma que merece “aprofundamento a alegação de que as atuações da Polícia Civil baiana e da Justiça Estadual podem estar comprometidas” e que “a narrativa pormenorizada efetuada pelo Procurador Geral da República, em peça extremamente bem escrita, demonstra, no mínimo, a existência de uma série de dúvidas sobre um possível excesso na conduta policial que levou à lamentável morte de 12 pessoas e à lesão de outras 6”. 

O processo de Incidente de Deslocamento de Competência está concluso para julgamento no STJ, com a PGR como suscitante e o Ministério Público da Bahia e a Polícia Civil do Estado da Bahia como suscitados, tendo como interessados todos os nove acusados, sob defesa do advogado Dinoermeson Tiago dos Santos Nascimento. Procurada, a assessoria do STJ informou que “ainda não há previsão para que seja pautado” e “também não há prazo” para julgamento do IDC 10. O MP-BA, por meio de nota, afirmou que “cumpriu todos os passos de sua atuação legal no referido caso, com instauração de Procedimento Investigatório Criminal, oferecimento de denúncia à Justiça estadual e recurso contra a decisão judicial de absolvição dos acusados. Caso haja a federalização, caberá ao Ministério Público Federal dar prosseguimento à ação perante à Justiça Federal”.

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