Religião

Quanto nome tem a Rainha do Mar: Conheça os detalhes das comemorações do Dois de Fevereiro

Iemanjá, Aziri-Tobossi e Samba Kalunga: veja os nomes dados à divindade pelas nações do Candomblé  |  Vagner Souza/BNews

Publicado em 02/02/2020, às 04h05   Vagner Souza/BNews   Yasmin Garrido

Oguntê, Inaiê, Janaína, Oloxum, Sobá, Dandalunda, Mucunã, Maria, Princesa de Aiocá, Iemanjá. Os nomes são muitos, mas a fé é uma só. Uma mãe que canta, alimenta, protege e cuida dos filhos. Deusa das Sereias ou das Ondinas, aquela a quem se chama na beira do mar, como canta Mateus Aleluia. E, neste domingo (2), Dois de Fevereiro, é o dia Dela, uma tradição que teve início em 1923, na Baía de Todos os Santos.

Tudo começou com o sofrimento dos pescadores em um momento de escassez de peixes. Foi quando um grupo decidiu oferecer um presente à Mãe das Águas e recebeu em troca a fartura. E, como canta também o mestre Gilberto Gil, “a Bahia que vive pra dizer como é que se faz pra viver onde a gente não tem pra comer, mas de fome não morre, porque na Bahia tem mãe Iemanjá”.

Assim como aconteceu com Oxalá e com os demais orixás, o culto a Iemanjá foi reprimido nos idos do século XVIII, quando a Igreja Católica entrou em conflito com os negros e impuseram a eles os próprios santos e santas. Assim, o Dois de Fevereiro é, ao mesmo tempo, dia de Iemanjá e de Nossa Senhora dos Navegantes, na Bahia e no Rio Grande do Sul; da Conceição, em São Paulo; e da Glória, no Rio de Janeiro.

Independente de crença, a Senhora das Águas é saudada em uma celebração que transcende fronteiras, sendo uma tradição secular. “Ela representa o feminino e a concepção de que toda mulher, no fundo, é mãe, independentemente de ter filho, pois traz na sua essência o olhar, o sentimento do cuidar”, explicou a antropóloga Maria das Graças de Santana Rodrigué, especialista em orixás.

Inicialmente, o culto ligava Iemanjá às águas doces, num rio que corre para o mar, por isso todas as saudações, oríkìs e cantigas remetem a essa origem. Odó Iyà, por exemplo, significa Mãe do Rio, enquanto a Erù Iyà faz alusão às espumas formadas do encontro das águas do rio com as águas do mar.

Em iorubá, ieiê ama ejá significa mãe cujos filhos são peixes. “Há a analogia com a mulher, que tem “poderes” sobre a vida, que tem o dom de gerar a vida”, destacou Maria das Graças. Ela é a mãe de todos, chamada de Yiá Orí, que significa  "Mãe de todas as cabeças'', sendo o espelho para os filhos.

Lendas e origens
São muitas as lendas sobre Iemanjá. Onde apareceu pela primeira vez, qual a origem, com quem casou, quem são os filhos. A primeira, já consenso, aponta que Ela é filha da divindade soberana dos mares e oceanos Olokun, sendo esse vínculo celebrado na cidade de Ifé, considerado como berço da civilização iorubá. Outra alude sua origem também a partir de Olorum (Olodumaré), divindade do orun.

O fotógrafo e etnólogo Pierre Verger, que muito se dedicou à cultura dos orixás, contava que a primeira união de Iemanjá foi com Orunmilá, o orixá dos segredos, sendo essa união celebrada, principalmente,  no culto de ifá afro-cubano. Segundo ele, a relação pouco durou, uma vez que Orumilá a expulsa e acusa de quebrar o ewo que proíbe o acesso de mulheres aos Odus e o manuseio dos objetos sagrados de Ifá.

Depois, Iemanjá foi casada com Olofin Oduduwa, criador do mundo e rei de Ifé, com o qual teve dez filhos, que possuem nomes correspondentes aos orixás cultuados até hoje. Outra lenda aponta que Iemanjá casou-se com Okere, rei de Xaki, cidade localizada ao norte de Abeokuta, após fugir do casamento com Olofin Oduduwa.

Mas, muito do que se conta sobre Iemanjá remonta o mito da união Dela com Aganju, da qual teria surgido o orixá Orungã, que tentou possuir a própria mãe em um momento de ausência do pai. A consumação do incesto levou à fuga de Iemanjá, que caiu sobre a terra e dos seios rasgados surgem dois lagos, levando a um parto coletivo de diversos orixás.

Arte e fé
São muitas as lendas que permeiam a história da Rainha do Mar. Mas, o que se sabe - e se acredita - é que Iemanjá é mesmo a Mãe das Águas, protetora dos pescadores e navegantes. E Ela é fonte de inspiração para a arte, desde a literatura à música. Nas obras de Jorge Amado, Iemanjá é figura que não pode faltar.

Em Mar Morto, o escritor traz os personagens Manoel e Maria Clara, sendo ele um mestre de saveiros e ela uma filha de Iemanjá. Já Guma, um típico pescador, acredita que o destino dele é um dia morrer no mar, como canta Dorival Caymmi. Eu diria que, em todos os romances onde a pesca e o Recôncavo se destacam, Iemanjá é personagem de peso”, disse Paloma Amado, filha de Jorge e Zélia Gattai.

Nas letras de Caymmi, d’Os Tincoãs, Gilberto Gil, na voz de Maria Bethânia e Marisa Monte, nas pinturas de Carybé, nas imagens de Verger, na parceria de Baden Powell e Vinicius de Moraes, onde a arte está, Iemanjá é retratada das mais diversas formas, de acordo com cada terreiro, crença e lenda.

Já nas telonas, a Rainha do Mar pode ser vista no filme Barravento, dirigido por Glauber Rocha; em Noites de Iemanjá, dirigido por Milton Barragan; em Espaço Sagrado, documentário baiano do diretor Geraldo Sarno; entre tantas outras representações cinematográficas ou da televisão brasileira, como as novelas A Indomada e Porto dos Milagres.

Quanto nome tem a Rainha do Mar?
Dandalunda, Janaína, Marabô, Princesa de Aiocá, Inaê, Sereia, Mucunã, Maria, Dona Iemanjá, Oguntê, Caiala, Sobá, Oloxum. Quanto nome tem a Rainha do Mar? No Candomblé, Iemanjá possui inúmeras características e personalidades que, às vezes, parece se tratar de orixás distintos.

Nações e nomes
Desde que o Candomblé chegou ao Brasil, com as diversas manifestações de culto e fé, três grupos ou nações permaneceram até os dias atuais: Grupos Fons ou Nação Jeje; Grupos Iorubás ou Nação Ketu; Grupos Bantos ou Nação Angola. As nações são representações singulares do culto aos Deuses, com tradições, nomes e formas diferentes de manifestação.

Quando nos referimos a Iemanjá, muita gente não sabe, mas essa é apenas uma das formas do orixá dentro do Candomblé. O nome Iemanjá é uma herança da nação Ketu, a mais comum no país, explicou o Pai de Santo Babá Pecê, do Terreiro Oxumaré, que é de nação Ketu. O grupo foi fundado na Bahia por princesas de Ketu e Oyó, que chegaram ao estado como escravas nos navios negreiros.

Já na nação Jeje o culto é a Aziri-Tobossi, que teve o culto difundido no  Brasil muito em razão à assimilação da cultura com Iemanjá, de origem iorubá. Aziri-Tobossi seria filha de Naete, a senhora suprema dos oceanos.

“A nação Jeje não cultua orixás, mas, sim, os Voduns, que recebem outras denominações, como é o caso de Aziri-Tobossi”, destacou Mãe Índia, do Terreiro do Bogum, que fica no Engenho Velho da Federação, em Salvador.

Por fim, na nação Angola, a devoção acontece à figura de Samba Kalunga/Kukuetu, divindade das grandes águas, dos mares e oceanos, conhecida como o útero do planeta, gerador de todas as espécies, inclusive a raça humana.

A responsável pelo Terreiro São Jorge Filho da Goméia ou Terreiro do Portão, que fica em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador, esclareceu que, para a nação Congo-Angola, “a divindade exerce forte influência sobre a fauna e a flora marinha”.

Desta forma, apesar de falarmos que 2 de Fevereiro é o dia de Iemanjá, é necessário que saibamos da diversidade de nomes que a divindade recebe a depende da nação do Candomblé  na qual é cultuada.

Veja abaixo os deuses e as variações de nomes em cada nação de Candomblé:

Dois de Fevereiro
No Candomblé ou na Umbanda, o dia da Rainha do Mar é Dois de Fevereiro e, em Salvador, acontece a maior festa nacional em homenagem à divindade. Na data, o bairro do Rio Vermelho fica lotado de adoradores da Mãe das Águas, independente do nome que receba.

A festa no Rio Vermelho surgiu quando a celebração do presente de Iemanjá no Candomblé migrou do Dique do Tororó para o mar em 1924, vindo a substituir a tradicional festa de Sant'Ana. As homenagens a esta última santa ainda acontecem, quando os pescadores celebram, no dia 29 de junho, uma missa na Igreja Católica de Sant’ Ana, vizinha à colônia.

Atualmente, as homenagens a Iemanjá começam de madrugada do dia Dois de Fevereiro, com devotos do Candomblé, da Umbanda e do Catolicismo colocam as ofertas e bilhetes com pedidos em balaios que são levados ao mar por cerca de 300 embarcações.

Apesar de a principal festa ser em Salvador, no dia Dois de Fevereiro, outras celebrações em homenagem  à divindade também acontecem em 15 de agosto, 8 de dezembro e 31 de dezembro, em outros estados brasileiros, como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraíba.

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