Economia & Mercado

Aviso aos Navegantes

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Bnews - Divulgação

Publicado em 31/07/2019, às 08h33   Hamilton Ferreira*


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A complexidade dos temas sociais e, em particular, dos problemas econômicos que se apresentam na passagem do tempo na História e sua organização em teorias econômicas, tem adquirido o estatuto de ciência em ação. A Ciência Econômica foi paulatinamente reduzida a modelos econômicos, para variados propósitos, que permitem simular problemas econômicos em programas digitais para processamento em computadores e o teste empírico de aspectos singulares das teorias com diferentes níveis de detalhe. Não haveria ciência sem modelagem.

Já a escolha dos temas a serem tratados, com narrativas ou modelos, a hierarquização dos problemas sociais efetivos e a distribuição dos seus custos e benefícios sobre determinada estrutura social, continua a ser objeto do escrutínio do cientista/pesquisador, isto é, como antes advertiu o austríaco Joseph Schumpeter, essas opções axiomáticas fazem parte da pré-visão do cientista social. Embutida nos postulados, a metafísica dos cientistas molda o “mundo em modelos”. Mais poderoso ainda se torna o poder das ideologias quando se trata de reproduzir o debate internacional, com respeito a economias existente num determinado espaço/tempo. A famosa passagem do abstrato (lógico-formal) para o concreto (economia específicas) – a tal “síntese de múltiplas determinações”, conforme Karl Marx -, sempre foi objeto de uma interminável querela metodológica. No entanto, o problema existe. Vejamos.

Por enquanto, em escala menos dramática, assiste-se no Brasil a toda espécie de repetição do pior da política e do debate internacional. Como é difícil encontrar alguém a favor da corrupção, do crescimento insustentável da dívida pública, do voluntarismo delirante na condução da política econômica e social, pareceria razoável dirigir o foco para o terrível desemprego que arrebenta com as famílias e as equipes de trabalho nas empresas, poder-se-ia discutir as políticas científicas e tecnológicas adequadas para que a estrutura da economia fosse capaz de suportar o tranco da nova indústria 4.0, ou mesmo, e fundamental para as famílias pobres, dedicar-se ao desenho de políticas sociais e dos problemas de educação e saúde que comprometem a sobrevivência diária e a inclusão econômica, se e quando a economia voltar a crescer acima de 02% ao ano.

Do ponto de vista microeconômico, os processos de mercado e a concorrência apontam para uma integração mais estreita do Brasil às correntes do comércio mundial, com consequências na dimensão e estrutura industrial, importantes mudanças no leque de capacitações da força de trabalho, nas formas de contratação do trabalho e de sua remuneração. A disputa comercial, tecnológica e de projeção do poder em nível mundial deveria nos fazer prudentes e aproveitar literalmente todas as janelas de oportunidade para absorção e incorporação de novas tecnologias. Como discutir esses assuntos numa perspectiva apenas ideológica? Os países e seus Estados não têm amigos fraternos, fazem negócios e protegem suas populações. Como e em que direção seria possível refazer as políticas regionais ligadas à integração nacional ou, pelo contrário, elas são desnecessárias e apenas a educação disseminada no território e nas cidades do país se apresentaria como suficiente para dar conta das disparidades regionais? De outra forma, as diferenças de efetividade nas políticas de educação no país são a causa dos desequilíbrios regionais? São inúmeras as questões relevantes a serem discutidas, enquanto o nosso Ministério da Ciência e da Tecnologia se mantém num mutismo estarrecedor e as fontes oficiais de financiamento são estranguladas à vista de todos. Nenhuma dessas questões é apreendida apenas no âmbito das teorias marxista, neo-clássica, schumpteriana ou keynesiana, em quaisquer das suas versões!

Entre as modalidades institucionais para a condução dos conflitos entre visões do mundo divergentes, o estado de direito democrático tem permitido a convivência social de mundos individuais discrepantes. O que pode ter acontecido recentemente no Brasil? Parece que se perdeu aquele fundo comum de acordo mínimo na sociedade sobre a crescente importância da ciência e da cultura como forma de dar sentido ao futuro que, de uma forma ou outra, será compartilhado. Nessa maré de desconsolo, requentam-se críticas a economistas defuntos, apregoam-se testes definitivos que determinariam a natureza científica das proposições econômicas. Ora, aprecie-se ou não, a história do pensamento econômico está cheia de êxitos e fracassos, assertivas gerais jamais comprovadas empiricamente e que formam o pano de fundo com base no qual as diversas comunidades de economistas (e seus modelos) tentam encenar o debate contemporâneo sobre a teoria econômica e as possíveis trajetórias da economia brasileira. Não vale todo e qualquer procedimento analítico, mas, ainda, vale discutir a escolha do detalhe ou ângulo a ser pesquisado num ambiente humano onde o inferno continua sendo os outros.           

*Hamilton Ferreira é pesquisador colaborador do Núcleo de Estudos Conjunturais da Universidade Federal da Bahia Professor (NEC/UFBA). Professor de Organização Industrial e Estratégia Competitiva na graduação e na pós graduação da Faculdade de Economia  da UFBA. Doutor em Teoria Econômica no Instituto de Economia da UNICAMP. 

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