Educação

JK: o sonhar de um Brasil com um projeto desenvolvimentista e democrático

Imagem JK: o sonhar de um Brasil com um projeto desenvolvimentista e democrático
Bnews - Divulgação

Publicado em 25/08/2019, às 22h18   Penildon Silva Filho


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Nos dias 20 e 21 de agosto tivemos duas apresentações do Espetáculo “JK: um Reencontro com o Brasil”, no Teatro Castro Ales, em Salvador, Bahia, uma produção da Fundação Brasil Meu Amor. No dia 20 houve uma apresentação gratuita para estudantes de ensino médio e das séries finais do ensino fundamental, e no dia 21 o Teatro foi aberto ao público em geral. Resultado de uma pesquisa histórica e apresentado como um gênero híbrido de musical e documentário com fotos, notícias e citações da História de Juscelino Kubitschek, de seus governos em Belo Horizonte, Minas Gerais e na Presidência da República, a narrativa é alinhavada pela interpretação de várias músicas brasileiras.

A sucessão de bonitas músicas, representativas de nossa Cultura e de nossa História e muito bem interpretadas pela solista Gláucia Nesser, garantem uma transcendência na fruição do espetáculo, conjuminando o perfil educativo (de especial importância num momento em que tentam esquecer ou desvirtuar nossa História), com a vertente lúdica e sensível. Erra quem afirma que a Arte não pode educar, engajar, fazer pensar, contribuir para um processo civilizatório e de conscientização do ser e estar no mundo, descortinar fatos históricos, fazer repensar sobre o Brasil e o planeta. Seria muito positivo que, a partir da concepção de Educação Integral de Anísio Teixeira como uma formação integral que acione e desenvolva todos os aspectos do espírito e do corpo humanos, os alunos de todos os níveis da Educação Básica tivessem acesso constante e sistemático a espetáculos de Teatro, de Música, de Dança, a exposições de artes plásticas/visuais, num grande programa de “formação de plateia”. Com certeza não iriam faltar artistas, produtores culturais das universidades e da sociedade como um todo para ocupar muitos espaços artísticos que precisam ser mais frequentados pela juventude, especialmente num momento de tantos discursos de ódio, de intolerância e de fortalecimento do “complexo de vira-latas” do brasileiro.

O espetáculo sobre a vida de JK se propõe e atinge o objetivo de demonstrar que o Brasil é um país grande em extensão e em riquezas naturais, mas que pode se destacar não apenas por isso. A trajetória de JK, especialmente na Presidência da República, como herdeiro do nacional-desenvolvimentismo de Getúlio Vargas, elenca como foi possível integrar a nação brasileira, construir uma nova capital no coração do Brasil, acelerar a implantação e o crescimento da indústria, criar várias universidades federais, construir dezenas de milhares de quilômetros de estradas. JK foi um líder, muito mais que um simples gestor, capaz de mobilizar as pessoas para projetos ambiciosos, modernizantes, de fortalecimento da indústria, da Ciência e Tecnologia, assim como para fortalecer a soberania nacional, seja por esse desenvolvimento urbano-industrial-educacional, ou seja pela integração das diferentes regiões do país. Um país otimista, realizador, produtivo, capaz de sonhar e de realizar sonhos, um país que não almejava dominar outras nações, propugnava pela paz e pela autodeterminação dos povos e pela defesa da Democracia.

Essa memória deve ser honrada e prestigiada, especialmente porque depois de JK, o presidente João Goulart, Jango, tentou dar seguimento ao desenvolvimentismo de JK com as “reformas de base”, as reformas agrária, urbana, universitária, bancária, além da nacionalização de empresas e da ampliação da intervenção de empresas públicas como a Petrobras, mas teve seus esforços interrompidos por um golpe civil-militar que durou 21 anos e deixou centenas de mortos e desaparecidos, um país altamente desigual e injusto e uma História distorcida ou ocultada das novas gerações.

Com o golpe militar, JK foi perseguido, chegou a ser preso num processo de clara manipulação política, com acusação de que seria dono de um prédio no Rio de Janeiro. Em 1976 foi assassinado pela ditadura militar. No caso de Juscelino, temos o livro “A assassinato de JK pela Ditadura: os documentos oficiais”, de Alessandro Otaviani, Léa Vidigal Medeiros e Marco Aurélio Braga, com muitas provas que demoraram em ser reunidas por conta do período ditatorial da época (ver mais em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2019/08/24/interna_diversao_arte,778872/livro-morte-juscelino-kubitschek.shtml ).

Devemos também prestigiar essa memória pois assim como no golpe civil-militar de 1964-1985 que teve como um dos principais objetivos destruir o legado de JK, hoje também procuram desconstruir o ideário desenvolvimentista e democrático: em vez de um país otimista, temos o fortalecimento do Brasil humilhado, com a “síndrome do vira-lata” mais forte do que nunca; em vez de um Brasil realizador e produtivo, constroem um país do sempre “levar vantagem em tudo”, do atraso, da ganância e do rentismo financeiro; em vez de um país capaz de sonhar e de realizar sonhos, temos um país do ódio, do recalque, do ranço e do medo. Mesmo a mentalidade de um Brasil que não almejava dominar outras nações, propugnava pela paz e pela autodeterminação dos povos e pela defesa da Democracia, hoje é destroçada. Da mesma forma que na ditadura civil-militar, procuram nos dias presentes construir uma posição de ataque aos países vizinhos, de desprezo pela Democracia e pelos Direitos Humanos, de elogio aos torturadores, estupradores, assassinos e ladrões da ditadura.

A História pessoal de Juscelino Kubitschek guarda uma outra dimensão social, cultural, simbólica, psicológica e política importante para os jovens e todos de forma geral, e foi muito bem apresentada pelo presidente da Fundação Brasil Meu Amor, Jean Obry, na abertura do espetáculo: a dimensão de que precisamos de heróis para construir nossas vidas e nossa civilização, que servem de referência e de modelo para sermos cada um também um indivíduo em busca de uma realização.

Nós nos identificamos com os mitos de pessoas que saem de situações difíceis, adversas, fazem uma jornada, aprendem, crescem, se fortalecem e cumprem um destino, uma missão, realizam sonhos, mudam o mundo. Todos nós almejamos uma jornada e as obras de arte trabalham com isso o tempo todo. Trata-se da dimensão da “saga do herói”, “o mito da jornada do herói” abordado em vários livros, como no clássico “Para viver os mitos”, do mitólogo Joseph Campbel. Como Joseph Campbell, o maior especialista do século 20 na mitologia mundial, observou: “Os símbolos da mitologia não são fabricados; eles não podem ser ordenados, inventados ou permanentemente suprimidos. São produções espontâneas da psique.” (O herói com mil faces, Joseph Campbell ). Campbell também explicou: “Esses símbolos [mitológicos] provêm da psique; eles falam de e para o espírito. E eles são de fato os veículos de comunicação entre as profundidades mais profundas de nossa vida espiritual e essa camada relativamente fina de consciência pela qual governamos nossas existências de luz do dia. ” ( Pathways to Bliss, Joseph Campbell ) (ver mais em: https://www.pensarcontemporaneo.com/joseph-campbell-e-o-mito-da-jornada-do-heroi/)

Juscelino Kubitschek nasceu pobre e não calçou sapatos até os 12 anos, estudou e se formou médico, e posteriormente teve orgulho de ser político para realizar seus sonhos. Não mais satisfeito em curar pessoas individualmente como médico, quis abraçar a nação, pois sua vontade de ajudar, de servir e de construir era muito generosa. Precisamos dessa generosidade nos ideais e na ação política para ultrapassar esse momento atual de obscurantismo e nos “reencontrarmos com o Brasil”. Como a solista do espetáculo falou ao final do mesmo: “carrego aqui a bandeira do Brasil para dizer que ela não deve ser monopólio de nenhum político ou candidato, ela é de todos nós”. Precisamos compartilhar o sentimento de pertencimento a essa comunidade maior da Nação, para reencontrarmos o nosso caminho de sonho, de beleza, de inclusão social, de crescimento econômico, de Democracia.

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