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Os efeitos da guerra comercial na economia global

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A guerra comercial, antes de mais nada, deve ser compreendida como uma estratégia americana para afastar-se da crise estrutural  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 28/09/2019, às 08h00   Cairo Andrade e Victor Andreoni


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O processo de globalização da economia que se intensifica a partir dos anos 1980 e foi utilizado como estratégia política para retirar a economia global da estagnação e desiquilíbrio, vem sendo colocada em xeque, no atual contexto, onde diversas barreiras tarifárias foram implementadas pelo governo dos EUA sob o argumento que tais medidas protecionistas são necessárias para estimular a o crescimento da economia americana. A recente declaração feita pelo Presidente D. Trump, o qual afirmou que as empresas norte-americanas “comecem imediatamente a procurar por uma alternativa à China, o que inclui trazer suas empresas para casa e fabricar seus produtos nos EUA”, reforça o pressuposto de uma política anti-globalização.

A guerra comercial, antes de mais nada, deve ser compreendida como uma estratégia americana para afastar-se da crise estrutural subjacente ao sistema capitalista que vem cambaleando desde o colapso financeiro de 2007-2008 e estar intrinsicamente ligado à manutenção da hegemonia norte-americana na economia mundial através do controle do setor de tecnologia, onde a China vem ocupando cada vez mais destaque e ameaçando os EUA.

Para suplantar a crise, os países centrais adotaram o receituário de política macroeconômica contraditória, pois no âmbito da política fiscal houve medidas contracionistas, executaram reformas trabalhistas e na dimensão monetária reduziram as suas taxas de juros.  Os resultados alcançados não são nada satisfatórios, dado que o cenário da economia mundial pós crise 2007-2008 é marcado por baixo crescimento do PIB global, atualmente em um processo de desaceleração, e um mercado de trabalho com baixa taxa de desemprego, contudo, com ascensão de subempregos e estagnação do salário real.

De acordo com a Organização Mundial do Comércio, a disputa iniciada pelo governo americano em maio de 2018 se intensificou no último mês agravando a guerra comercial entre EUA-China, afetando diretamente 3% do comércio global. Isto porque, o Presidente D.Trump decidiu por aumentar as tarifas de importação sobre os produtos chineses de 10% para 25% em milhares de produtos. Pequim reagiu com tarifas que variam de 5% a 25% em mercadorias dos EUA e no seu último ataque tarifário incluiu uma taxa de 5% sobre o petróleo bruto dos EUA, a primeira vez que o combustível foi atingido na batalha comercial.

Para o FMI (Fundo Monetário Internacional), a economia chinesa está desacelerando o que leva uma redução das importações, portanto, a continuidade da guerra comercial pode resultar em redirecionamentos importantes do comércio mundial, com possíveis efeitos adversos sobre determinados setores e países. Isto porque, uma redução do déficit bilateral com os Estados Unidos por meio do aumento das importações chinesas de produtos americanos passaria por uma redução das compras externas da China de produtos de outros países. Na hipótese de aumento das compras chinesas de soja provenientes dos Estados Unidos, por exemplo, afetaria negativamente o setor do agronegócio brasileiro.

Enquanto na Europa, a disputa impacta diretamente o setor automobilístico da Alemanha, pois a China também adicionou novas tarifas aos carros fabricados na América. A Tesla, assim como as montadoras alemãs Daimler e BMW, são as mais vulneráveis às cobranças adicionais. Seis dos 10 principais modelos de veículos exportados dos Estados Unidos para a China, o maior mercado de automóveis do mundo, são duas marcas alemãs, de acordo com a previsão da LMC Automotive.  A taxação chinesa acontece porque o presidente D. Trump enviou um relatório para o Departamento de Comércio dos EUA que recomenda tarifas de até 25% em veículos e peças de carros, alegando que essas importações ameaçam a segurança nacional dos Estados Unidos.

Para o Banco Mundial (2019), a guerra comercial entre Estados Unidos e China e a saída do Reino Unido da União Europeia afetam negativamente as expectativas sobre o comercio internacional, limitando o crescimento das Cadeias Globais de Valor (CGV). Caso todas as tarifas atualmente sob consideração forem implementadas, elas afetariam cerca de 5% do fluxo do comércio global e pode reduzir o crescimento nas economias envolvidas, agravando com isso a dinâmica econômica internacional.

O FMI projeta 3,2% para o crescimento global em 2019, uma redução quando comparado ao crescimento de 3,6% do ano anterior. Esta redução é reflexo do atual cenário global que traz como principal acontecimento a guerra comercial, mas existe outros fatores que contribuem para a conjuntural global, quais sejam: a) uma economia europeia cada vez mais desacelerada, onde a Alemanha apresenta indícios de que caminha para uma recessão técnica; b) a “novela” Brexit que continua se estendendo sem apresentar um desfecho claro; c) conflitos no Grande Oriente Médio que refletem no mercado global de energia e tem como foco o acirramento das relações entre EUA e Irã, assim como acirramento dos relacionamentos da Arábia Saudita com seus vizinhos, onde um recente ataque de grupos Iemenitas pode causar uma crise na dinâmica da produção e do preço do petróleo; d) uma América Latina onde as principais potências econômicas (Brasil e Argentina) passam por crise econômica, com a Argentina declarando moratória da dívida com o FMI e enfrentando uma grande desvalorização do Peso frente ao Dólar, enquanto o Brasil apresenta uma recuperação muito lenta e uma redução no seu superávit comercial.

Em relação a guerra comercial, vale destacar os efeitos negativos sobre as expectativas empresariais, recaindo peso maior sobre empresas ligadas às cadeias globais de valor e os consumidores que passaram a absorver os custos das tarifas, reduzindo assim, o comércio mundial como um todo, além da desaceleração do crescimento econômico entre os principais países envolvidos.

As tentativas de um novo acordo entre as duas maiores potências do capitalismo seguem de maneira indefinida, porém tal acordo é colocado pelas principais organizações multilaterais (FMI, Banco Mundial, OMC) como única alternativa para que o comércio global retorne para uma taxa de crescimento econômico sustentado.

Dado esse cenário que aponta para um processo de agravamento da crise econômica na economia global, os quase nove meses do governo Bolsonaro não apresentou nenhuma medida ou proposta concreta de recuperação do crescimento econômico e do emprego. Pelo contrário, tem promovido, através de discursos e ações, uma maior instabilidade política e econômica, afetando negativamente de forma substancial as expectativas dos agentes econômicos. Ou seja, com as perspectivas de aprofundamento da crise internacional, a via de recuperação da economia brasileira deve ser o estímulo à retomada do crescimento do mercado interno, possibilidade esta pouco provável de acontecer diante das medidas de política econômica do governo Bolsonaro.

Cairo Andrade -  Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrando em Economia na Faculdade de Economia da UFBA. Graduado em Economia na Faculdade de Economia da UFBA.

Victor Andreoni -   Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Graduando em Economia na Faculdade de Economia da Ufba.

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