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O Brasil no Atual Cenário Global

Imagem O Brasil no Atual Cenário Global
Bnews - Divulgação

Publicado em 06/10/2019, às 07h41   Cairo Andrade e Victor Andreoni


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Como abordado anteriormente no artigo “Os efeitos da guerra comercial na economia global”, publicado aqui no BNews, o atual cenário global apresenta um processo de desaceleração do crescimento, onde um dos principais fatores para tal efeito é a guerra comercial entre EUA e China que já se estende por 17 meses. O FMI (Fundo Monetário Internacional) projeta 3,2% para o crescimento global em 2019, uma redução quando comparado ao crescimento de 3,6% do ano anterior.
Seguindo a tendência global, o Brasil, principalmente com os Govermos Temer e Bolsonaro, tem aprofundado o receituário neoliberal de políticas fiscal e monetária contracionistas, executou reforma trabalhista, reduziu a sua taxa de juros SELIC, mas promoveu a contração do crédito – particularmente promovendo um forte desmonte dos bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica, e BNDES).

No entanto, os resultados alcançados não são nada satisfatórios. Após dois anos consecutivos de taxas negativas de crescimento – 2015 (-3,15%) e 2016 (-2,93%) -, dois anos com taxas pífias de crescimento – 2017 (0,99%) e 2018 (1,08%), para o ano de 2019, o Banco Central do Brasil projeta um crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de apenas 0,87%. Ou seja, essas taxas positivas de crescimento de 2017, 2018 e 2019 não são suficientes nem para recuperar os dois anos de taxas negativas de crescimento, deixando em evidência que as políticas implementadas nos últimos anos não corroboram em nada para a recuperação econômica do país, pelo contrário, aprofunda a grave situação de crise econômica.

Fazendo uma análise do setor externo brasileiro dentro dessa conjuntura conturbada, no período de janeiro a agosto de 2019, podemos observar que as exportações brasileiras não apresentaram um bom desempenho quando comparadas ao mesmo período do ano anterior, mesmo com uma taxa de câmbio mais depreciada que em 2018. Dificuldades econômicas de parceiros importantes do Brasil, como a Argentina, “turbulências diplomáticas” e complicações decorrentes da postura de negociação comercial dos EUA com a China, têm imposto mais contratempos às vendas externas do Brasil.

A evolução da conta de Transações Correntes, que compõem o Balanço de Pagamentos brasileiro, como sempre, é determinada, por um lado, pela situação do comércio internacional de bens e serviços (preços e quantidades dos produtos exportados e importados pelo país) e pelo nível da taxa de câmbio; por outro, pelo ritmo da atividade econômica interna. Para o acumulado de janeiro a agosto de 2019, o saldo das transações correntes se revela deficitário em US$ 30,28 bilhões, uma variação de 64,8% em relação ao mesmo período do ano anterior (déficit de US$ 18,37 bilhões). O déficit em transações correntes somou US$ 33,9 bilhões (1,84% do PIB) nos 12 meses encerrados em agosto, ante déficit de US$ 31,3 bilhões (1,70% do PIB) no período equivalente terminado em julho.

O aumento do déficit nas transações correntes é reflexo, essencialmente, dos resultados negativos na balança comercial e de serviços e renda. A balança comercial apresentou uma redução de -18,8%, saindo de US$ 33,45 bilhões (2018) para US$ 27,16 bilhões (2019). Os saldos das contas de capital e financeira também caíram, onde apenas a conta de capital mantém-se superavitária; a conta de capital apresentou redução de -17%, de US$ 0,35 bilhões (2018) para  US$ 0,29 bilhões (2019), já a conta financeira teve um aprofundamento do seu déficit de 64,5%, saindo de US$ -19,6 bilhões (2018) para US$ -31,83 bilhões (2019).

A redução do superávit comercial pode ser explicada principalmente pela queda das exportações, tanto de bens da indústria de transformação como de produtos primários, apesar de uma leve queda nas importações também. As exportações apontaram uma redução de 5,77%, apresentando US$ 148,99 bilhões (2019) ante US$ 158,1 bilhões (2018); já as importações tiveram queda de 2,27%, saindo de US$ 124,66 bilhões (2018) para US$ 121,83 bilhões (2019).

Ao analisar a pauta de exportações brasileira, vale destaca a soja mesmo triturada e os automóveis de passageiro, que apresentaram diminuição significativa nas suas exportações. A soja mesmo triturada apresentou uma redução de 22,63%, saindo de US$ 25,72 bilhões (2018) para US$ 19,9 bilhões (2019), devido à diminuição da demanda do mercado chinês, afetado por uma crise sanitária nos rebanhos de suínos; já os automóveis de passageiros apresentaram uma redução 34,62%, saindo de US$ 3,9 bilhões (2018) para US$ 2,55 bilhões (2019), reflexo da crise na Argentina, principal destino do setor.

O déficit na conta Serviços vem se mantendo estável nos últimos anos, e em 2019 a tendência continua a mesma. Para o acumulado de janeiro a agosto, a conta de serviço apresentou um déficit de US$ 23,33 bilhões (2019) ante US$ 23,6 bilhões (2018), uma redução de apenas 1,1%, reflexo da queda do nível de atividade econômica registrada no mesmo período.

Outro ponto que vale destacar é a conta financeira, onde apenas no mês de agosto a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) registrou fuga de capitais em quantidades significantes, a maior fuga de capital estrangeiro em pelo menos 23 anos. Segundo dados da B3 (empresas de infraestrutura de mercado financeiro), as saídas totalizaram R$ 10,79 bilhões, resultado de R$ 190,08 bilhões em compras de ações e de R$ 200,87 bilhões em vendas. Essa fuga de capitais é sintoma de um cenário em que, enquanto investidores e executivos aguardam o avanço da agenda de reformas e o aquecimento da atividade, as declarações desastrosas do Presidente da República, catástrofes ambientais e embates nas relações exteriores brasileiras começam a impactar na decisão de aplicar dinheiro no país.

Dada às circunstâncias abordas neste artigo e no anterior, consideramos duas dimensões de erros de estratégia do governo Bolsonaro para tentar retomar o crescimento econômico:

1)    no âmbito da política externa, o mínimo que poderíamos esperar de um governo responsável pela retomada do crescimento do país era que o Brasil adotasse uma postura pragmática em sua política externa, que melhore sua imagem na economia global, implementando uma agenda multilateral e de fortalecimento do Mercosul. Entretanto, a desastrosa política externa defendida pelo governo Bolsonaro, aliada à sua postura bélica em seus discursos ofendendo governos dos países centrais e da periferia, assim como se relacionando de forma subordinada ao governo Trump, coloca o Brasil em uma posição mundial desfavorável e de riscos de boicotes comerciais e diplomáticos. Além do mais, um ponto que surge dentro deste caminho é o anúncio do acordo comercial entre a União Europeia e Mercosul, contudo, este ainda deve passar por aprovação dos parlamentos dos países membros de ambos os blocos para então entrar em vigor, além do mais, ainda é muito cedo para se constatar quais impactos que esse acordo pode gerar para o setor externo brasileiro.

2)    No âmbito da política interna, o caminho mais viável para a recuperação econômica é fortalecer o mercado interno. Isso pode ser feito através do fortalecimento da renda dos trabalhadores para estimular o consumo, aliada a uma política de estímulo ao investimento privado através do crescimento do investimento público. Os bancos públicos, nesse sentido, seriam atores essenciais nesse processo. No entanto, as medidas do governo Bolsonaro com o aprofundamento da reforma trabalhista, a reforma da previdência, a continuidade da manutenção do teto dos gastos implicam em continuidade da grave crise econômica que vive o país, com baixa taxa de investimento, elevado nível do desemprego, queda da renda dos trabalhadores e aumento da concentração de renda, como mostram os dados do IBGE.

Cairo Andrade -  Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrando em Economia na Faculdade de Economia da UFBA. Graduado em Economia na Faculdade de Economia da UFBA.

Victor Andreoni - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Graduando em Economia na Faculdade de Economia da Ufba.

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