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Não se aprendeu nada com a crise de 2008?

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. O que podemos afirmar é que essa ação demonstra que o Banco Central norte-americano está perdendo o controle sobre as taxas de juros praticadas no sistema financeiro  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 14/10/2019, às 12h47   Carolina Reitermajer e Thiago Bartolome


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O Banco Central norte-americano, conhecido como Federal Reserve, realizou no último mês de setembro uma série de injeções de dinheiro no mercado financeiro: foram US$75 bilhões no dia 16, US$53 bilhões no dia 18, e mais 75 bilhões de dólares no dia 19, o que no total representa algo em torno de US$203 bilhões.

Mas porque essa injeção acontece? E qual o seu significado? Uma injeção de liquidez no sistema financeiro é uma operação que tem como objetivo conter pressões no mercado através de empréstimos do Banco central, visando impedir que ele entre em colapso. No caso dessas injeções mais recentes, o Banco Central estadunidense procurou impedir que o crescimento repentino das taxas de juros no mercado de empréstimos de curto prazo no sistema financeiro, conhecido através das operações de recompra, pressionasse o mercado de ativos de curto prazo. Embora a última vez que essa medida foi adotada pelo Banco Central norte-americano tenha sido em meio à crise financeira de 2008, o que seria suficiente para causar enorme alarme, analistas afirmaram que os motivos pelos quais os Estados Unidos executaram essa injeção de liquidez foram puramente técnicos, e que não há risco de que uma crise financeira esteja próxima. A declaração dos analistas, porém, não necessariamente indica que o risco de uma crise seja inexistente. Pode ter sido apenas uma forma de evitar que haja um aumento na instabilidade do mercado devido a agitação que a possibilidade de crise causa. O que podemos afirmar é que essa ação demonstra que o Banco Central norte-americano está perdendo o controle sobre as taxas de juros praticadas no sistema financeiro, e precisou recorrer a medidas drásticas para conter a instabilidade, como a criação repentina de bilhões de dólares.

Um dos agravantes da instabilidade do sistema financeiro se deve aos efeitos da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, que levou o presidente Donald Trump a ameaças de aumento de tarifas para produtos chineses, as quais fazem com que os mercados se agitem quanto ao futuro da economia internacional. Além disso, as decisões de Trump a respeito da guerra comercial pressionam o Banco Central norte-americano a manter a taxa de juros baixa para prover o crescimento econômico e minimizar o desemprego. Dessa forma, mesmo que a instabilidade que ocorre hoje em dia no mercado financeiro americano não signifique que uma crise financeira esteja prestes a acontecer, também não significa que a agitação da economia mundial não tem efeitos negativos num sistema financeiro demasiado insuflado em crédito. Com a instabilidade na economia, a possibilidade de crise financeira está mais próxima do que muitos gostariam de acreditar, bastando que o nível de não pagamento de dívidas aumente para se verificar um dominó que imploda o mercado financeiro.

O Lehman Brothers, um dos maiores bancos de investimentos dos Estados Unidos pré-crise de 2008, foi o retrato do uso das ferramentas operacionais falidas do sistema financeiro, pois passou dentro de um único ano de ganhos de lucratividade exorbitantes até a maior falência já registrada no país norte-americano. O Lehman conseguiu alavancar seus ganhos, principalmente, pelas operações de recompra (repo) que são ferramentas transacionadas pelo sistema financeiro em que uma instituição compra um determinado ativo (geralmente, títulos da dívida) e o vende para uma outra instituição financeira para firmar um compromisso de recompra em uma data futura. Além disso, o Lehman, em 2008, combinou as abordagens de “movimentação” e “armazenamento” da securitização e, isto, envolveu a associação de empréstimos tóxicos para gerar títulos negociáveis no mercado, divididos em parcelas com diferentes classificações de crédito que foram rapidamente transferidas para uma ampla gama de investidores, de bancos e seguradoras. Logo, todo o sistema financeiro estaria alavancando seus ganhos e, assim, a dependência interbancária por liquidez cresceria na mesma proporção. Dessa forma, a Grande Recessão surge devido, primeiramente, ao congelamento do mercado interbancário de liquidez, muito semelhante com o que aconteceu recentemente em que o Banco Central norte-americano teve que injetar os dólares no sistema financeiro.

Quando o então presidente do Banco Central estadunidense, Ben Bernanke, em 2009, estava sendo entrevistado e foi questionado se o dinheiro que estava sendo injetado no sistema financeiro era proveniente dos impostos, acentuadamente, Bernanke respondeu que “não é dinheiro dos impostos. Para emprestar dinheiro a um banco, nos basta usar o computador”. O repórter, incrédulo, perguntou “Você está imprimindo dinheiro? ”, Bernanke foi enfático: “Sim, é isso mesmo. Nós precisamos fazer isso. ” A crença de um possível aumento da inflação via criação de trilhões de dólares para salvar o mercado financeiro não se sucedeu nos anos posteriores. O sistema financeiro internacional não aprendeu a lição, o que se procedeu foi a continuação de ganhos exorbitantes pós crise de 2008 graças à generosidade pública dos Bancos Centrais. O Estado foi – e, ainda é – coagido a salvar o sistema financeiro de suas nuances escrupulosas. Com o favorecimento ao modelo de gestão do sistema financeiro pelo Estado, as despesas públicas ficam comprometidas reforçando-se, então, a contenção de gastos vitais ao crescimento.

Seguindo a lógica do fenômeno da internacionalização dos fluxos financeiros, a tendência se dá com os mercados ficando cada vez mais dependentes entre si, por conseguinte, os riscos e consequências deixaram de ter um caráter doméstico e passaram a comprometer o mundo e, naturalmente, o Brasil. O crescimento da participação do mercado financeiro influencia a dinâmica econômica, social e política; as relações de poder entre o trabalho e o capital; a readaptação das configurações institucionais do país e o rumo das políticas macroeconômicas, tendem a se adaptar ao modelo de gestão do mercado financeiro. Passaram-se 11 anos do “estouro” da crise de 2008 e o mundo ainda tenta se recuperar economicamente, baixos crescimentos econômicos, índices crescentes de desemprego, alta capacidade ociosa e etc., o que se viu, na contramão, foi o sistema financeiro ganhando cada vez mais escopo com lucros exorbitantes com a utilização de ferramentas operacionais condenadas ao fracasso. Logo, as lições da crise de 2008 não foram aprendidas nem pelo sistema financeiro, nem pelos reguladores públicos.

Carolina Reitermajer - Pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduanda em Economia na Faculdade de Economia da UFBA.

Thiago Bartolome -  Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduando em Economia na Faculdade de Economia da UFBA.

Classificação Indicativa: Livre

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