Cultura

Walter Franco respira fundo dentro de quem ama a sua música

Imagem Walter Franco respira fundo dentro de quem ama a sua música
Bnews - Divulgação

Publicado em 27/10/2019, às 11h24   César Rasec*


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Resolvi escrever este texto dedicado a Walter Franco porque ele é, para mim, linha de frente da vanguarda da música brasileira. Para a minha tristeza, o seu coração parou de bater no dia 24 deste mês (outubro), aos 74 anos. 

Escrevo também para externar a minha admiração, para lembrar de homenagens feitas por mim e Luiz Caldas, em vida, e para dizer que as suas canções permanecem tocando dentro das pessoas que curtem autenticidade. 

A minha admiração começou para valer na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, quando eu estudava jornalismo, depois de ser transferido de Matemática, lá nos anos de 1990. Eu estava com 27 anos.

E o gostar da obra de Walter não ficou estacionado no tempo. Ele foi se transformando para melhor com o cair de cada grão da ampulheta que conta o meu envelhecimento.

Eu já apreciava os artistas chamados de malditos da Música Popular Brasileira (MPB). Walter Franco estava no grupo que tinha Jorge Mautner, Sérgio Sampaio, Tom Zé, Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, dentre outros que foram rotulados criminosamente pelos meios de comunicação, que participavam do jogo de interesse da indústria cultural, sobretudo a indústria do disco.  

Confesso que nunca gostei de rotulações e muito menos do carimbo maldito, que era usado no artista que tinha uma obra que destoava dos padrões preestabelecidos.

Os grãos da ampulheta continuam caindo... Os anos passam...

Como o tempo galopou no seu próprio dorso, chego no ano de 2004. Eu estava compondo com Luiz Caldas para o CD Melosofia e também para o disco décuplo, lançado em 2009. Buscando enriquecer os dois projetos, surgiu a ideia de Luiz gravar uma canção de Walter para o DVD do show Melosofia. A escolhida foi "Quem puxa aos seus não degenera", que entrou como faixa bônus do projeto de 130 inéditas (CD Uma Maria), além de fazer parte do DVD "Melosofia", gravado ao vivo e lançado em 2005. Luiz arrasou na interpretação e no arranjo! Outra faixa bônus foi Oh dah ho, de André Abujamra, no CD Perguntas e Respostas. 

Para a canção ser gravada, entrei em contato com Walter, que deu sinal verde. Ele gostou muito do resultado. Desde então, sempre estávamos trocando ideias, papeando por e-mail e por telefone. Reproduzo alguns dos nossos papos, por e-mail.

Ano de 2009.
">Carismatissíssimo
>Palíndromo
>César Rasec.
>Um grande abraço .
>E um Ano novo
>sempre novo.
>Grande abraço.
>Do amigo.
>Walter Franco."

Como forma de retribuir tamanha bondade, liberando a canção, eu e Luiz Caldas homenageamos Walter na canção "Bossa na filosofia", lançada em 1º de julho de 2017, no CD do mesmo nome.

Diz a letra: "Baden mora na harmonia/ Eu moro na bossa, quem diria!/ Eu moro no morro/ Eu moro no samba/ Minha filosofia é viver/ Como um bamba/ Tocando a vida/ Longe do sofrer/ Porque no caminho/ Minha poesia você vai ler/ Eu fico na bossa/ E não quero deixar/ Nunca de pensar em você/ Mautner mora na filosofia/ E Walter na cabeça, ou não/ E todo mundo vê que um dia/ Tudo não passa de uma grande ilusão/ Gilberto causa alegria/ Caetano pura satisfação/ Cabeças feitas na Bahia/ Poesia além do coração".

Mandei a canção por e-mail e Walter respondeu assim (reproduzo sem fazer correções):
"Sabendo que Caro também significa querido,agradeço com muita alegria a homenagem sua e de Luiz Caldas ao lado de nomes tão especiais.Para mim é uma honra meus bons.

Outra coisa. Por respeito aos Estatudos da ABRAMUS  e a toda a nossa classe confirmo que já não faço mais parte da Diretoria.Digo isto também com alegría e a certeza do dever cumprido  e um abraço fraterno  a todos. os amigos que lá deixei como diria Luiz Gonzaga. E mais outra observação...O que foi aquilo que eu vi na sua entrevista com Bial,Mestre Luiz Caldas. Fiquei literalmente emocionado e quero estar com vocês. Aquele solo de guitarra que vc. apresentaste foi genial como nos disse essa semana em um  almoço, o meu amigo e agora meu Biógrafo Tales de Menezes Jornalista de Primeira Grandeza na Folha Ilustrada. Quero trabalhar com vocês meus bons,Caros e queridos Palíndromo Cesar Rasec e Luiz Caldas simples.
Ge-ni-al na conversa com Pedro Bial,Foi uma Biaula de talento e simplicidade".

Lembro também que prestei homenagem na Concrecoisa do dia 15 de novembro de 2013. (http://concrecoisa.blogspot.com/2013/11/concrecoisa-ou.html)

Concrecoisa Ou
Diz o texto: "A Concrecoisa Ou é uma singela homenagem a Walter Franco.
Ele (Walter) saiu com o “ou não” de forma musical, em 1973, num disco branco com a foto de uma mosca.

Walter Franco entrou para a história da música brasileira por causa deste e de outros trabalhos, sobretudo por causa de sua irreverência e inventividade.

Com o tempo, o “ou não” foi fisgado sabiamente por Caetano Veloso, que de tanto falar o “ou não” acabou apadrinhando a expressão walteriana.
Certa feita, num papo por telefone com Walter, ele me disse contente que Caetano tinha falado que o "ou não" era de Walter Franco.
Ao dar o crédito, Caetano Veloso ficou com crédito.
Acho que este crédito deveria ser mais e mais reverberado.
Todos ganham com a inventividade do outro e a história fica em sintonia com a verdade.
Aqui na Concrecoisa, o “ou” transita numa escada de “não” e de “sim”. São degraus onde a dúvida (o ou) pode subir ou descer.
Sim, ou não!
Não, ou sim!
Viva Walter Franco!
Ou não?!"

Os grãos da ampulheta continuam caindo... Os anos passam e as nossas mensagens ficaram guardadas nas boas lembranças que pulsam.

Viva Walter Franco, sempre eterno, desde quando nasceu! 

Em tempo, o título deste texto remete à canção "Respire fundo", de Walter, lançada no LP de 1978.

*César Rasec é doutor em Letras, jornalista e compositor

Foto: Ale Frata/Código 19/Folhapress

Classificação Indicativa: Livre

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