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Salvador: Uma cidade inteligente (?)

Imagem Salvador: Uma cidade inteligente (?)
A adoção das soluções típicas das cidades inteligentes é não só uma exigência dos nossos tempos, como também uma imposição constitucional  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 07/11/2019, às 08h32   Pedro Sales


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Desponta como um tema relevante na atualidade as cidades inteligentes, que são, na definição adotada pela União Europeia, sistemas de pessoas em interação, fazendo uso de energia, materiais, serviços e financiamento para potencializar a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento econômico. Ou seja, embora a adoção de novidades tecnológicas seja salutar, a essência das smart cities é a criatividade na adoção de soluções inovadoras que, de maneira eficiente (ou seja, que revela uma relação de custo-benefício), consegue impulsionar o crescimento econômico e/ou o bem esta da população.

Não se trata propriamente de uma novidade, na medida em que eficiência é já um princípio da Administração Pública expressamente previsto da Constituição de 1988 desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 19 de 1998, que o incluiu no artigo 37 da Lei Fundamental. É um dever dos gestores públicos, portanto, tomar decisões de acordo com os ditames da economicidade, otimizando-se os gastos públicos para que se entregue ao cidadão serviços de qualidade, pelos menores valores possíveis. Nesse sentido, a adoção das soluções típicas das cidades inteligentes é não só uma exigência dos nossos tempos, como também uma imposição constitucional.

As cidades brasileiras do século XXI convivem com problemas históricos dentre os quais a escassez de recursos o constante crescimento demográfico, revelando-se um desafio as escolhas relacionadas aos setores do planejamento urbano, habitação social, energia, mobilidade urbana, coleta de lixo, controle da poluição do ar, dentre outros. A estratégia das cidades inteligentes visa justamente propor soluções nesses segmentos através de um planejamento sério, técnico e inovador, de modo que sua implementação não prescinde de uma ruptura drástica com a maneira tradicional de se fazer gestão pública no Brasil.

Algumas cidades estrangeiras são exemplos importantes de transformações de realidades preexistentes, que podem inspirar Salvador a dar um passo em direção ao futuro. Barcelona investiu na gestão de resíduos, de modo que foram espalhadas escotilhas pela cidade para recolher o lixo de hora em hora. O lixo viaja em tubulações que ficam a 5 metros da superfície e, ao chegar na central de coleta, é separado o material orgânico do material reciclável. Em Copenhagen foram construídos 400 km de ciclovias, ambicionando a cidade ser a primeira capital do mundo neutra em carbono em 2025.

No Brasil também já existem exemplos salutares de inovação. Curitiba, que já é conhecida pela eficiência no transporte público, adotou outras políticas públicas inteligentes, como a lei municipal de inovação e a atuação da Agência Curitiba que presta serviços, capacita, promove eventos e programas de incentivo fiscal a empreendedores. Santos, é destaque em meio ambiente, por ter adotado alternativas de transporte como o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e extensas rotas de ciclovia, bem como outras iniciativas de vertente ambiental e social, como Recicleta, em que a coleta de lixo reciclável é realizada com bicicletas e o EcoFábrica, em que materiais recicláveis coletados são reaproveitados através da produção de móveis e itens de decoração em cursos de capacitação. Porto Alegre, na área de segurança, implementou o CEIC (Centro Integrado de Comando), que monitora as vias públicas por meio de mil câmeras e orienta a população em situações como aglomeração de pessoas e imprevistos climáticos.

Salvador não está completamente alheia a esta realidade, figurando como a 147ª cidade no mundo no ranking de smart cities, que a tem como a única representante do Nordeste. Todavia, destacam-se em Salvador apenas o investimento em mobilidade urbana e na gestão enérgica, com a criação, respectivamente, de aplicativo para passageiros de ônibus e de adoção da inteligência das coisas pra monitorar a iluminação de locais públicos. Mas será que estas medidas esgotam as possibilidades da capital baiana na adoção de soluções inovadoras para catalisar o desenvolvimento e aumento da qualidade de vida do soteropolitano?

A reposta só pode ser um sonoro não. Se o filme é bom (já que Salvador tenta de modernizar em alguma medida) o retrato ainda é ruim (já que na maioria dos serviços Salvador entrega apenas mais do mesmo). Para medir o nível de inteligência de uma cidade, é necessário atentar para governança, planejamento urbano, tecnologia, meio ambiente, conexões internacionais, coesão social, capital humano e economia. Salvador avançou muito timidamente, de modo que ainda precisa se modernizar em cada um desses setores para que alcance o posto de smart city, passando a orgulhar seus munícipes não só pelo passado (como já faz), mas também pelo presente daquela que se refresca com os ventos do futuro.


* Pedro Sales é advogado

Classificação Indicativa: Livre

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