Educação

O aparente caos no Brasil e a sua estratégia

Imagem O aparente caos no Brasil e a sua estratégia
Bnews - Divulgação

Publicado em 05/12/2019, às 20h58   Penildon Silva Filho*


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Nos últimos dias têm-se assistido a uma intensificação de manifestações, pronunciamentos e declarações do governo federal, seja do mandatário ou de seus ministros, que vêm gerando uma onda de indignação e estupefação, com protestos de movimentos sociais, de grupos de diversas matizes da política institucional e até de amplos setores do empresariado, inclusive com setores que até ajudaram a instalar essa situação ao apoiarem o impeachment/golpe contra a presidente Dilma. Muito da indignação frente a diversas impropriedades, demonstrações de ignorância, posturas inapropriadas por parte de gestores públicos e absurdos antidemocráticos são percebidos como inépcia, irresponsabilidade, postura ditatorial e delírios de “teorias da conspiração”. 

Somou-se a isso a constatação da falência das políticas públicas em todas as áreas. Na Educação, com a falta de execução do orçamento e uma completa paralisia; no Meio Ambiente com a expansão vertiginosa das queimadas e o desmonte das políticas de proteção ambiental; na Cultura com a destruição do apoio à Cultura brasileira; na Economia pela incapacidade de retomar o crescimento econômico e lidar com as relações econômicas internacionais, que subordinaram o Brasil aos interesses estadunidenses mais explícitos, e assim por diante. Muitos críticos então unem a crítica da ‘irracionalidade”, “loucura” e irresponsabilidade com a crítica à incompetência administrativa do atual governo. 

Entretanto nós discordamos dessa avaliação, não há loucura descontrolada e verborragia aliadas à incompetência; há na verdade um projeto de Estado, de Nação, de Economia muito bem delineado e sua estratégia de implementação está em pleno curso, feita de forma competente e diligente.

Os discursos do ministro da Educação que afirmam que as universidades têm extensas plantações de maconha e produção de drogas sintéticas em seus institutos de Química não é algo impensado; trata-se na verdade de um ataque às instituições da Educação e da Ciência e a busca de subordinação dessas estruturas aos interesses neofascistas do governo, muito parecido com o que o Nazismo fez nas universidades da Alemanha antes da Segunda Guerra Mundial. A afirmação de que são as ONGs que tocam fogo na Amazônia, financiadas por um ator de Hollywood, Leonardo de Caprio, não é apenas absurda; na verdade se tenta criar a percepção pública anti-sociedade civil organizada para garantir o terreno para a apropriação da Amazônia pelas pastagens de gado, mineradoras estrangeiras, grileiros, traficantes de madeira e da biodiversidade da floresta, além de usurpar as terras dos índios.

Por outro lado a paralisia de governo não é incompetência; é parte do projeto para desmontar as políticas públicas e abrir caminho aos empreendimentos privados que pretendem lucrar com serviços públicos até então garantidos pelo Estado. A destruição das universidades federais pelo cerco orçamentário, corte de bolsas de pesquisa, ataques a instituições de pesquisa é a continuidade do projeto para instituir o setor privado como único a receber verbas públicas no sistema de “vouchers” já anunciado pelo governo federal. O desmonte do SUS, que vêm piorando vertiginosamente pela emenda 95 aprovada em novembro de 2016, que congela os gastos em políticas sociais por 20 anos, nem procura esconder que o objetivo, já anunciado, é de implantar um “plano de saúde popular” que consumirá as verbas públicas para deleite dos grandes empresários da Saúde.

Temos uma síntese de disputa e guerra cultural pelos valores e percepção de mundo de extrema direita ao lado de uma estratégia neoliberal mais radical de apropriação das riquezas ou dos estoques de riqueza ainda fora do alcance do grande capital estrangeiro. E isso não é algo com expressão apenas nacional, há uma “Internacional” conservadora já atuante e organizada no mundo, que no Brasil tivemos uma versão própria de neoliberalismo aliada ao neofascismo.
Steve Bannon foi o arquiteto da campanha de Trump, vice-presidente da Cambridge Analytics, organizador da campanha vitoriosa do Brexit que retirou a Grã-Bretanha do Reino Unido, e o ídolo da família Bolsonaro e do seu guru, Olavo de Carvalho. Bannon já realizou reuniões com membros do governo brasileiro, da família Bolsonaro e Olavo de Carvalho diversas vezes. Vale a pena assistir o documentário “Privacidade Hackeada”, já bem premido em festivais e disponível na internet.

Na Cambridge Analytics, Steve Bannon e seus sócios conseguiram capturar ilegalmente dados de dezenas de milhões de norte-americanos e de britânicos e direcionou campanhas de marketing pela mídia digital, especialmente pelas redes sociais, que mudaram ou influenciaram o comportamento e o humor de parcela do eleitorado, conseguindo resultados eleitorais que contrariaram as pesquisas e fortaleceram a extrema direita no mundo. Coisa que antecedeu e preparou para a estratégia midiática da família Bolsonaro no Brasil, também vitorioso com enxurradas de fakenews e uma militância real conservadora nos costumes e no projeto econômico.

O ideal de Bannon é que para mudar a ordem estabelecida e atacar tudo que tenha relação com Democracia, Direitos Humanos, Direitos dos trabalhadores e pluralismo será necessário destruir ou embaralhar a percepção da realidade, subverter consensos construídos na Sociedade. Na verdade não é somente para inundar a Sociedade de informações falsas e teorias da conspiração, mas criar o conflito, a polarização política e a radicalização para insuflar o medo e o ódio e assim dominar pela irracionalidade. Ao mesmo tempo, destruir uma percepção de mundo e do caldo político e cultural caótico apresentar a receita da estabilidade com valores conservadores, com um discurso de volta a um passado que nunca existiu e de ataque a aspectos da Contemporaneidade como liberdade de orientação sexual, emancipação feminina e políticas reparatórias e de ação afirmativa.

Aí entra a estratégia articulada e premeditada do governo brasileiro com uma torrente de informações, pronunciamentos, ataques autoritários, machistas, racistas, homofóbicos e que defendem o livre mercado, as privatizações e a retirada de direitos sociais, perpetrada pelo presidente e seus ministros e representantes na mídia e no parlamento. Esses ataques hoje tem base social organizada, diferentemente do que se tinha vivido no Brasil e se aproximando da estrutura fascista da Itália na década de 1920 e do Nazismo da Alemanha em 1930. São as milícias nas grandes cidades brasileiras que se tornaram mais fortes que o tráfico de drogas e fazem alianças com este, em algumas igrejas neopentecostais que apoiam o governo neofascista, em milícias de fazendeiros armados no campo que assassinam lideranças populares e grilam terras e destroem florestas. 

Ter um ministro da Educação que defende a monarquia escravocrata no dia da Proclamação da República, que ataca as universidades afirmando que não produzem pesquisa e escondendo que essas mesmas instituições se notabilizaram como as grandes geradoras de Ciência no Brasil não é um estorvo para esse projeto. Na verdade, essa é uma linha discursiva pensada e alinhada com todos os setores do governo, seja na Fundação Palmares que hoje tem um presidente que nega a existência do racismo no Brasil e afirma que os negros escravizados ficaram melhor no Brasil escravocrata do que em África, seja com o novo presidente da FUNARTE, Dante Montovani, que afirma que “rock leva ao aborto e ao satanismo” e defende um engajamento ideológico de extrema direita na gestão cultural.
Essa linda articulada de discursos se mescla com o desmonte do Estado brasileiro e a destruição das estruturas que poderiam garantir um mínimo de soberania e Segurança Nacional, como a Petrobras, a Eletrobras, os bancos públicos e os serviços públicos sociais. Não se trata isso tudo de acidente, falta de planejamento, loucura, trata-se na verdade de uma estratégia bem montada, que vem já dando resultados no país.

*Professor da UFBA e doutor em Educação

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