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Política Fiscal e o debate em torno da Emenda Constitucional nº 95

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Emenda delimita que a despesa primária do governo terá um teto máximo de gastos anualmente  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 17/12/2019, às 20h25   Cyro Luiz Faccin*


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A política fiscal brasileira é ponto central no debate econômico no contexto atual, e está sendo novamente visitada com a indicação da necessidade de uma revisão da Emenda Constitucional nº 95, conhecida como Teto de Gastos. O primeiro resultado primário negativo, ou seja, o que sobrou da soma das receitas e despesas fiscais da União foi um número negativo, indicando que os gastos foram maiores que a arrecadação que o Brasil obteve, no acumulado de 12 meses, foi em Novembro de 2014 (Fonte: Tesouro Nacional Transparente). Desde as eleições do ano de 2014, a vitória de Dilma, o seu impeachment, o governo Temer, e agora a vitória e introdução do governo Bolsonaro, não se obteve resultado primário positivo. Diversas medidas foram tomadas a fim de solucionar o déficit fiscal. Esta estagnação do déficit primário brasileiro trouxe novamente a questão se é realmente benéfico para a economia a recente política de austeridade fiscal, implementada a partir do Teto de Gastos. Isto se confirma a partir dos dados expostos na Carta de Conjuntura do IPEA publicada no 3º trimestre de 2019, em que indica que o resultado primário do setor público, em % do PIB, foi de -1,59% em 2018 e está previsto para -1,41% em 2019.

A Emenda Constitucional nº 95 delimita que a despesa primária do governo terá um teto máximo de gastos anualmente definido, durante um período de vinte anos, sendo este teto corrigido apenas pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ou seja, o limite de gastos possíveis do governo é a despesa total do ano anterior corrigida pela inflação. Medidas como essa não são inéditas no contexto mundial, sendo a imposição de um controle de gastos algo recorrente em alguns países, porém esta emenda apresenta sim, algo inédito, e que pode trazer danos à economia brasileira, que é sua longevidade e sua legitimidade constitucional. Países como Austrália, Bélgica, França, México, Peru e Polônia já introduziram regras fiscais de um teto de gastos, porém normalmente estas focam somente nos gastos correntes (pessoal, previdência, etc.), não congelando a despesa de capital (investimentos, inversões financeiras e amortização da dívida), algo que a Emenda Constitucional nº 95 atinge, pois não se limita apenas a estes gastos correntes, mas também aos de capital, de forma que o investimento público também seja restringido. Porém, como indicado anteriormente, estes países nunca tomaram estas regras de maneira como uma emenda à constituição, mas sim como políticas necessárias em certos momentos. Não é algo comum em outras experiências essa vinculação constitucional, de maneira que a flexibilização deste teto se torna algo de grande dificuldade política e que tomará muito tempo e negociação, e também impossibilita uma ação governamental que não se encontre nos limites desta emenda. Segundamente, o prazo de 20 anos também é algo inédito, principalmente sendo o período de revisão somente no 10º ano de vigência do teto de gastos, ou seja, há um período muito longo sem possibilidade prevista de revisar e flexibilizar a emenda a uma diferente realidade do que a de 2016.

Diante deste fato, há também o problema de que o teto aplicado não leva em consideração, quanto a sua expansão, a possibilidade de crescimento demográfico nem elevação da atividade econômica. Por definição, o valor real dos serviços públicos congelados irá cair per capita, visto que, com o valor sendo corrigido apenas pela inflação, e o crescimento da população sendo contínuo, e desta forma aumentando a demanda por estes serviços, irá cair o valor destes serviços públicos per capita, de forma que o teto, em longo prazo, irá criar uma situação em que obrigará a população a procurar outras vias de atendimento para saúde, educação, e outras, que seria a via do sistema privado.

É possível fazer ainda outras críticas: a impossibilidade dos gastos se expandirem, de forma a acompanhar um possível crescimento econômico, a destas despesas servirem como estabilizadoras automáticas de uma possível crise econômica, e a restrição à expansão do investimento público como alavancador da dinamização da economia nacional. Estes diferentes pontos confluem na indicação de que a Emenda Constitucional nº 95 impossibilita o auxílio estatal à economia, deixando o crescimento econômico a mercê da confiabilidade e fluxo dos investimentos privados no Brasil. Demonstra, também, como o investimento público foi escolhido como variável de ajustamento inicial das contas públicas no país, devido a sua facilidade de corte, pois não impacta diretamente na perda de empregos ou redução da renda, embora diminua o potencial desenvolvimento econômico que podia ser gerado a partir de um investimento não mais concretizado. O investimento público cresceu em média 8,5% ao ano entre 2003 e 2010, mas cai, em média, 31% por ano entre 2015 e 2018 (Fonte: Folha de São Paulo, 2019). 

Diferentemente de outros países, como a Croácia e o Peru, o Brasil não possibilita o crescimento de seus gastos vinculados a expectativa de expansão da atividade econômica ou ao que chamamos de PIB potencial. A Austrália adota um modelo em que o teto se flexibiliza quando o PIB obtido fica acima do PIB potencial e o resultado fiscal for superavitário. Ou seja, a legislação brasileira que impôs ao teto de gastos à política fiscal do país por 20 anos é contra o seu próprio fim, pois impossibilita o aumento do investimento público de forma a dinamizar a economia e, por meio do resultado destes investimentos, uma elevação da arrecadação fiscal, que facilitaria a obtenção do visado superávit primário. Desta forma, a Emenda Constitucional nº 95 se encontra como um texto difícil de ser compreendido a não ser como uma medida radical de austeridade fiscal e de priorização do setor privado ao dinamismo do setor público.

*Cyro Luiz Faccin - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia - UFBA. Graduando em Ciências Econômicas na Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (FE/UFBA). Bolsista de iniciação científica e integrante do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC/UFBA).

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