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O barato que sairá caro: Economia de Plataforma e próxima crise do capitalismo

Imagem O barato que sairá caro: Economia de Plataforma e próxima crise do capitalismo
Bnews - Divulgação

Publicado em 24/12/2019, às 16h07   Vinícius Lins


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Você provavelmente já adquiriu refeições ou corridas a preços incrivelmente baixos - ou mesmo de graça - pelos aplicativos de entrega ou de caronas. Veremos adiante porque isso não é sustentável e não será barato assim para sempre. Trata-se de uma política comercial agressiva de empresas como Uber, 99, IFood e Rappi em um mercado que tem por característica a prática de “dumping”: vender um produto ou serviço a preço de custo (ou mesmo abaixo) a fim de eliminar os rivais e dominar o mercado. Essa prática é vital para essas empresas porque alguns dos atributos estruturais desse mercado são os seguintes: o papel crucial dos “efeitos de rede”: quanto maior o número de usuários, mais valiosa e apta a atrair mais clientes torna-se a plataforma, de maneira que há uma tendência ao monopólio, o que nos leva ao segundo atributo fundamental: é um mercado do tipo “o vencedor leva tudo”, isto é, a viabilidade do negócio, dado o custo da infraestrutura digital (locação de servidores, uso de outras plataformas etc.) e a necessidade de uma base monumental de clientes, depende do amplo domínio do mercado.

Isto é, não se trata de um setor onde várias empresas podem se manter lucrativas com pequenas fatias de mercado. Só vale a pena se a empresa for muito grande.

Acrescente-se que estamos diante de um modelo onde tudo é “terceirizado”: trabalhadores, capital fixo (no caso, o carro ou moto, o smartphone etc.) custos de manutenção, depreciação, treinamento e sobretudo os riscos de curto prazo, que ficam a cargo de seus trabalhadores que, para auferir um ganho que minimamente pague suas contas, precisam trabalhar longas e intensas jornadas sem contar com qualquer garantia em termos de direitos. Sequer têm o vínculo reconhecido, sendo considerados no mais das vezes de “parceiros”.

Diz o adágio que “não existe almoço grátis na economia”. De fato, uma hora a conta chega. E quem pagará, como é de costume, serão os trabalhadores e clientes dessas empresas. Acontece que o crescimento exponencial dessas plataformas se baseia nas expectativas de lucros futuros, uma vez que muitas delas, até hoje, jamais fecharam um ano no azul. Isso está em conformidade com a estratégia de “crescimento antes dos lucros”: os investidores toleram os prejuízos enquanto a empresa cresce para poder compensar quando elas forem gigantes e produzirem lucros e dividendos exorbitantes. Na verdade, boa parte dos investidores são aventureiros que, em meio a esse processo de crescimento contínuo da empresa, querem comprar posições a um preço e vendê-las em momento posterior por um preço maior. 

A lucratividade futura desse tipo de empresa, se realmente consumada sua posição monopolista, vai se basear em três pilares: no aumento de receitas via elevação de preços, redução espúria de custos via diminuição (ainda maior) da remuneração dos trabalhadores; e exploração monetária dos dados que são continuamente extraídos dos seus usuários: o que costuma comer e quando; lugares que costuma frequentar etc. Assim, percebe-se portanto que a “sustentabilidade” futura desses negócios baseia-se em fatores socialmente deletérios: uma “facada” nos consumidores, a precarização do trabalho e a mercadorização da privacidade.

Essas empresas de plataforma, em geral multinacionais, proliferaram em um contexto bastante específico, qual seja um ambiente alto desemprego, taxa de juros baixas e política monetária frouxa que se seguiu à crise de 2008, que reduziu o retorno de uma ampla gama de ativos financeiros, de forma que os investidores, no intento de conseguir maiores rendimentos voltaram-se a ativos sistematicamente mais arriscados, como empresas jovens com grande potencial de crescimento (startups), por exemplo. O financiamento de startups via capital de risco (Venture Capital) tem aumentado exponencialmente. E não apenas esses fundos, mas também fundos de bancos de Investimento, fundos mútuos e mesmo fundos de Hedge, que têm por característica investir em ativos que tenham um potencial relativamente menor de risco.  

Dada a estrutura volátil do financiamento e os fortes requisitos para darem o retorno esperado, depreende-se que quando houver sinais de que essas empresas não vingarão (De fato, já existem: o desempenho na bolsa de valores desses tipos de empresa, como Uber, Lyft e WeWork, tem sido decepcionante na ótica dos investidores), o capital será o primeiro a dar o fora. No entanto, não evitará o fato de que haverá muitos perdedores no cassino financeiro. A depender da proporção desse mercado, pode-se desencadear uma crise de grande monta. Esse cenário não é inédito, guarda muitas semelhanças com a bolha da internet do final dos anos 90. O Brasil está em um cenário parecido ao do surgimento das empresas de plataforma: alto desemprego e baixas taxas de juros. Os investimentos em renda fixa (os de menor risco), que outrora entregavam taxas fabulosas de retorno, correm o risco inclusive de perder para a inflação. Onde esse capital dos fundos brasileiros vai buscar um retorno maior? Entraria nessa bolha dos aplicativos, mergulhando de cabeça numa potencial crise?

Por fim, há de se registrar que não se trata de ser contra as empresas nem muito menos contra a tecnologia, apenas a favor de uma regulação em prol de uma sociedade mais justa, onde haja negócios saudáveis e benefícios proporcionais para empresários, clientes e trabalhadores.

Vinícius Lins é Colaborador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutorando em Economia pela UFBA e assessor do Sindicato dos Bancários da Bahia.

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