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Economia Brasileira em 2019: Um Ano Positivo Para Quem?

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O país segue com 12 milhões de desempregados e com uma taxa de investimento sem entusiasmo  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 22/01/2020, às 07h45   Ludmila Giuli Pedroso e Leonardo Moura


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O ano de 2019 começou, para aqueles que apoiaram a eleição do atual presidente, povoado de esperanças de melhorias. Esperavam (e talvez ainda estejam a esperar) que os novos ares trazidos por um novo governo conduzissem ao crescimento econômico e do emprego como resultados de um retorno dos investimentos, que viriam a ser frutos, segundo as propostas de governo apresentadas, da elevação confiança dos investidores, decorrente da intensificação da austeridade fiscal e do enfraquecimento dos meios de proteção do trabalho. Tais expectativas foram frustradas e massiva parcela da população terminou o ano em condições piores que no seu início. Ainda assim, e embora todos os disparates apresentados pelo novo (des)governo, há uma parcela não desprezível da população que o segue apoiando incondicionalmente. Tais fatos conduzem ao questionamento sobre quais camadas da população sentiram, de fato, uma melhora ao longo do ano de 2019 e vislumbram um horizonte positivo nos próximos anos.

Intensificadas desde de 2015, as políticas econômicas neoliberais, expressas nas reformas conduzidas desde então, não vem surtindo efeito, como demonstra a divulgação do resultado do PIB pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no dia 03 de dezembro de 2019. A produção de riqueza no Brasil ainda não conseguiu voltar ao patamar do 1º trimestre de 2014 e retomar uma rota de crescimento. O índice está 3,6% abaixo do ponto máximo da série histórica, em patamar próximo ao de sete anos atrás. 
Sob tal aspecto, as principais medidas do (des)governo para estimular o crescimento foi apostar na aprovação de reformas, como a trabalhista e a previdenciária. Essa teimosa receita adotada para contornar a paralização do nível de atividade econômica ignora propositadamente a experiência histórica brasileira e de tantos outros países.

As reformas trabalhista e previdenciária há mais de quatro décadas, mundo a fora, apresentam-se como políticas que recorrentemente têm resultado em contração econômica e ampliação das desigualdades nas estruturas sociais em que são implementadas. A reforma trabalhista de 2017 e a previdenciária de 2019 seguem ratificando esta leitura. A primeira não cumpriu sua promessa de aumento do emprego formal e, ainda por cima, piorou as condições do mercado de trabalho para o trabalhador, reduzindo e tornando incerta sua renda, diminuindo suas possibilidades de negociação, afastando-lhe da justiça. Por isso, para o consumo das famílias, responsável por mais de 60% do Produto Interno Bruto (PIB), o estímulo mediante incentivos de crédito não se mostrou suficiente, pois os níveis de desemprego e informalidade altos tem comprometido os rendimentos das famílias. Adicionalmente, a reforma previdenciária, fortalecendo os efeitos da trabalhista, fragilizou o futuro dos trabalhadores, reduzindo-lhes as perspectivas de aposentadoria e tangendo-lhes como gado para uma interminável busca pelo assalariamento.

Durante este ano também houve forte tendência de redução na inflação (contrariada nos dois últimos meses em decorrência do aumento dos preços da carne bovina) e na taxa Selic que fechou o ano em 4,5%. A queda na inflação se deve, em boa parte, ao baixo crescimento econômico com estagnação da demanda, inibindo o aumento dos preços e o repasse completo da desvalorização cambial para estes. Quanto à queda na taxa Selic, esta visa estimular a demanda agregada, principalmente, sinalizando ao produtor que é hora de produzir ou fazer investimentos mais arriscados em mercados de renda variável – fator que impulsionou o índice Ibovespa bater sucessivos recordes de 110 mil pontos ao longo do ano. Lembrando que a taxa Selic é utilizada pelo Banco Central para auxiliar no controle dos preços: se a inflação está em alta, as taxas de juros altos tornam o crédito mais caro, contraindo o consumo. Com uma inflação em nível baixo, os juros são reduzidos ajudando a baratear o crédito apoiando o consumo. Acontece que o estímulo à demanda agregada mediante a redução dos juros é inócuo em um cenário de manutenção do desemprego da força de trabalho, de baixíssimos níveis de vendas e, consequentemente, não realização de lucros operacionais por parte das empresas. 

Nem as famílias elevam seu consumo, nem as firmas ampliam suas produções, em um processo que retroalimenta expectativas negativas na economia. Afinal, por mais que o noticiário do Natal tenha se esforçado em festejar um suposto aumento das vendas nesse período, na prática, as experiências diárias da classe trabalhadora, forçada a adotar estratégias precárias de sobrevivência (trabalho informal, contratações de trabalho mediadas por aplicativos, etc.), com rendimentos baixíssimos e incertos, compõe o cenário base para que sua previsão seja de tempos de vacas magérrimas. Desta forma, nem o povo consome além o estritamente necessário, nem os empresários investem na produção, mantendo baixo o nível de emprego. Apesar das medidas de liberação de contas ativas e inativas do PIS/PASEP e liberação do saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), os efeitos sobre o consumo não são sustentados ao longo do tempo, caracterizando serem estas medidas paliativas em meio a um cenário econômico de estagnação da demanda.

A respeito dos setores de produção do país, a agropecuária havia iniciado o ano com taxas negativas devido à sazonalidade das lavouras e à guerra comercial entre China e EUA que comprometeu a negociação no mercado para a soja, além da compra do milho como insumo de produção de carne na China. Mas foram as exportações pecuárias (carne bovina e suína) que se ampliaram - principalmente a partir do segundo trimestre do ano - favorecida pela febre suína que atingiu os rebanhos chineses. Com significativo aumento nessas exportações, o consumo de carne no Brasil sentiu os efeitos da alta nos preços no final do ano. Como a carne necessita de um período para que o rebanho atinja um nível satisfatório para abastecer o mercado nacional, a redução no preço não é imediata.

A indústria no Brasil segue estacionária utilizando apenas 78,8% da sua capacidade instalada. A indústria extrativa sofreu graves quedas de produtividade com os efeitos das tragédias de Brumadinho (MG) e a indústria de transformação permaneceu em uma trajetória de queda ao longo do ano (redução de 1% em relação à 2018), que reflete uma redução de 17 das 26 atividades do setor e em todas as grandes categorias de bens intermediários, de capital e consumo. Ou seja, atividades que necessitam de uma demanda mais consistente e refletem os efeitos de altos níveis de desemprego no país. Os levíssimos sinais de recuperação no setor industrial no fechamento de 2019 se devem a indústria extrativa.

Quanto ao setor de serviços, este acumulou uma alta de 0,6% em 2019 com destaque para atividades imobiliárias (2,5% no acumulado do ano) e informação e comunicação (3,8%). E os investimentos (3,0% no acumulado do ano) são puxados pelas atividades imobiliárias com segmento de máquinas e equipamentos. O que representa uma melhora, mas não supera os níveis de participação no PIB em anos anteriores a 2013.
O país segue com 12 milhões de desempregados e com uma taxa de investimento sem entusiasmo dos empresários sem qualquer sinal de melhora, embora a tão requisitada reforma trabalhista. A falta de impulso na atividade econômica e deterioração das condições de trabalho no país só reforçam o quanto as promessas de uma necessária reforma trabalhista foram equivocadas e falaciosas. Além disso, outro fator surpreendente é o aumento da informalidade que tem alcançado níveis recordes no país. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE) cerca de 38,833 milhões ou 41% da população ocupada está na informalidade.

Neste contexto, somente aquelas pessoas que não precisam trabalhar para sobreviver podem, embora de forma constrangedora, avaliar positivamente o (des)governo brasileiro. Afinal de contas, ele segue garantindo o pagamento dos juros dos títulos públicos em poder dessa privilegiada parcela da população. Sim, eles existem, perfazem menos de 1% da população e vivem de forma a evitar ao máximo o constrangimento do convívio com quem não lhes compartilha das mesmas regalias. Seus ganhos seguem garantidos e são a chave para se entender por que os horizontes econômicos vislumbrados por analistas de mercado são “favoráveis”. A esta parcela de menos de 1% da população brasileira à quem se dirigem tais analistas. 


Ludmila Giuli Pedroso – Pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Ufba. Doutora em Economia pela Universidade Federal da Bahia. Mestre em Economia aplicada pela Universidade Federal de Alagoas.

Leonardo Moura – Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da UFBA. Doutorando em Economia pela Universidade Federal da Bahia.

Classificação Indicativa: Livre

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