Economia & Mercado

Financeirização e suas etapas no Brasil

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Bnews - Divulgação

Publicado em 19/02/2020, às 16h13   Carolina Reitermajer e Thiago Bartolomeu


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O fenômeno econômico conhecido como financeirização ganhou coro, principalmente, após a maior crise do sistema financeiro internacional, em 2008. A financeirização pode ser entendida como um conjunto de processos históricos e institucionais através dos quais os agentes e mercados financeiros ganharam um peso acrescido no capitalismo contemporâneo, exercendo, portanto, uma influência crescente na dinâmica do modo de produção vigente. 

A atuação desse fenômeno nas economias ocorre de uma forma distinta nos países onde a produtividade atingiu patamares que os colocam em posição de desenvolvidos. A financeirização está associada à desregulamentação/liberalização do sistema financeiro e hegemonia dos mercados financeiros face às instituições financeiras tradicionais. No Brasil e nos países periféricos, de modo geral, a financeirização é responsável por interferir na atuação do Estado, que passa a atender os interesses da esfera financeira em detrimento, muitas vezes, da execução de políticas que visem o desenvolvimento econômico do país. 

Esse processo, particularmente na forma com a qual ocorreu na periferia do capitalismo, é também marcado por uma mudança nas prioridades do Estado: ao invés de executar políticas econômicas que tenham como foco o desenvolvimento econômico do país, as políticas aplicadas priorizam os interesses da esfera financeira. As consequências da atenção maior dada à esfera financeira do que ao desenvolvimento são, além do agravamento dos problemas de desigualdade social, perdas no investimento industrial do país.

Isso ocorre, pois, uma parcela do investimento na indústria realizado por agentes capitalistas passa a ser focada no investimento financeiro. Além disso, a perda de uma parte significante do investimento industrial, em conjunto com o aprofundamento da desigualdade social, prejudica o desenvolvimento do país, o que contribui para que ele permaneça na periferia. Os diferentes Estados dotados de características próprias são de fundamental importância para o surgimento das finanças em uma economia mundial necessariamente constituída com níveis hierárquicos.

No Brasil, o processo de financeirização se deu de forma peculiar em relação ao restante da periferia mundial, podendo ser dividido em três distintos momentos. O primeiro momento se dá antes mesmo do processo de abertura ligada a desregulamentação financeira e comercial, em que foi possível observar os ganhos rentistas através da “hiperinflação”, entre os anos 1980 e 1994 – onde foram testados sete diferentes planos econômicos com a adoção de seis diferentes moedas no esforço de estabilização monetária. A inflação média nos anos 80 foi de 330% e nos primeiros 4 anos da década de 90, essa média passou a ser 764% ao ano. A inflação foi sendo estabilizada a partir de 1994 com a implementação do Plano Real seguida de uma maior liberalização do comércio financeiro, partindo, então, para o segundo momento chamado de “hiperjuros”.

Essa etapa do processo de financeirização brasileiro foi caracterizada por taxas de juros muito altas, o que desestimula o consumo e atrai investimentos especulativos para o país. Após o advento do Plano Real, a política monetária adotou uma postura para evitar a fuga de capitais quando o dólar passou a valer um real, assim, o custo da moeda brasileira se tornou alto, fazendo com que investidores internos e externos usufruíssem desse sistema especulativo.

A liberalização dos fluxos financeiros no Brasil deu origem ao terceiro e atual momento da financeirização no Brasil, com ganhos financeiros diversificados. A integração das economias periféricas no sistema internacional, atrelada à desregulamentação financeira, faz com que os fluxos financeiros internacionais se tornem força motriz desse fenômeno, gerando o aprofundamento da relação de subordinação ao centro. A financeirização, nos países periféricos, incentiva o acontecimento de uma inflação de preços dos ativos, aumento de endividamento das empresas e famílias no sistema financeiro, no qual os bancos têm um papel predominante. No Brasil, os bancos tradicionais cumprem esse papel de forma a privilegiar o mercado financeiro em detrimento, muitas vezes, das carteiras de crédito que fomentam o desenvolvimento econômico e social.

O modelo de gestão bancário brasileiro voltado aos interesses financeiros se dá, principalmente, por meio do aumento da participação dos fundos de investimentos ao longo dos anos. Segundo os dados disponibilizados pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capital (ANBIMA), de 1990 até 2019, a representatividade dos Patrimônios Líquidos desses fundos de investimentos em relação aos valores do PIB real de cada ano, saiu de 24,52% para 74,5%. Os bancos têm um papel central nesse momento da economia brasileira, pois à medida que a carteira tradicional de crédito se torna obsoleta, a liberalização financeira evolui e a inovação tecnológica passou a ter como prioridade a adaptação aos períodos de recessão e expansão da economia real com ganhos sempre constantes. 

A financeirização pode ser uma saída encontrada pelo capital para sua valorização frente a empecilhos no investimento produtivo, inserindo-se no setor financeiro como alternativa para garantir o aumento especulativo de seu valor. Contudo, o crescimento da participação do mercado financeiro influencia não somente a dinâmica econômica, mas também as relações de poder entre o trabalho e o capital, as configurações institucionais do país e a forma com a qual as decisões relacionadas à política macroeconômica do país são tomadas, o que cria um quadro de instabilidade e volatilidade econômica. Portanto, quando se considera o contexto global desse processo, fica claro que a financeirização tem como característica a submissão e perda de autonomia dos países periféricos em relação aos países do centro. No Brasil, o cerne desse fenômeno é o sistema bancário atrelado ao mercado financeiro, que se adapta, sem sofrer arranhões, em momentos nos quais a economia real está em recessão. 

*Carolina Reitermajer - Pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduanda em Economia na Faculdade de Economia da UFBA.

*Thiago Bartolomeu - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduando em Economia na Faculdade de Economia da UFBA.

Classificação Indicativa: Livre

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