Política

Como as democracias morrem: o Governo Bolsonaro não é “normal”

Imagem Como as democracias morrem: o Governo Bolsonaro não é “normal”
Bnews - Divulgação

Publicado em 27/02/2020, às 16h10   Luiz Filgueiras


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Não, o Governo Bolsonaro não é “normal”; diferentemente dos anteriores (FHC, Lula e Dilma), não resultou de um processo democrático e de uma eleição limpa e transparente. A chapa Bolsonaro-Mourão foi eleita, ilegalmente, através do disparo massivo de Fake News nas redes sociais e se beneficiando do uso político do Poder Judiciário, do Ministério Público Federal (Operação Lava Jato) e da Polícia Federal, em estreita associação com a grande mídia corporativa - que hoje, em sua maioria e de forma vacilante, “apavora-se” diante do monstro que ajudou a criar: basta verificar os recentes editoriais dos jornais o Estado de São Paulo, o Globo e a Folha de São Paulo, além do “Basta” da revista Isto É.

Essa articulação, tramada desde o Golpe de 2016, impediu a candidatura do principal adversário de Jair Bolsonaro: o ex-presidente Lula da Silva, que foi condenado sem provas (“fatos indeterminados”). Após a eleição, o juiz parcial (Sérgio Moro) que o condenou recebeu como prêmio, pelos serviços prestados, o Ministério da Justiça e a promessa de ser indicado para o STF. Essa ação política ilegal e ilegítima foi desmascarada com o vazamento das mensagens (nunca desmentidas) trocadas entre Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato - evidenciando a ilegalidade do processo.

Com a CPI das Fake News, essa fraude política, que elegeu Bolsonaro-Mourão, é cada vez mais evidente, assim como, do ponto de vista jurídico, podem ser identificados e tipificados inúmeros crimes de responsabilidade e de falta de decoro: baixarias e grosserias, inimagináveis de serem cometidas por um Chefe de Estado, são praticadas, diariamente, por Bolsonaro, seus familiares e outros integrantes desse Governo.

Adicionalmente, as ações autoritárias, conservadoras ou neofascistas do Governo Bolsonaro, desrespeitando abertamente a Constituição e as leis do país, são reiteradas cotidianamente: elogio e apoio a Ditaduras e ataque ao Estado de Direito e à liberdade de imprensa; defesa explícita da tortura e de torturadores; ataques a Instituições científicas (IBGE, FIOCRUZ, INPE, CAPES, CNPq); estímulo à violência armada contra os povos indígenas, quilombolas e movimentos sociais; defesa e estímulo ao desmatamento da Amazônia; conivência/omissão/prevaricação no derramamento de petróleo no litoral brasileiro; perseguição às mulheres, racismo, lgbtfobia e discriminação religiosa; ataque a decisões de Instituições do Estado (STF, BNDES, INCRA) que contrariem o grande capital e o ultraconservadorismo; ataque à cultura (ANCINE) e extinção de conselhos populares em todas as áreas; estrangulamento financeiro das Universidades Públicas e tentativa de extinguir a sua autonomia e privatizá-las; campanha de desmoralização da escola como instituição laica, educadora e de sociabilização, acompanhada da intenção de impor o projeto autoritário “Escola sem Partido”; e, no plano internacional e diplomático, o alinhamento servil (vira-lata) aos EUA, colocando em risco a segurança nacional.

Para piorar, a ligação de Bolsonaro e sua família com as milícias e o crime organizado, responsáveis pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e o seu motorista Anderson Silva, é também cada vez mais evidente e tem uma longa história no Rio de Janeiro: discursos parlamentares proferidos por ele e seus filhos em apoio às milícias, promoção de homenagens e concessão de medalhas a milicianos, emprego de seus familiares nos gabinetes parlamentares de Bolsonaro e seus filhos (com a prática ilegal das “rachadinhas”) e, mais recentemente, o assassinato (“queima de arquivo”) do miliciano e ex-capitão do BOPE Adriano Magalhães da Nóbrega - chefe do “Escritório do Crime” e que tinha ligações pessoais, assim como o miliciano/assessor Fabrício Queiroz, com a família Bolsonaro. Quando esteve preso, Flávio Bolsonaro o visitou na prisão. Ademais, o recente motim da polícia militar no Ceará, com homens encapuçados aterrorizando a população e fechando o comércio, evidencia que a influência, o comportamento e o modus operandi miliciano penetraram em uma Instituição armada do Estado! 

Se isso tudo é verdade, por que o Governo Bolsonaro ainda não caiu? A razão é simples; os “donos do poder real”, isto é, o grande capital (o “mercado”) e seus prepostos (na mídia, no Poder Judiciário, no Ministério Público Federal, na Polícia Federal, na cúpula das Forças Armadas, no Congresso Nacional) estão contentes com as iniciativas de Paulo Guedes na esfera econômico-social - dando prosseguimento à obra neoliberal do Governo Temer: congelamento dos gastos correntes do Estado por 20 anos, liberação e generalização da terceirização, reforma trabalhista, reforma da previdência, desmonte da cadeia produtiva do petróleo, entrega da PETROBRÁS e do pré-sal às multinacionais, destruição da engenharia pesada nacional, alteração do marco regulatório do petróleo e privatizações de bens públicos. Para completar, quer fazer uma reforma administrativa contra o serviço publico, reduzindo o contingente e os salários dos servidores.

O resultado tem sido desastroso para o país e a esmagadora maioria da população: destruição da soberania nacional e retrocesso/extinção de direitos trabalhistas e previdenciários; aumento da pobreza, do desemprego e da informalidade; estagnação econômica, redução do mercado interno e endividamento das famílias. Em suma, destruição da soberania nacional, dos direitos do povo, das liberdades democráticas, da ciência, da educação, da cultura e das artes brasileiras.

Por tudo isso, a obra de extrema-direita do Governo Bolsonaro, de destruição do país e dirigida contra os direitos e o bem-estar do povo brasileiro, não pode continuar. Esperar as eleições de 2022 é uma temeridade, pois serão mais três anos de um governo que não é “normal”. A História está cheia de exemplos (em especial, Alemanha e Itália na primeira metade do século XX) de como as democracias morrem, para serem substituídas por Ditaduras ou Estados de Exceção permanentes - corroídas aos poucos por dentro -, quando compactuam e admitem agressões a sua própria existência. Mas, segundo alguns, as “Instituições” no Brasil continuam funcionando “normalmente”: o parlamento não foi fechado, há partidos políticos e eleições, as garantias jurídicas do Estado de Direito continuam a existir, a liberdade de imprensa e de opinião, apesar de atacada, ainda é praticada etc. 

No entanto, de fato, as Instituições não estão funcionando “normalmente”; se estivessem, o Governo Bolsonaro já teria terminado; sua obra autoritária, assim como o comportamento indecoroso do Presidente e de sua família, é inaceitável em uma sociedade democrática. Claramente, as Instituições que poderiam pará-lo, em especial o Poder Judiciário e o Parlamento, estão contemporizando e se omitindo, ou mesmo abrindo as portas para o avanço do neofascismo e do Estado de Exceção. Nesse quadro, iniciativas da sociedade civil, como os “Comitês Populares Fora Bolsonaro”, que vêm se difundindo pelo país, têm um papel importante para chamar a atenção da sociedade para a gravidade e o perigo da situação, além de pressionarem as Instituições a agirem em defesa da democracia. E mais importante, podem contribuir para unir as ações já existentes de resistência democrática, ajudando na mobilização dos mais diversos setores da sociedade.

Luiz Filgueiras - Professor Titular da Faculdade de Economia da UFBA. Pesquisador na área de Economia Política, Desenvolvimento e Economia brasileira. Colaborador do Núcleo de Estudos Conjunturais da Universidade Federal da Bahia Professor (NEC/UFBA).

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