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Buscando entender um pouco a luta dos governos Temer e Bolsonaro contra a classe trabalhadora no Brasil

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O objetivo deste rápido texto é ofertar elementos introdutórios para a compreensão dos explícitos ataques do atual governo brasileiro à classe trabalhadora  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 05/03/2020, às 12h22   Leonardo de Siqueira


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O objetivo deste rápido texto é ofertar elementos introdutórios para a compreensão dos explícitos ataques do atual governo brasileiro à classe trabalhadora. Para isso, segue-se a sugestão do historiador inglês Eric Hobsbawn, buscando compilar fatos históricos que dêem suporte ao entendimento do “fogo aberto”, dos “tiros disparados” contra o trabalho no Brasil.

A sociedade brasileira carrega consigo a marca de ter se desenvolvido sob o estigma da escravidão e da desvalorização do trabalho como fator primário determinante da organização da vida em sociedade. Em outras palavras: no Brasil, o trabalho, elemento definidor da construção dos seres em sociedade, foi enraizado como uma atividade a ser realizada por seres socialmente inferiores, abjetos e indignos.

Depois da abolição da escravatura em 1888, no seu processo de constituição como nação dependente, durante o século XX, mais precisamente entre as décadas de 1920 e 1940, o Brasil realizou um relativo avanço civilizatório, caminhando na direção da democracia, ainda que de forma cambaleante, reconhecendo direitos sociais à classe trabalhadora, tais como o de organização sindical, de previdência social e de leis trabalhistas que estabelecem os limites da exploração do trabalho. Portanto, descontando-se o período de transição do regime escravista até a consolidação do mercado de trabalho no país, tem-se praticamente 400 anos de trabalho escravo frente a menos de 100 anos de trabalho livre, regulado e culturalmente contaminado pelo regime anterior.

Como consequência da gradativa criação da legislação trabalhista integrada na CLT em 1943, desenvolveram-se outras instituições fundamentais para ordenar e fazer cumprir as leis civilizatórias que regulamentavam o conflito de interesses entre empregadores e trabalhadores. Isto porque, embora legalmente estabelecidos, os direitos trabalhistas nunca foram plenamente aceitos e menos ainda cumpridos por parte das classes dominantes do país. A maior evidência objetiva de tal fato está na falta de respeitos às leis do trabalho para com o trabalho doméstico remunerado, uma das maiores heranças do nosso escravagismo. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD Contínua – IBGE), ao final de 2019, 71% das trabalhadoras e trabalhadores domésticos do país não tinham suas carteiras de trabalho assinadas. Isto, mesmo depois que, em 2013 (sim, apenas em no século XXI), seus direitos foram equiparados aos dos demais trabalhadores.

Na história do Brasil, segundo o Prof. Marcio Pochmann no seu livro “O emprego no desenvolvimento da nação”, toda tentativa de avanço social no sentido de reduzir as injustiças sociais como, por exemplo, a má distribuição da riqueza, encontra resistência de variada ordem, que pode ser verificada desde o debate sobre as leis propostas neste sentido; quando estas são aprovadas, apresenta-se no seus descumprimentos sem a devida punição dos crimes contra os trabalhadores, sob amparo do próprio Estado. Em momentos mais agudos, a resistência pode mesmo chegar ao extremo de golpes políticos como o militar de 1964 ou o parlamentar-midiático de 2016.

Neste sentido, nos últimos quatro anos, manobras políticas se intensificaram com o objetivo claro de desmantelar o aparato de regulação e proteção social do trabalho, que passou por contínua evolução ao longo do século XX, buscando civilizar cada vez mais as relações de trabalho, ao contrário do que reiteirada e maliciosamente afirmam aqueles que buscam fazer retroceder nossa já atrasada sociedade. Pode-se delinear este aparato (1) pelas leis trabalhistas, que são o conjunto das regras que disciplinam as relações entre empregadores e empregados, (2) pelo extinto Ministério do Trabalho e Emprego, responsável, dentre outras coisas, pela fiscalização do cumprimento das leis trabalhistas, de saúde e de segurança do trabalho, e (3) pela Justiça do Trabalho, responsável cuidar dos litígios, conflitos, advindos das relações de trabalho e do julgamento das transgressões às leis. Estes três elementos representam (1) as regras, (2) a fiscalização destas e (3) os julgamentos dos descumprimentos delas ou desentendimentos nas relações por elas reguladas.

Em 2017, o principal alvo dos ataques foram as leis. Em março daquele ano, o então presidente Michel Temer sanciona a nova lei da terceirização, legalizando a adoção desta prática para as atividades fins das empresas, prática esta amplamente reconhecida como venenosa aos trabalhadores. No fim de novembro de 2017, prometendo criar 6.000.000 (seis milhões) de novos empregos formais, utilizando-se da retórica da necessidade de baratear para os empregadores a contratação de mão de obra, o governo conseguiu aprovar ampla reforma trabalhista, desferindo outro forte golpe contra a classe trabalhadora. As novas regras tornaram as leis mais flexíveis a benefício do empresariado, permitindo-lhes, dentre outras coisas, que renegociem mesmo individualmente com trabalhadoras e trabalhadores o que está previsto na lei. Além disso, os intimidou em relação à busca pelo respeito aos seus direitos, fazendo-os pagar a custas judiciais dos processos por eles perdidos. Tornou possível o trabalho intermitente, por demanda, no qual a pessoa contratada fica à espera de ser convocada para o trabalho, sem ter nenhuma segurança sobre o quanto trabalhará e, consequentemente, o quanto receberá. Até o fim de 2019, pouco mais de 650 mil vagas formais de trabalho haviam sido criadas, segundo o Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (CAGED).

Em 2019, um novo mandatário assumiu o governo do país e vem dando prosseguimento à sanha de destruição social no Brasil. As medidas, declarações e números relacionados ao mundo do trabalho no Brasil no seu primeiro ano de mandato não dão margem a dúvida acerca da ojeriza nutrida por ele e seus asseclas para com a classe trabalhadora e a parcela esmagadora das pessoas mais pobres do país. Logo depois da sua eleição, foi desferido imediato golpe contra os trabalhadores com o fim do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE). Essa foi uma implícita declaração de que as atribuições do extinto órgão, de fundamental relevância social para o Brasil, não eram uma prioridade para esse governo. Assim, em um país de histórica dívida social com seu povo, vivenciando por anos seguidos as agruras de elevado desemprego, renitentes desigualdades na inserção dos trabalhadores e trabalhadoras no mercado de trabalho, recordes de descumprimento da legislação trabalhista tanto no que diz respeito aos tributos previdenciários como no campo da saúde e da segurança do trabalho, seu atual governo afirma que (1) planejar e coordenar políticas de geração de emprego e renda, (2) fiscalizar o cumprimento das leis trabalhistas, (3) estimular o desenvolvimento profissional, e (4) cuidar da seguridade social da classe trabalhadora por meio da administração do FGTS e do FAT, além de outras ações de suporte aos trabalhadores no Brasil, devem ser relegadas ao terceiro ou quarto plano no rol das prioridades governamentais.

Não satisfeito com a extinção do MTE, em uma de suas primeiras entrevistas após assumir o governo, evidenciando suas intenções para com as trabalhadoras e os trabalhadores brasileiros, o novo mandatário do país declarou que sua equipe estudava uma proposta para dar fim à Justiça do Trabalho. Embora absurda e com ampla resistência por parte dos integrantes do Poder Judiciário, a proposta segue viva no Congresso Nacional, como Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de autoria do deputado federal Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), que ainda não conseguiu assinaturas suficientes para lhe dar encaminhamento no parlamento. Enfraquecidas a fiscalização do trabalho e a busca pelo respeito aos direitos por meio das reformas trabalhistas de 2017, está engatilhado, agora, um disparo contra a Justiça do Trabalho.

Mais recentemente, a criação por medida provisória de um novo modelo de carteira de trabalho, chamado de verde e amarelo, tenta aprofundar a reforma trabalhista de 2017.

Não pararão por aí. É uma luta na qual aqueles que vêm sendo agredidos precisam obviamente reagir não com violência, mas por meio da ação política, democrática e, acima de tudo, pacífica.

Vale destacar ainda que a vilania do atual governo não se restringe ao campo do trabalho. Trata-se também de um governo racista, misógino, sexista, com claras intenções ditatoriais, incompetente no social e na economia; envolvido explicitamente com o crime organizado no país. Sua demonstrada competência somente se apresenta pela sua enorme capacidade de difusão de mentiras, de confundir e enganar as pessoas, disseminando o ódio e a dúvida, brincando e se divertindo com a miséria material e intelectual do povo brasileiro. Até quando?

*Leonardo de Siqueira é pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da UFBA. Doutorando em Economia pela Universidade Federal da Bahia.

Classificação Indicativa: Livre

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