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Como fica a crise do petróleo em tempos de pandemia?

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Bnews - Divulgação

Publicado em 22/04/2020, às 16h44   Iramaya Soeiro e Lucas Valladares*


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Em tempos de pandemia mundial, devido ao novo coronas vírus, outra questão de muita relevância para o mundo tem sido deixada em segundo plano, mas já traz impactos significativos ao setor energético: queda vertiginosa do preço do petróleo. Explicar as causas dessa crise e suas já presentes consequências é essencial para entender o cenário da economia nacional e internacional, frente aos impactos do COVID-19. 

Primeiramente precisa-se saber que a queda do preço do barril de petróleo, Brent (preço de referência internacional), no último mês, deriva da não renovação dos acordos de limite de produção entre a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), liderados pela Arábia Saudita, e a Rússia.

Sendo assim, por que a disputa se intensificou neste setor? O cenário de produção se modificou desde a criação da OPEP, na década de 1970, quando a OPEP representava em torno de 55% da produção mundial. 

Atualmente essa representação caiu para menos de 40%. Países como a Rússia, Estados Unidos, Canadá, Noruega e até mesmo o Brasil aumentaram significativamente a produção no período recente, resultando no crescimento da oferta de petróleo no mundo todo. Com isso, a OPEP perdeu poder de mercado para controlar os preços. Portanto, entrar em acordo com outros países, a respeito dos níveis de produção ótimos, virou ponto central para que os governos dos países membros da OPEP (que dependem da receita vinda da produção de petróleo) arquem com suas obrigações fiscais.

Dito isso, na tentativa de controlar o preço, a Arábia Saudita propôs mais uma renovação do acordo, inicialmente firmado em dezembro de 2016, com a Rússia (3° maior produtor de Petróleo e gás). Em uma nova reunião, em Vienna, no começo de março de 2020, os sauditas propuseram que a produção de petróleo fosse cortada em 1,5 milhão de barris/dia. 
Diante da negativa da Rússia, a Arábia Saudita aumentou sua produção de 9,7 milhões de barris/dia para 12 mb/d, enquanto os russos anunciaram que aumentaria sua produção em 300.000 mil barris por dia. Isso implicou na inundação do mercado e fez com que os preços despencassem mais de 132%, chegando à marca de US$20,37, no dia 18 de março deste ano.

E por que a Rússia não aceitou esse acordo? O petróleo não-convencional dos Estados Unidos é uma boa resposta. As tensões políticas entre EUA e Rússia são diversas. Em uma via, a Rússia pode se beneficiar da queda dos preços, pois os produtores norte-americanos de xisto, sobrecarregados com elevado endividamento, são um fusível que pode explodir todo o mercado de dívida corporativa dos EUA. No dia 20 de abril, pela primeira vez na história, o preço do barril WTI (valor de referência do petróleo intermediário norte-americano) foi comercializado em valores negativos. É uma grave crise de superprodução que clama por uma intervenção do governo norte-americano bastante focada, não para salvar as bilionárias empresas de petróleo, mas sim para evitar um maior colapso no mercado de crédito.

Entretanto, a indústria do xisto já se provou resiliente no passado recente, quando a OPEP tentou sufocá-la com fluxo de petróleo bruto barato, em 2014 e 2015. Quando os preços caem, a indústria de xisto permite que a produção diminua o suficiente para catapultar os preços para cima novamente, e então as bombas recomeçam a funcionar. 
Entretanto, a indústria de petróleo dos EUA tem menos acolchoamento do que antes e é provável que ocorra substancial concentração do mercado produtivo desse setor.

Por sua vez, a Arábia Saudita, que precisa do petróleo a preços, grosseiramente, duas vezes maiores que a Rússia, para balancear suas contas nacionais, expõe-se bastante diminuindo o preço do seu petróleo para forçar uma combinação com os Russos, reintegrando-os no grupamento informal chamado de OPEP+. 

Os sauditas ainda tem reservas em dinheiro para aguentar os preços mais baixos, mas em menor volume do que tinham em 2014 e menos que os Russos tem hoje, dados os seus imperativos déficits orçamentários. A situação fiscal da Arábia Saudita já estava no caminho de um déficit de aproximadamente US$50 bilhões, e com as receitas menores da exportação de petróleo projeta-se outros US$70 bilhões, para um montante total de US$120 bilhões no ano. O “baú de guerra” saudita pode suportar o embate por no máximo 4 anos, mas eles claramente esperam por uma curta e rápida guerra de preços, para não atrapalhar o plano de diversificação da economia Saudi Vision 2030, do príncipe Mohammad bin Salman.

E como não bastasse, a economia mundial, que já vinha em um ritmo de desaceleração desde o ano passado, sofre ainda mais com o novo corona vírus. Isso porque a China, foco inicial do surto, é um dos maiores importadores de petróleo em escala global. Grande parte da produção fabril foi drasticamente reduzida, contraindo consequentemente o consumo de petróleo e seus derivados, aproximadamente em 14 milhões de barris dia. 

No presente momento, a maior vantagem da Rússia é a sua vasta rede de gasodutos, que permite comercializar petróleo mais barato de forma mais expediente que os sauditas, que dependem, e arcam com os custos, de navios tanques. Por fim, o Covid-19 se alastra no planeta, fazendo com que a demanda, que já vinha caindo nos últimos meses, caia mais ainda, derrubando as estruturas da indústria petrolífera dos EUA, que já estava com excedente. Portanto, levantamos outra pergunta: Quais as consequências deste panorama? E o Brasil como fica nisso tudo? 

Atualmente, a produção brasileira vem, em grande medida, do pré-sal e com o preço numa faixa bem abaixo dos US$60, seu fluxo de caixa fica negativo e novos empreendimentos junto a extração do petróleo fica, em grande parte, inviabilizada. Isso fez com que a Petrobrás tivesse uma grande desvalorização, chegando a ser a empresa entre as petroleiras que mais perdeu valor de mercado internacional (49,2%).

Segundo a OPEP, a previsão da produção brasileira para 2020 mostra que o crescimento esperado, se comparado ao ano passado, é de 310.000 mil barris por dia, totalizando 3,85 mb/d, para 2020. Conjuntamente, o Brasil é um importador de derivados e diante o cenário, alguns produtos como o diesel e gasolina devem ter seus preços reduzidos.

Finalmente, essa guerra comercial entrou em trégua na semana passada. A OPEP+, em um acordo multilateral, mediado por ninguém menos que os EUA, talvez o maior acordo da vida de Donald Trump. O alvo dos cortes totaliza mais de 10 milhões mb/d, 10% da produção mundial, mas os choques relacionados com a crise do coronavírus devem empurrar a demanda pra baixo em 30%. Se um dos mais importantes pactos já feitos na memoria recente não conseguir manter os preços elevados, não há muito mais que possa.

* Iramaya Soeiro - Graduanda em Economia e pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC), da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

* Lucas Valladares - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia da Ufba. Graduando em Economia pela Faculdade de Economia da Ufba.

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