Economia & Mercado

Os gastos do Estado em tempos de coronavírus: estamos fazendo o suficiente?

Imagem Os gastos do Estado em tempos de coronavírus: estamos fazendo o suficiente?
Bnews - Divulgação

Publicado em 05/05/2020, às 19h30   Cyro Faccin e Pedro Argollo*


FacebookTwitterWhatsApp

O mundo em que vivemos certamente não é mais o mesmo. O surgimento e a proliferação do vírus COVID-19 ao redor do mundo está transformando profundamente nossas relações sociais e consequentemente, modificando como nossos bens e serviços são produzidos e distribuídos em nossa economia. 

Em decorrência deste vírus, medidas de distanciamento social, isolamento e quarentenas foram recomendadas pela OMS, e adotadas por quase todos os países do globo, visando combater a proliferação do COVID-19 em escala ainda maior do que já vem ocorrendo. Estas medidas trazem como consequência uma série de problemas sociais provocados diretamente pela pausa das atividades econômicas. A partir disso é preciso salientar a necessidade do papel do Estado para a manutenção da vida e do bem estar das pessoas. Com o isolamento, grande parte da população não pode trabalhar, enquanto que várias das empresas também não conseguem vender seus bens e serviços. Desta forma é estritamente necessário que o Estado brasileiro aumente diretamente seu investimento na rede de proteção social, da mesma forma que também é fundamental a criação de condições fiscais favoráveis para a manutenção dos empregos junto às empresas.

Embora possa parecer que estas políticas de ajuda fiscal são excepcionais, é importante salientar que em todo o mundo as atitudes tomadas até então pelos governos têm seguido este sentido. Como exemplo, a Alemanha adotou um orçamento suplementar de 156 bilhões de euros (4,9% do PIB). Dentre os objetivos, estão o aumento da capacidade hospitalar do país, ampliação do subsídio ao trabalho que sofreu redução de carga horária (Kuzarbeit em alemão), como também 50 bilhões de euros em doações para pequenas empresas e trabalhadores autônomos afetados diretamente pelo surto do coronavírus. Já nos Estados Unidos, estima-se que, com a Lei de Ajuda e Alívio Econômico aos Efeitos do Coronavírus (CARES Act em inglês), o estímulo chegue a 2,3 trilhões de dólares (11% do PIB). Entre os principais objetivos desta nova lei estão: US$ 250 bi para fornecimento de descontos fiscais para indivíduos; US$ 250 bi para a expansão do auxílio desemprego; US$ 24 bi direcionados a criação de uma rede de segurança alimentar para a população mais vulnerável; US$ 510 bi direcionados para evitar falência corporativa a partir do fornecimento de empréstimos e garantias; US$ 359 bi em empréstimos e garantias perdoáveis direcionados a pequenas e médias empresas que retêm trabalhadores em suas folhas salariais e 100 bilhões de dólares focados no investimento direto nas redes hospitalares do país.

As medidas de estímulo fiscal não estão sendo feitas exclusivamente nos países desenvolvidos. Os países em desenvolvimento também estão criando pacotes de ajuda para suas respectivas economias. A Índia por exemplo, anunciou um pacote de ajuda emergencial de aproximadamente 0,8% do PIB. Os principais pontos do pacote de ajuda emergencial são: transferência de renda para famílias de baixa renda; distribuição de alimentos e gás de cozinha para a população; apoio salarial para trabalhadores com baixos salários e facilitação dos critérios para obtenção do seguro desemprego. Já a Argentina está adotando medidas que de acordo com estimativas preliminares do FMI (Fundo Monetário Internacional), custarão cerca de 1,2% do PIB. As medidas argentinas têm se concentrado em: aumentar da capacidade hospitalar do país; apoio financeiro a pessoas vulneráveis através de transferências para famílias pobres, ampliação dos benefícios do seguro desemprego e pagamentos a trabalhadores com salário mínimo; o aumento do gastos para obras públicas e garantias de crédito a partir de empréstimos bancários para micro pequenas e médias empresas com foco no aumento da produção de alimentos e suprimentos básicos. É perceptível a diferença de magnitude das ações tomadas pelos países periféricos quando comparadas a dos países desenvolvidos, que agiram de forma abundante. Porém, provavelmente este grupo de nações emergentes será provavelmente um dos que mais necessitará de ajuda econômica estatal, maiores do que já foram implementadas. Isto se deve ao fato de que, por serem consideradas economias menos robustas, desenvolvidas e seguras de investimento, sofrerão com um cenário de fuga de capitais. Isto já se confirmou, segundo dados apresentados pelo Financial Times, em que 60 dias após o início da crise do coronavírus já foram retirados mais de US$ 83 bi de economias emergentes. O Brasil está presente neste grupo de países periféricos, e o cenário econômico é de uma fragilidade ainda mais preocupante do que nas nações desenvolvidas.

O Brasil também adotou diversas medidas, como o adiantamento do 13º dos aposentados, a expansão do orçamento do Bolsa Família e também da Saúde, além de desonerações e diferimentos de alguns impostos. Todas estas para combater os efeitos econômicos da crise do coronavírus, porém se demonstram muito aquém do que será necessário, e inclusive quando comparado a outros países. Segundo dados do Observatório de Política Fiscal da FGV-IBRE, considerando somente as propostas que já foram executadas, ou que se encontram em tramitação no Congresso Nacional, somente estamos utilizando recursos, que têm efeito de despesa no resultado ainda deste ano, equivalentes a 1,67% do PIB brasileiro. Visto a magnitude dos esforços fiscais mundo afora, e a profunda recessão que está por vir, é de extremo interesse que o Estado brasileiro aja de forma diferente. De modo mais incisivo, rápido, estruturado e ampliado, para poder reduzir ao máximo os danos que tal crise provocará no país.

O cenário econômico brasileiro se demonstra preocupante, principalmente no que toca à preservação da renda dos trabalhadores, e dos próprios empregos destes. Já foi adotada uma medida que dá renda aos informais, que compõem, atualmente, cerca de 40,96% das pessoas que trabalham no país (Fonte: PNAD Contínua - IBGE), sendo estes os trabalhadores mais vulneráveis neste cenário de crise, devido a falta de formalização e regulação desta modalidade. Também foi anunciada a Medida Provisória 936/2020, que possibilita a redução das jornadas de trabalho e, proporcionalmente, dos salários. Apresenta-se ainda, nesta MP, o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, que é um auxílio do estado no pagamento do salário destes trabalhadores que tiveram sua carga horária reduzida ou suspendida. Tais medidas se apresentam insuficientes, e muito atrasadas, visto que já em 13 de março haviam 151 casos de coronavírus no Brasil, iniciando assim uma perspectiva de quarentena e isolamento, como ocorreu em São Paulo, foco de contaminação no país, a partir do dia 24/03. 

Estas medidas se demonstram atrasadas pois o recebimento do auxílio emergencial, em que o governo estima que 54 milhões de brasileiros sejam beneficiados, somente se iniciou no dia 9 de abril. Ainda sim, somente cerca de 2,5 milhões de pessoas receberam esta primeira parcela, ou seja, ainda distante de atingir toda esta população carente. E, por fim, as medidas se demonstram insuficientes pois a MP 936/2020 indica uma possível trajetória de perda de renda, visto que não complementa o salário integral de todos os trabalhadores formais que ganham mais do que um salário mínimo, como apresentado por estudo da CECON-UNICAMP. Empregados que ganham três salários mínimos podem ter queda em sua renda entre 10,5% a 42,2%, sendo este quadro ainda mais agravado quando analisam-se as faixas de renda superiores a esta, podendo chegar a 82,7% de perda do salário original em casos de empregados que recebam dez salários mínimos. Ou seja, o programa que o governo federal formulou vai contra a própria ideia de uma política de mitigar os danos do COVID-19. Por mais que auxiliem na preservação dos postos de trabalho, irão criar uma enorme perda de renda dos trabalhadores brasileiros. Isto aumenta ainda mais a carência por quais estes assalariados irão passar em um período que já se demonstra de extrema necessidade e pobreza, aprofundando ainda mais a desigualdade de renda e a precariedade das condições de vida no Brasil.

Por mais que uma demanda por medidas ainda mais abrangentes e abastadas possa parecer extremo, o cenário mundial é também desafiante. Não há possibilidade das economias nacionais voltarem rapidamente às suas taxas de crescimento, e inclusive a seus PIBs reais pré-crise do COVID-19 sem o auxílio direto fiscal e monetário dos estados na atividade econômica. A perda de renda das pessoas será abrupta, assim como os lucros irão cair, tornando uma alternativa de crescimento advinda do setor privado e das famílias algo inconcebível. Portanto, para sairmos de um ciclo de estagnação e recessão da economia, que já era o cenário brasileiro antes mesmo do surto do coronavírus, deve-se advogar por uma política econômica do bem-estar social. Uma alternativa à austeridade fiscal e às reformas que vinham sendo implementadas, que traga de volta o investimento público e a elevação dos salários, que por fim dinamize novamente a economia, e assim nos coloque na trajetória do crescimento e desenvolvimento econômico e do progresso social.

*Cyro Faccin - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia - UFBA. Graduando em Ciências Econômicas na Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (FE/UFBA).

*Pedro Argollo - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia - UFBA. Graduando em Ciências Econômicas na Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (FE/UFBA).

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp