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Pastor Djalma Torres: Uma vida dedicada à elevação da humanidade

Imagem Pastor Djalma Torres: Uma vida dedicada à elevação da humanidade
Bnews - Divulgação

Publicado em 24/05/2020, às 20h22   Penildon Silva Filho*


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Morreu na tarde deste sábado (23 de maio) o pastor Djalma Rosa Torres, que por 34 anos foi líder da Igreja Batista Nazareth, em Salvador. Djalma Torres era natural de Itagi, Bahia. Graduou-se em Teologia e em Ciências Sociais, depois fez Especialização em História e Cultura da África e Afrodescendência e foi Mestre em Teologia. Pastoreou as Igrejas Batista da Graça (1970 a 1975) e Batista de Nazareth (1973 a 2007). Também teve um forte trabalho associativo, teológico e de articulação do ecumenismo e depois do diálogo inter-religioso. Foi Presidente do Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão (CEPESC), membro do Conselho Ecumênico Baiano de Igrejas Cristãs (CEBIC), da Igreja Evangélica Antioquia e da Fraternidade de Igrejas Evangélicas do Brasil.

Ajudou a criar o Koinonia - Presença Ecumênica e Serviço, do Rio de Janeiro, e em conjunto com lideranças de diferentes religiões foi membro fundador e diretor do Instituto Popular Memorial de Canudos (IPMC). Teve um livro publicado em 2011, Caminhos de Pedra, que narra a sua trajetória de vida e seu engajamento no movimento ecumênico. O Prêmio Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos da Presidência da República do Brasil, na Categoria Diversidade Religiosa, pelas atividades realizadas em favor do ecumenismo e do diálogo inter-religioso, foi entregue a ele pela presidente Dilma Rousseff no ano de 2012.

Pastor Djalma continuará a ser o nosso pastor, pois sua ação se confunde com os movimentos mais generosos de nossa Sociedade desde a década de 1970, os mais libertários, pela justiça, pela Democracia, pela liberdade de expressão. Na época da ditadura era difícil resistir à repressão e todo seu terror, tortura e assassinatos, mas isso não amedrontou Djalma a liderar sua Igreja Batista de Nazareth a acolher perseguidos, a participar da campanha e de comitês pela anistia de perseguidos políticos, de denunciar abusos contra os direitos humanos. Sua identidade era muito nítida com um amplo movimento que mudou a cara do Brasil no final da década de 1970 e na década de 1980, com a democratização, a Constituinte, a nova Constituição, as eleições em todos os níveis, a liberdade de expressão.

Desde a década de 1970, pastor Djalma costumava ampliar a espectro de sua interlocução, dialogando com outras denominações, primeiramente com denominações evangélicas, e depois anglicanas e com os católicos. Nunca aceitou o sectarismo e a utilização da fé das pessoas para acúmulo de riqueza e poder que algumas lideranças implementavam, e seu caminho era refutar o fundamentalismo aliado da “teologia da prosperidade”. Essa teologia de corte capitalista, que ligava a dedicação dos fiéis às igrejas e as doações de cada vez mais dízimos a uma promessa de enriquecimento dos fiéis/investidores, gerou nos dias de hoje alguns bilionários que controlam empreendimentos diversos e compõe um governo de extrema direita de corte neofascista. 

De modo contrário, o pastor Djalma mostrou que era possível reunir as pessoas de diferentes denominações e religiões para que se respeitassem e valorizassem a diversidade religiosa. Para Djalma, sua atitude de tolerância não era apenas uma necessidade para evitar mais guerras e sofrimento no mundo atual, mas era parte de um prazer em conhecer como outras pessoas pensavam, entendiam o transcendente, encaravam a vida e tinham seus distintos rituais. A diversidade é uma riqueza, e não algo a ser apenas tolerado ou aceito. 

Num mundo cada vez mais assaltado pelo vandalismo político e religioso que se alimenta do ódio, do preconceito, do medo do diferente, seja na Hungria com Victor Orban, com Donald Trump ou com Bolsonaro no Brasil, o caminho da diversidade, do respeito, do combate à ignorância com mais estudo e mais conhecimento nos foi mostrado também pelo amigo pastor Djalma, que continuará a servir de exemplo, de contraponto. É um erro acreditar que, devido à maior visibilidade e poder político e econômico de alguns líderes religiosos que apoiam o neofascismo hoje no Brasil, não existam líderes com outros perfis. Pastor Djalma foi um exemplo de delicadeza, de inteligência, de elegância, de sabedoria e conhecimento. Seu modelo foi fundamental para que todos que professam diferentes credos pudessem verificar que era possível viver em comunidade com os diferentes, seja na religião, na cultura, na orientação sexual, nas origens sociais. Foi um novo padrão, necessário para mostrar às pessoas que elas não precisavam se apegar ao medo e ao ódio e que se deve tomar cuidado com os vendilhões do templo.

Em uma entrevista concedida à revista Perspectiva Histórica, Janeiro/Junho de 2015, Nº5, ele aprofundou a reflexão sobre o tempo em que vivemos (http://perspectivahistorica.com.br/revistas/1434222703.pdf). Em um ponto da entrevista, ele afirma: “O movimento ecumênico se desenvolveu e ainda hoje não é diferente, em três níveis simultâneos: no nível eclesiástico, no nível teológico e no nível de base, que é, na verdade, onde há menos barreiras. Nos movimentos sociais, nas reuniões de grupos, em reivindicações de rua, há uma convivência fraterna, solidária e de respeito popular em relação à pertença a uma igreja” E mais adiante ele informa que o movimento ecumênico “perdeu prestígio e credibilidade. Há um anseio por algo que ultrapasse as fronteiras ecumênicas”. Essa vertente do pastor nos orienta como persistir, com o trabalho com os movimentos sociais, com a organização de comunidades de base que defendam a vida, a justiça, a liberdade e a solidariedade. Devemos repensar a forma de comunicação com as pessoas e compreender o momento em que vivemos, no qual a fé se tornou para muitos um produto, uma mercadoria, incitadora de ódio e violência, um instrumento de poder dos poderosos.

Pastor Djalma, amigo e exemplo em todas as horas, descanse, nós saberemos levar adiante sua forma de ver o mundo, seu compromisso com a liberdade, a Democracia e a valorização do que os faz humanos, que é justamente a diversidade. O que caracteriza nossa espécie não é a uniformidade, o padrão; o que nos marca é a diversidade. Essa é uma boa forma de transcender nos dias de hoje, desejando a paz, a justiça e o respeito a todos os seres humanos, independentemente de origem, cultura, religião, sexo e orientação sexual. Pastor Djalma Torres vive!

*Professor da UFBA e doutor em Educação

Classificação Indicativa: Livre

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