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O Chamado da Democracia

Imagem O Chamado da Democracia
Bnews - Divulgação

Publicado em 02/06/2020, às 15h43   Penildon Silva Filho*


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“O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Guimarães Rosa em “Grande Sertão: veredas”

Vivemos no momento presente uma aceleração histórica, quando dias e horas encerram acontecimentos que impactam a vida do país fortemente e mudam as correlações de forças, a percepção política e a as relações sociais num ritmo mais acelerado do que o habitual.  Chegou o momento de criar as condições para a superação dessa situação de crise sanitária e da Economia e de defender a Democracia.

O projeto que assumiu o governo em 2019 antes da pandemia já mostrava sua falência no início de 2020, com crescimento insignificante da Economia, desemprego muito elevado e em ascensão, fuga de capitais do Brasil, desindustrialização, sucateamento dos serviços públicos e destruição do patrimônio nacional, como Petrobras, Eletrobrás, Embraer e bancos públicos. As reformas do neoliberalismo e da austeridade fiscal dos governos Temer e Bolsonaro, depois de terem fracassado na Europa e em diversas partes do mundo, criaram no Brasil um retrocesso econômico, social e político marcante. A emenda constitucional 95, que congelou os investimentos sociais por 20 anos, a reforma trabalhista, a reforma previdenciária e as privatizações, apresentadas como promotoras de um novo ciclo de desenvolvimento e criação de empregos, se mostraram um fracasso sob todos os aspectos, menos do ponto de vista dos lucros das grandes instituições financeiras, que seguem batendo recordes ao mesmo tempo que batiam recorde os níveis de desemprego e a queda de investimentos produtivos.

Antes da pandemia o modelo do Estado mínimo já tinha demonstrado sua falência, e os países que tiveram maior protagonismo estatal, com indução de políticas de desenvolvimento, fortes investimentos públicos e fortalecimento do mercado interno, como é o caso da China, se descolaram da crise sistêmica do Capitalismo. A pandemia aprofundou essa crise brasileira que começou com o golpe de 2016. Hoje estamos justamente no momento em que precisamos da presença de mais Estado, mais Sistema Único de Saúde – SUS, mais políticas de renda mínima, mais aparato de desenvolvimento social pela Sistema Único de Assistência Social, mas o projeto político encarnado por Bolsonaro e Paulo Guedes se nega a trilhar outro caminho que não seja o da austeridade fiscal e da destruição dos instrumentos que poderiam salvar vidas. 

Da mesma maneira, enquanto vários países investiram em subsídios para as micro, pequenas e médias empresas poderem manter suas atividades e os empregos, com o pagamento inclusive da folha de salários dessas empresas por meses e fornecimento de linhas de crédito facilitados, no Brasil há uma política deliberada de quebradeira geral do setor produtivo e proteção ao setor do capital financeiro, ao lado de medidas governamentais que facilitam o desemprego e a diminuição de salários num momento em que mais precisamos preservar os empregos e a renda.

A pandemia global do Coronavirus deveria disparar uma estratégia no Brasil de defesa da vida, de fortalecimento da saúde pública e das condições de vida da população, mas apenas serviu de pretexto para o governo Bolsonaro criar mais crises, subterfúgio que ele sempre lançou mão para tentar sobreviver politicamente num cenário de destruição da Nação devido à sua gestão. Sem qualquer medida responsável na Saúde, o governo comprou briga com a Organização Mundial da Saúde, repetindo de forma vergonhosa os discursos do presidente dos Estados Unidos, desestruturou o Ministério da Saúde, deixando-o acéfalo e sem qualquer coordenação, e iniciou uma guerra contra os governadores e prefeitos de todos os partidos. O governo federal, para esconder suas falhas e a falência de seu projeto econômico e social, tenta colocar a responsabilidade e a culpa das mortes provocadas pelo COVID-19 e do desemprego galopante nos governadores e prefeitos.

Além de seus vários crimes de responsabilidade perpetrados na gestão da Saúde e da Economia, Bolsonaro promove uma crise institucional grave contra as instituições democráticas e a Constituição. Trata-se de uma estratégia para esconder os crimes das milícias ligadas ao clã do presidente, os crimes de seus filhos e os crimes que propiciaram a sua eleição com o uso de dinheiro ilegal e de instrumentos de mídia à margem da legislação eleitoral. 

Sua tentativa de aparelhamento das instituições para interesses pessoais e para a sobrevivência pessoal e da família provoca um confronto permanente com o Congresso, o judiciário, a imprensa, os partidos políticos de oposição, os governadores e prefeitos. Mas esse confronto não é um acidente ou subproduto de uma política, na verdade é o cerne da política do atual governo, que se dedica a manter um certo nível de aceitação popular usando a confrontação e o acirramento, o discurso de ódio e o estímulo à violência e ao fundamentalismo. 

Essa situação de desgaste do regime político não começou agora, ela remonta à campanha pela criminalização da política e destruição da credibilidade da Democracia desde 2005 e depois com a Operação Lava Jato, orientada pelos Estados Unidos e empresas petrolíferas estrangeiras. 

A campanha contra a política enquanto instituição e contra o Estado é de longa data, e aqui no Brasil, assim como na Itália da Operação Mãos Limpas, o resultado foi um governo de extrema direita. Na Itália esse governo, Berlusconi, flertava com o fascismo; no Brasil o governo Bolsonaro é claramente de perfil neofascista, e só não toma o poder e implanta uma ditadura sanguinária porque não tem força para isso, embora esteja em franco processo de armamento de suas milícias no intuito de promover conflitos armados e desestabilizações maiores. 

No Brasil, foram responsáveis pelo fenômeno fascista de Bolsonaro todos que estavam na Operação Lava Jato (que agora rompeu com o governo), na articulação pelo golpe contra a presidenta Dilma, na campanha midiática que criminalizava a política, nos partidos que não aceitaram o resultado eleitoral de 2014 e investiram no caos e aqueles que usaram o Ministério Público e a Justiça para galgar espaços políticos e disputar espaços de poder.

Agora cresce na sociedade a bandeira do Fora Bolsonaro e vários pedidos de impeachment no Congresso foram protocolados, assim como também cresce a possibilidade da cassação da chapa Bolsonaro/Mourão no TSE, com as provas cada vez mais evidentes de fraude nas eleições de 2018, que devem ficar mais abundantes com a produção de novas provas no inquérito das Fakenews no STF e na CPMI sobre o mesmo objeto no Congresso. 

Na sociedade há a articulação de um núcleo político progressista que defende os direitos trabalhistas, os serviços públicos, os direitos sociais, econômicos e culturais e contrário ao neoliberalismo. Ao mesmo tempo, cria-se uma frente pela Democracia, que é mais ampla e abarca todos os que têm contradição com o projeto autoritário do governo Bolsonaro/Mourão. Nessa segunda frente em defesa da Democracia, cabem personagens e grupos que não terão o mesmo programa econômico, mas defendam a Democracia e suas instituições. Essa política está correta e devemos levar adiante essas duas iniciativas, e ao mesmo tempo fortalecer a resistência democrática no Congresso, que tem sido muito positiva, combativa e propositiva. 

Foi criado o Movimento Estamos #Juntos ( link: http://www.movimentoestamosjuntos.org/), que já reuniu mais de 100 mil assinaturas de pessoas de diferentes correntes políticas em dois dias, da direita, esquerda e centro políticos, como por exemplo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), Fernando Haddad (PT), Marcelo Freixo (PSOL), Tábata Amaral (PDT) e Marcelo Calero (Cidadania), o apresentador de TV Luciano Huck, o médico Dráuzio Varella, o cantor Caetano Veloso, o arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, a atriz Fernanda Montenegro e o youtuber Felipe Neto. Vale a pena conhecer essa iniciativa. 

Precisamos intensificar a interlocução social de forma ampla com partidos, movimentos, artistas, intelectuais, universidades, pesquisadores para apresentar nossas propostas de RECONSTRUÇÃO NACIONAL. A iniciativa de construir um projeto alternativo servirá de base para essa disputa de hegemonia na Sociedade. Esse projeto alternativo de país deve envolver reforma tributária, espaço para a ação do Estado, fortalecimento de serviços públicos, aperfeiçoamento das instituições, a transição ecológica, programas de renda mínima e Educação Básica e Superior, política de Ciência e Tecnologia, propostas inovadoras para a Segurança Pública e terá como cerne o debate e o conhecimento científicos. 

Num momento de obscurantismo e truculência, nossa contraposição será pelo aprofundamento da discussão e pelo recurso à Ciência, às universidades, às instituições sérias que o Brasil construiu em sua história.


*Professor da UFBA e Doutor em Educação

Classificação Indicativa: Livre

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