Artigo

Somos uma grande Sucupira

Imagem Somos uma grande Sucupira
A sátira política tupiniquim é muito mais verosímil com a atual situação brasileira do que House Of Cards, de Beau Willimon, que fez sucesso na sua última adaptação no Netflix  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 15/06/2020, às 06h00   Victor Pinto


FacebookTwitterWhatsApp

Volta e meia em meus textos faço referência a Odorico Paraguaçu, célebre personagem de Dias Gomes da obra O Bem Amado. Não tem como não lembrar ou fazer o paralelo com a política atual do País. Acho que Gomes, um dos mestres da dramaturgia nacional, previu tudo isso vivido por nós, toda essa balbúrdia no cenário nacional. Não sei se é a previsão “previsionalmente previsada" ou “cíclica redondamente previsional”. 

A sátira política tupiniquim é muito mais verossímil com a atual situação brasileira do que House Of Cards, de Beau Willimon, que fez sucesso na sua última adaptação no Netflix. Creio que a série ianque, narradora de um golpe dado na política estadunidense, tinha um paralelo mais aceitável a história do mandato anterior do Planalto. Muito mais do que o do atual. 

O coronel Odorico repetia despido de qualquer ultraje - no teatro, nos livros, nas novelas, filmes e séries - tudo aquilo que se passava, de fato e direito, nos bastidores da política de cidades interioranas. Representava maravilhosamente a comicidade da briga de gato e rato da oposição com a situação. 

O texto é de 1962, encenado pela primeira vez no Pernambuco em 1969 e invadiu lares brasileiros em 1973, pela TV Globo, cuja narrativa era ambientada na simplória e pequena Sucupira, no litoral baiano.

Recentemente me deparei com um vídeo onde Odorico bate boca com Dirceu Borboleta (seu secretário) sobre uma pandemia próxima a Sucupira e a minimiza diante do perigo. Gargalhei com o discurso fajuto na ONU: “bread bread, kiss kiss”. Me deparei, revistando os textos, de diálogos do pé de guerra de Odorico com a imprensa. Na atuação de Paulo Gracindo, eternizado pela interpretação, me larga: “Eu também sou meio socialista. Não da ponta esquerda... do meio de campo, caindo pra direita!" 

São várias e várias cenas, principalmente aquelas resgatadas na internet e, de imediato, quando as assisto, guardadas as suas devidas proporções, suscitar o paralelo dos escritos como se fossem atuais e não da década de 70. 

Essa conexão ainda mais se aprofunda quando me ponho a ouvir toda sexta-feira o Podcast rádio Sucupira da CBN. Uma sátira sensacional realizada desde outros governos com uma acidez e inteligência de dar inveja. Mistura situações da ficção e as da realidade.

Certa vez, em entrevista no ano de 1998 a Celso Fioravante na Folha, quando tratava da sua autobiografia, questionado sobre a utilização de tema insólitos  em usas obras e, especificamente O Bem Amado, disse: “é impossível tratar de um país como o Brasil sem a conotação do absurdo. Nós somos um país onde o absurdo faz parte do cotidiano. É impossível você questionar ou fazer uma reflexão sobre o Brasil de uma maneira estritamente realista”.

“Botando de lado os entretantos e partindo partindo pros finalmentes”, de fato é melhor rir do que chorar. Mas não só rir por rir e se tornar um alheio de tudo que nos acontece. Mas diante da gravidade de tanta situação, para não se deprimir e aliviar a saúde mental, se recorre ao riso ou a ficção para correr um pouco desse estado tanto grave que passamos. Mas passaremos. 

* Victor Pinto é jornalista formado pela Ufba, especialista em gestão de empresas em radiodifusão e estudante de Direito da Ucsal. É editor do BNews e coordenador de programação da Rádio Excelsior da Bahia. Atua em outros veículos e com consultoria. Twitter: @victordojornal

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp

Tags