Educação

A educação como política de inclusão e de transição para a sociedade do conhecimento

Imagem A educação como política de inclusão e de transição para a sociedade do conhecimento
Bnews - Divulgação

Publicado em 14/06/2020, às 10h43   Penildon Silva Filho*


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Um projeto de Educação, dos pontos de vista pedagógico, de infraestrutura, de gestão democrática e inovador deve estar articulado a um conceito geral de gestão e uma visão para o desenvolvimento de cidades, estados e do país. Compreendemos que a crise do Coronavírus ressaltou e amplificou a crise que o capitalismo e o neoliberalismo já estavam provocando em nossa Sociedade, e precisamos apontar uma mudança de paradigma nesse momento de debate sobre o futuro, inclusive mudança de paradigma na Educação e nas políticas públicas com interface e interseção com ela.

Uma mudança de paradigma passa obrigatoriamente pela ampliação do papel do Estado; pelo investimento e ampliação em políticas sociais; na mudança da estrutura da riqueza e da renda, para promover uma ampla distribuição destas pelo conjunto da população; pela instituição de programas de renda básica universal, preferencialmente ligados a contrapartidas de formação, Saúde e inclusão social; pela transição da Economia para uma base sustentável. Mas, fundamentalmente, uma mudança de paradigma pelo investimento nas matrizes de uma “Sociedade do Conhecimento”. 

A Sociedade tem passado por alterações radicais nos últimos anos, mudanças tecnológicas, sociais e ambientais, entretanto isso vem ocorrendo sempre de forma excludente e concentradora de renda, com destruição de empregos ou precarização dos mesmos, e por uma voracidade no consumo e na destruição dos recursos naturais. Para mudarmos isso e transitarmos para uma Sociedade do Conhecimento inclusiva, além dos elementos apontados acima na mudança de paradigma geral, precisamos planejar, implementar e acompanhar uma nova estrutura social do conhecimento que envolva as “indústrias criativas”, com investimento forte em Educação, seja como setor econômico forte e empregador ou como etapa de formação para entrarmos nessa fase das indústrias criativas. 

Essa prioridade objetiva também superar a exclusão provocada pela Economia capitalista neoliberal, pela crise sanitária e pela política de destruição nacional do governo Bolsonaro. Consideramos que a conceito de “indústrias criativas”, já razoavelmente bem difundidos, pode ser compreendido também como “indústrias lastradas no Conhecimento, na Ciência, na Cultura” e não necessariamente tem o perfil da primeira revolução industrial.

Situamos a Educação nesse âmbito, como parte e força propulsora rumo a uma nova Sociedade baseada no Conhecimento. Educação como serviço público/direito de todos, espaço de trabalho e inclusão e ponte para a Sociedade do Conhecimento e as indústrias criativas. Indústrias criativas ou industrias baseadas no Conhecimento e na Ciência podem ser definidas como toda atividade econômica onde o central é o Conhecimento, a Ciência, a Cultura, as Artes, a Tecnologia e a inovação. 

O processo de automação industrial e inteligência artificial tem diminuído as opções de trabalho nas indústrias tradicionais, mas podemos instituir outras atividades que podem empregar ou servir de espaço de trabalho para essas pessoas. Atividades contemporâneas que precisarão ter uma formação de qualidade, permanente, por toda a vida e diversificada. O núcleo criativo dessas indústrias criativas, que são mais amplas que as indústrias culturais têm como exemplos, não exclusivos: Educação, Artes Cênicas, Artes, Música, Filme e Vídeo, Tv e Rádio, Mercado Editorial, Software, Computação e Telecom, Pesquisa e Desenvolvimento, Biotecnologia, Arquitetura e Engenharia, Design, Moda, Expressões Culturais, Publicidade. 

Esse núcleo das indústrias do conhecimento tem atividades relacionadas de indústrias e serviços. As Indústrias podem ser exemplificadas como de materiais para artesanato, materiais para publicidade, confecção de roupas, aparelhos para gravação e transmissão de som e imagem, impressões de livros, jornais e revistas, instrumentos musicais, metalurgia de metais preciosos, curtimento e outras preparações de couro, manufatura de papel e tinta, equipamentos de informática, equipamentos eletroeletrônicos, têxtil, cosmética, produção de hardware, equipamentos de laboratório e fabricação de mobiliário. E há muito mais.

Os Serviços se multiplicam em diversas direções, como registros de marcas e patentes, serviços de engenharia, distribuição, venda e aluguel de mídias audiovisuais, comércio varejista de moda e cosmética, livrarias, editoras e bancas de jornal, suporte técnico de hardware e software, restauração de obras de arte, agências de notícias, comércio de obras de arte e antiguidades, dentre outros.

Nessa nova sociedade do Conhecimento, que avança com a quarta revolução industrial, muito provocada pela Inteligência artificial e pela automação em larga escala, a Educação, compreendida como formação para a Ciência, para a tecnologia, para as artes, para a vida em Sociedade, para a cultura corporal, toma um lugar central. A Educação, num sentido amplo de formação se dá em espaços formais, informais e não formais, e torna-se nossa ambiência e vivência por todo o tempo de vida. Não há mais um momento em que se estuda e se aprende e depois outro momento que que apenas se trabalha; a aprendizagem é permanente, assim como a mudança no mundo do trabalho e nas expectativas individuais.

Para esse desafio, os clássicos da Educação brasileira são essenciais para nos lançar ao futuro. Compreendemos que a Educação deve ser Integral, inspirados por Anísio Teixeira, e não somente de tempo integral de formação em todas as dimensões do ser humano. A cidade deve se constituir num território educativo que articule espaços e tempos complementares à Educação hoje existente, como uma CIDADE EDUCADORA. A Educação deve ter uma prática libertadora que contribua para a transformação social e a formação de cidadãos e seres humanos solidários que vivam e respeitem as diversidades e as culturas presentes no tecido social, numa aproximação do pensamento de Paulo Freire, patrono da Educação brasileira e acadêmico brasileiro mais citado no mundo.

A Educação Integral pode ser uma Educação de Tempo Integral, que deve ser perseguida, embora seja mais do que isso, pois deve compreender também o processo educativo de forma mais ampla, que estimule a formação do educando em diversos campos do Conhecimento, da Ciência e da Cultura, e que deve prepará-lo para o exercício da Cidadania e para a convivência em Sociedade com respeito às diversidades de gênero, de orientação sexual, étnico racial, religiosa, cultural, política. Uma Educação Integral prepara para a vida, para a cidadania, para a Cultura, para a Ciência e para o mundo do trabalho. E uma Educação Integral, como defendia Anísio Teixeira e os “Pioneiros da Educação Nova” em seu manifesto de 1932, pressupõe a Educação separada das religiões, laica, voltada para o mundo civil, pública, gratuita, oferecida pelo Estado, universal.

A Educação Integral deve permitir que o estudante se prepare para o mundo do trabalho, mas não somente. Ela prepara ao mesmo tempo para os estudos superiores (universidades) com uma formação propedêutica significativa e avançada, e para permitir o desenvolvimento das suas diferentes potencialidades. 

Compreendemos que existem múltiplas inteligências, e os jovens não devem ser tolhidos numa Educação adestradora e formatadora. Há aqueles que se desenvolvem mais nas Artes, na Cultura, nos Esportes, ou nas Ciências. Os estudantes devem ter uma Educação que compreenda que o seu desenvolvimento deve ser intelectual, mas também físico, lúdico, motor, que deve ser estimulada sua curiosidade científica, sua sensibilidade cultural e a valorização de sua identidade simultaneamente ao respeito às outras identidades e à convivência harmoniosa.

A Educação Integral implica na Pedagogia Interdisciplinar, transdisciplinar e multidisciplinar e no princípio das “Cidades Educadoras”, com a ampliação dos espaços e tempos educativos. A Educação não se dá apenas na Escola, mas em todo o espaço geográfico de uma comunidade, e por isso deve envolver os diferentes atores sociais e institucionais para garantir uma ampliação do tempo de formação e os espaços em que ela pode ocorrer nas escolas e em outros espaços, como clubes, cinemas, teatros, museus, parques. Essa é também uma porta de entrada para que os movimentos sociais e culturais possam acessar o espaço educativo e interagir com os atores da Escola.

A Educação deve ter uma integração com as políticas públicas de Cultura, Saúde e Ciência e Tecnologia, o que inclusive já é hoje definido por lei e pelas resoluções do Conselho Nacional de Educação, a chamada “Intersetorialidade”. Os espaços públicos das escolas devem ser pontos de cultura, na concepção elaborada pelo Ministério da Cultura entre 2003 e 2016, e as escolas devem garantir, através de sua abertura à comunidade, espaços para as diversas linguagens culturais, para a formação de plateia e espaço de criação e recriação cultural. 

A política de Saúde deve estar presente nas escolas na redefinição do cardápio escolar para criar hábitos alimentares saudáveis, na garantia da Educação e informação sexual para o planejamento familiar, na criação de uma política preventiva de saúde visual, auditiva, odontológica, psicológica e nutricional. Ao mesmo tempo em que o jovem se beneficia dos aspectos preventivos e de promoção da Saúde, a criança e o jovem se tornam vetores de promoção de Saúde para toda a família. Vários estudos demonstram ser essa uma estratégia muito eficiente para a promoção da Saúde das famílias. 

A relação com a Ciência e Tecnologia é evidente, seja na formação de professores para a área de Ciências, ou para a criação de espaços de Ciência e Cultura para turno oposto ao das aulas das escolas, como por exemplo um planetário, museus de Ciências, História, Antropologia. As deficiências em nosso ensino de Ciências devem estimular uma ação concatenada entre a Educação Básica e as universidades. O Programa de Iniciação à Docência (PIBID) e o programa de Residência Pedagógica das universidades têm apresentado bons resultados na formação de novos professores e na discussão de novas metodologias nas escolas. O uso de tecnologias educacionais, internet, novas formas de interatividade propiciadas por esse mundo virtual são essenciais para ampliar ainda mais os espaços e tempo educativos.

Essa concepção de Educação Integral, num contexto de uma Sociedade do Conhecimento cuja força econômica motriz é a Ciência, a tecnologia e a Cultura, deve estar inserida numa política sistêmica que construa um futuro diferente do presente de crise econômica, política e sanitária. Não é possível pensar em uma Educação mais inclusiva ou voltada para as indústrias criativas sem ter uma política de renda mínima universal para todos, sem um investimento público maior em Saúde, Educação, Assistência, Seguridade Social, Cultura, e essas novas prioridades pressupõem uma transformação na estrutura tributária e nos fundamentos do Estado. A pandemia não criou uma crise sistêmica do capitalismo, que se arrasta desde 2008, ela aprofundou sobremaneira essa crise e deixou mais em relevo a necessidade de se ter mais Estado, mais políticas Sociais. Essa crise deixou mais explícito que a Economia não se autorregula, que a Sociedade deve ser forte e mudar as prioridades da riqueza, e que a riqueza não deve ser concentrada em tão poucos. Como disse Paulo Freire, “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.


*Doutor em Educação e professor da UFBA

Classificação Indicativa: Livre

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