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Venda das refinarias e irracionalidade econômica

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Bnews - Divulgação venda, refinarias, irracionalidade econômica

Publicado em 08/07/2020, às 16h18   Claudiane de Jesus e André Garcez Ghirardi*


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A crise sanitária ocasionada pela pandemia do Covid-19 tem efeito tão amplo por todos os ramos de atividade que se torna uma explicação plausível mesmo para fatos que, em circunstâncias normais, causariam estranheza, quando não contestação. Na recente conferência para divulgação dos resultados do primeiro trimestre de 2020¹ , o presidente da Petrobras referiu-se à pandemia como motivo adicional para acelerar ainda mais o programa de venda de ativos que a companhia tem executado de forma agressiva. Na semana passada o Presidente do Senado fez um alerta ao Supremo Tribunal Federal sobre a tentativa da Petrobras criar um procedimento de desinvestimentos que dispensaria o aval do Congresso Nacional. Esse programa de venda de ativos que pertencem ao Estado brasileiro inclui oito refinarias, inclusive a refinaria Landulpho Alves (RLAM) na Bahia. A pandemia teve sim, e continua tendo, efeitos sobre todos os negócios, inclusive os da Petrobras. Mas isso não justifica a venda de ativos estratégicos da companhia. Vejamos alguns fatos.

Embora seja agravada pela pandemia, a crise mundial dos preços do petróleo não foi causada pelo covid-19. Há muitos anos o mercado mundial convive com excesso de petróleo ofertado. É uma situação causada principalmente pelo rápido aumento da produção de petróleo não-convencional nos EUA. Há dez anos a produção diária desse petróleo não chegava a um milhão de barris por dia. Ao final de 2014 já estava em 5 milhões de barris e atualmente é da ordem de 8 milhões de barris. O avanço dos EUA no mercado mundial levou a uma guerra comercial entre os grandes produtores, o que fez despencar o preço do barril de petróleo de 120 dólares em junho de 2014 para menos de 50 dólares em dezembro daquele ano. E continuou a cair, chegando a menos de 30 dólares em janeiro de 2016. A queda só parou com um acordo entre os grandes produtores, chamado de acordo OPEP+, ao final de 2016. Enquanto esse acordo foi renovado, o preço do barril se estabilizou em torno de 60 dólares. Ocorre que no início de 2020 não houve consenso para renovação, o que levou o preço a despencar abaixo de 20 dólares em março. Ao final de abril foi negociado novo acordo, e o preço do barril está estabilizado em torno dos 40 dólares. Sim, é claro que a queda de demanda causada pela pandemia, contribui para manter baixos os preços. Mas, definitivamente, a crise de excesso de oferta no mercado de petróleo é muito anterior ao covid-19.

As formas como essa turbulência afetou a Petrobras ficam evidentes no resultado da companhia no primeiro trimestre de 2020. Por um lado, não houve impacto sobre o volume de produção e vendas da companhia. A queda de preços só ocorreu em março, e a crise do covid-19 ainda não tinha se instalado com força no Brasil. A empresa apresentou resultados operacionais elogiados pelos analistas: aumento anual de 17% na produção de petróleo e de 36% na geração operacional de caixa.O volume exportado de óleo combustível (diesel, bunker, etc) aumentou 50% em comparação a 2019. Por outro lado, a queda dos preços, ainda que no final do período teve grande impacto sobre a posição patrimonial da companhia, que é avaliada a preços de mercado correntes. Houve baixa contábil de vários ativos de produção, no valor de R$ 65,3 bilhões, o que levou ao maior prejuízo já registrado pela companhia, R$ 48,5 bilhões. Ou seja, apesar do resultado contábil negativo, há consenso de que é sólida a posição da companhia, e a maioria dos analistas recomenda compra das ações da Petrobras².  

Até o momento não se vê, no efeito da pandemia, nada que justifique a aceleração da venda do patrimônio da Petrobras. Muito menos das refinarias. Pelo contrário, a venda das refinarias como estratégia de redução de endividamento é uma ação claramente danosa aos interesses da Petrobras por dois motivos econômicos: desintegração vertical e perda de posição dominante no mercado brasileiro de refino. Para se defender das oscilações de preços do petróleo, é importante atuar tanto no segmento de produção de petróleo quanto no segmento de refino. É o que se chama integração vertical da companhia. Todas as grandes companhias de petróleo são verticalmente integradas. Dessa forma, quando o preço do petróleo está alto, a companhia se beneficia das margens na produção; quando o preço do petróleo cai, a companhia se beneficia das margens do refino. As companhias desintegradas (em geral companhias menores) são mais vulneráveis às oscilações do preço do petróleo. Portanto, ao vender as refinarias, a direção da Petrobras está desintegrando a empresa, e agindo contra o interesse estratégico da companhia.

Além disso, a venda das refinarias contraria a lógica de negócio ao abrir mão de posição dominante no mercado, uma condição privilegiada e que, usualmente, só é cedida por força de lei. Isso não é exclusivo do mercado de petróleo, basta ver a posição dominante de companhias como Amazon, Facebook, e Google. Nenhuma delas está cedendo mercado voluntariamente. A Petrobras tem posição dominante no mercado de refino do Brasil, um país com dimensões continentais (e, portanto, com um mercado de dimensões continentais). Ao vender a RLAM e as outras refinarias, a direção da companhia está cedendo espontaneamente a posição dominante, o que também é prejudicial à Petrobras. A crise do covid-19 certamente tem e terá efeitos importantes para todos os negócios, inclusive o negócio de petróleo. Mas não oferece aos membros da direção nenhuma justificativa para agir contra o interesse da companhia.

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¹ Petrobras – Áudio da teleconferência. Em: https://www.investidorpetrobras.com.br/resultados-e-comunicados/central-de-resultados/#2018 
² Rizério, Lara - Não se engane pelo estrondoso prejuízo de R$ 48,5 bi. Infomoney. Em 15 de maio de 2020. Em: https://www.infomoney.com.br/mercados/nao-se-engane-pelo-estrondoso-prejuizo-de-r-485-bi-resultado-da-petrobras-foi-muito-positivo-dizem-analistas/

* Claudiane de Jesus - Graduanda em Economia e pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC), da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

* André Garcez Ghirardi - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais da Universidade Federal da Bahia Professor (NEC/UFBA).  Mestre em Technology and Policy pelo Massachusetts Institute of Technology. Doutor pelo Energy and Resources Program da University of California Berkeley (1983). Mestre em Technology and Policy pelo Massachusetts Institute of Technology. Professor da Faculdade de Economia da UFBA

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