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Na arena, o pão e circo em meio ao coronavírus

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Cogitar utilizar a Arena Fonte Nova com um hospital de campanha para o retorno do futebol foi algo extremamente irreal  |   Bnews - Divulgação Reprodução

Publicado em 13/07/2020, às 08h56   Victor Pinto


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Virou uma tática, só assim posso opinar, trazer, a todo custo, o retorno do futebol enquanto estamos no platô ou no pico da pandemia do novo coronavírus no Brasil. Estamos cercados de polêmicas por todos os lados sobre o assunto. 

Enquanto sanitaristas e especialistas opinam sobre empurrar a eleição mais pra frente, inclusive com movimento jurídico dentro do Congresso para que isso ocorresse, tirando, de certo modo, a rigidez necessária da nossa norma constitucional, os cartolas, os empresários ou até mesmo os anunciantes de cotas pagas querem a bola rolando no Brasil. Bolsonaro também quis em um momento mais crítico do que esse. 

Panem et circenses, no original em Latim: pão e circo. A velha e boa tática dos romanos desde quando o mundo é mundo é utilizada de novo na jogada. Colocar o povo para se entreter e esquecer dos problemas reais aos quais ainda vivenciamos. 

Utilizar da arena, literalmente, não é de agora. No tempo do império romano, rico, em meio as mazelas dos pobres, nas grandes áreas eram postos espetáculos envolvendo gladiadores, animais ferozes, corridas de bigas, quadrigas, acrobacias, bandas, espetáculos com palhaços, artistas de teatro e corridas de cavalo. A população esquecia dos problemas e ia ao delírio. O futebol pode ser abarcado nessa vertente em tempos atuais. 

A Copa do Nordeste voltará com suas partidas finais da primeira fase. Salvador e outras cidades baianas foram escolhidas como sedes do certame. Garantem um protocolo rígido para jogos só com jogadores e aparato técnico essencial. Sem público. Até aí, tudo bem, mas cogitar utilizar a Arena Fonte Nova para tal foi algo extremamente irreal. Ali funciona um dos hospitais de Campanha do governo do Estado com pacientes com Covid-19. 

Não seria, em tese, ilegal - há controvérsias quanto a isso -, mas extremamente imoral e desumana a utilização do campo. No mesmo local, um pouco mais acima, na área do lounge, há pessoas convalescendo com o maldito vírus, em leitos de UTI. Pessoas que chegam até a falecer. Onde vai o limite do respeito humano para aqueles que defendem a utilização do espaço, como membros do primeiro escalão do Palácio de Ondina e interessados na área comercial? 

O governador Rui Costa (PT), que busca ter o lastro popular, creio, para poder tomar sua decisão definitiva com maior envergadura, a priori, não liberou o espaço. Atitude correta! É sabido o quanto o petista tem sido pressionado por setores econômicos para a retomada do espaço, mas a fala do governador em entrevista recente merece destaque: “Não me agrada ter jogo no gramado e gente na UTI, na ala de cima, e pessoas, eventualmente, indo a óbito”.

A Federação recuou diante da situação e antes mesmo de uma ação final por parte do Estado, avisou que não mais utilizaria a Arena. Mas esse fato não deveria ter sido nem considerado enquanto uma unidade hospitalar especial ali funcionasse. 

O Brasil não chegou ao nível da Europa ao ponto de retomar o futebol. Os países europeus já conseguiram fazer um controle considerável e ainda assim foi alvo de protestos de autoridades da área de saúde e dos próprios jogadores. Não vamos longe: horas antes da final da Taça Rio, no Rio de Janeiro, no Maracanã, duas pessoas morreram no hospital de campanha ali instalado na área do estacionamento. Pelo futebol vale o desrespeito ao luto? A banalização da morte diante de tantos que já faleceram por causa do coronavírus? É um pão amassado pelo diabo e um circo do horrores.

* Victor Pinto é jornalista formado pela Ufba, especialista em gestão de empresas em radiodifusão e estudante de Direito da Ucsal. É editor do BNews e coordenador de programação da Rádio Excelsior da Bahia. Atua em outros veículos e com consultoria. Twitter: @victordojornal

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