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A crise internacional e os novos caminhos da política fiscal

Imagem A crise internacional e os novos caminhos da política fiscal
Bnews - Divulgação

Publicado em 14/07/2020, às 22h51   Cairo Andrade e Victor Andreoni*


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Chegamos a julho de 2020, a crise causada pelo Covid-19 perdura, e as previsões ainda são construídas em cima de muitas incertezas. A pandemia teve um impacto mais negativo do que o previsto na atividade global no primeiro semestre do ano, contribuindo para uma projeção, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), de - 4,9% para o crescimento do PIB de 2020, 1,9 pontos percentuais inferiores do que foi conjecturado em abril. Com um impacto maior do que o esperado no ano, as apostas para uma recuperação em 2021 aumentaram, sendo projetado em um crescimento do PIB global de 5,4%, ressaltando que este número é 6,5 pontos percentuais mais baixos do que fora projetado antes da pandemia.

Dentro desse cenário, podemos observar, com base no relatório de junho do FMI (World Economic Outlook Update, June 2020), os números esperados de algumas das economias globais e seus impactos na conjuntura mundial. Para as economias avançadas, temos uma redução do crescimento de - 8% em 2020 e uma retomada de 4,8% para 2021; dentro dessa categoria, os principais afetados no ano atual foram os países da zona do Euro, como Itália (-12,8%), Espanha (-12,8%) e França (-12,5%), e outros dois exemplos são EUA (-8,0%) e Japão (-5,8%); quanto aos países europeus citados, o principal dano sofrido é no setor de turismo, já que são grandes destinos mundiais e a pandemia exige uma redução da circulação de pessoas e viagens. Já quando olhamos para as economias emergentes e em desenvolvimento, temos uma estimativa de redução do crescimento em - 3% para 2020 e uma recuperação de 5,9% em 2021, onde os países que mais contribuíram negativamente para 2020 foram os latino-americanos, principalmente México (-10,5%) e Brasil (-9,1%), tendo como outros exemplos África do Sul (-8,0%), Rússia (-6,6%). Esses países, como Brasil, não implementaram medidas mais incisivas contra a COVID-19, são países que sofreram grande impacto da oscilação dos preços das commodities no primeiro semestre, principalmente petróleo.

A queda da atividade econômica global durante o primeiro semestre de 2020 exigiram dos países uma reorientação das políticas fiscal e monetária no sentido de torna-las contracíclicas, promovendo a expansão da dívida pública de diversos países. As políticas, de transferência direta de renda para a população mais vulnerável, de facilitação de crédito financeiro para pequenas e média empresas, de redução de impostos, reverberaram na pauta política das grandes economias e também de instituições supranacionais como FMI e Banco Mundial. Segundo os dados apresentados pela agência de riscos Fitch Ratings, até agora, as 20 maiores economias proporcionaram um apoio fiscal de US$ 5 trilhões.

A Alemanha, por exemplo, anunciou no mês de junho um pacote de 130 bilhões de Euros com o objetivo de estimular a economia. Dentre as medidas de estímulo destacam-se:

a) Dobrar o subsídio máximo para despesas de pesquisa e desenvolvimento, para 1 milhão de euros por ano, entre o período de 2020 à 2025.

b)  Redução na taxa padrão do imposto sobre valor agregado de 19% para 16%, no período de 1º de julho a 31 de dezembro de 2020.

c) Em março o governo dos EUA aprovou no senado um pacote de estímulo fiscal e monetário buscando conter a crise, com o montante de US$ 350 bilhões para empréstimos à pequenas empresas, US$ 250 bilhões para auxílio-desemprego e ao menos US$ 100 bilhões para hospitais e sistemas de saúde relacionados. 

d) O Reino Unido também anunciou no mês de junho um pacote de estímulos fiscais visando enfrentar os efeitos da pandemia, reduzindo a taxa do imposto sobre valor agregado (IVA) de 20% para 5%, entre 15 de julho de 2020 a 12 de janeiro de 2021.

Ao mesmo tempo, diante do cenário de elevados déficits fiscais, emerge o debate sobre quais as políticas tributárias podem ser utilizadas para enfrentar o rombo nas contas públicas. Uma das alternativas que vem sendo discutida é o aumento da tributação sobre as grandes empresas multinacionais. No Reino Unido, mais de 50% das subsidiárias de multinacionais estrangeiras atualmente não contabilizam lucros tributáveis, segundo estudo de 2019 da pesquisadora Katarzyna Bilicka, da Universidade de Oxford. Nos EUA, 91 empresas da lista Fortune 500, entre as quais Amazon, Chevron e IBM, pagaram uma taxa efetiva zero em impostos federais em 2018.

Uma das estratégias utilizadas pelas multinacionais para escapar da carga tributária acontece através de empréstimos intercompanhias, ou seja, a multinacional sediada num país com elevada carga tributaria (X) solicita um empréstimo a uma de suas filiais instaladas num país com menor carga tributaria (Y). Vale salientar que os empréstimos são solicitados sem que haja a necessidade do dinheiro. Assim, o pagamento dos juros do empréstimo vira um custo para a empresa sediada em X, reduzindo o seu lucro e, por conseguinte, culmina numa menor taxação de imposto. Por outro lado, a empresa sediada no país Y recebe o pagamento dos juros e contabiliza no seu fluxo de caixa pagando uma taxa de tributação menor. 

Atualmente, a OCDE está elaborando algumas propostas que visam abordar de maneira eficaz os desafios tributários decorrentes da transformação digital e que incluem a introdução de uma taxa tributária efetiva global mínima, revisando as regras existentes que dividem entre jurisdições o direito de tributar a receita de empresas multinacionais. A ideia consiste na elaboração de regras acordadas internacionalmente para empresas digitais, a fim de combater a evasão fiscal de maneira mais eficaz. No entanto, no mês de junho o governo dos EUA retirou-se das negociações internacionais sobre impostos digitais alegando que a proposta é contrária aos interesses do país.

Dentro desse contexto, a fuga de capitais segue sendo um grande problema para os países emergentes, tendo o Brasil como um dos principais afetados. Com o avanço da crise, a aversão ao risco tem aumentado e os agentes buscam destinos mais seguros para alocar seus capitais, lê-se “países centrais”, onde existem moedas mais fortes, um sistema institucional mais robusto e maior capacidade de reagir à pandemia. Quando olhamos para esse fenômeno no Brasil, vemos que, de janeiro à maio deste ano, ocorreu aproximadamente uma redução de US$ 11,06 bilhões em investimento direto no país (IDP) quando comparado ao mesmo período do ano anterior, saindo de US$ 31,66 bilhões para US$ 20,59 bilhões, uma queda de -19,59%. Vale salientar que o Brasil passa também por uma crise política e apresenta uma postura de negação e negligência em relação ao combate à pandemia por parte do governo federal (fatos que aumentam mais ainda o risco de investir no país).

As projeções negativas para a economia global provenientes da crise da COVID-19 abriram um alerta para o eminente retrocesso do processo de redução da pobreza extrema no mundo, afetando negativamente principalmente a vida da população de baixa renda situada nas economias periféricas. Isto porque, a queda da atividade econômica global resultou no aumento do desemprego em todo o mundo, contudo, nos países onde parte considerável do mercado de trabalho é formada por trabalhadores informais, ou seja, sem nenhum tipo de seguridade trabalhista, os impactos na renda da população são mais agudos.

A crise atual deixa em evidência a essencialidade do papel do Estado no combate à crise sanitária e também como ator essencial para proteger o emprego e estimular a recuperação econômica. Como reconhece o próprio FMI, a política fiscal deve proteger as pessoas, estabilizar a demanda e facilitar a recuperação. Ou seja, o discurso de que o Estado/Governo não tem “dinheiro”e que não pode “gastar mais do que arrecada”, perdeu todo sentido, dado que os governos no mundo inteiro estão tendo que gastar para proteger, acima de tudo, a vida. 

*Cairo Andrade - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrando em Economia na Faculdade de Economia da UFBA. Graduado em Economia na Faculdade de Economia da UFBA.

*Victor Andreoni - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduando em Economia na Faculdade de Economia da UFBA.

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