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Em meio à crise sanitária, bancos públicos pedem olhar especial

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Bnews - Divulgação

Publicado em 22/07/2020, às 22h00   Carolina Reitermajer e Thiago Bartolomeu*


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Os bancos públicos do Brasil são os únicos a darem crédito às pequenas empresas na pandemia do novo coronavírus. Isto fez com que ressurgisse a discussão da importância dos bancos públicos federais nas últimas semanas. A nossa contribuição para esse debate é, em primeiro lugar, voltar à crise financeira internacional de 2008 para demonstrar a importância dos bancos públicos brasileiros na ultrapassagem dos efeitos imediatos nos anos que a sucederam, majoritariamente via a adoção de linhas de créditos à habitação e à infraestrutura. Em segundo plano, este artigo discute a reconfiguração dos modelos de negócio desses bancos nos últimos anos, adaptando-se a modos de atuação voltados ao mercado e as políticas públicas de austeridade fiscal. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal (CEF) estão, atualmente, menos capazes, política e estruturalmente, de fazer frente à crise atual do que comparado com as atuações destes mesmos bancos no combate aos efeitos da crise de 2008 no Brasil. Portanto, o objetivo desse artigo é demonstrar que, sim, os bancos públicos são essenciais em um país, porém, no Brasil há limitações no seio ideológico da classe política que impedem um maior protagonismo dos bancos federais tanto no enfrentamento do coronavírus, quanto em possíveis projetos de desenvolvimento econômico.

A crise financeira internacional de 2008 emergiu, inicialmente, nos EUA, e é considerada a pior crise financeira desde a Grande Depressão de 1929. O contágio da crise financeira à economia real se deu, sobretudo, pelo congelamento do crédito comercial internacional que resultou no colapso de exportações e importações por todo mundo. No caso do Brasil, esta crise chegou, no curto prazo, com forte contração do crédito, com o preço das commodities caindo e, com a alta saída de capitais estrangeiros em que resultou na desvalorização do real em relação ao dólar. No entanto, os efeitos dessa crise global na economia brasileira foram mitigados devido à atuação dos bancos públicos brasileiros no período posterior, sendo suficiente para manter a taxa de crescimento econômico do Brasil.

Essa mitigação se deve, principalmente, à adoção de políticas consideradas “anticíclicas” nos anos que sucederam a crise. Os três principais bancos públicos adotaram medidas, como a criação de linhas de crédito focadas na habitação – criação do Minha Casa Minha Vida em 2009, protagonizado pela Caixa Econômica Federal, além da disponibilização dos créditos imobiliário e infraestrutura pelo Banco do Brasil. Essas linhas de crédito só foram viáveis graças à parceria com o BNDES, que minimizaram os problemas enfrentados pelas empresas brasileiras em decorrência da crise e estimularam a atividade econômica. A expansão das atividades dos bancos públicos brasileiros nos meses subsequentes à crise econômica global pôde ser vista através do aumento da participação dos bancos públicos na economia na época, principalmente no que diz respeito ao crédito. Entre setembro de 2008 e setembro de 2009, a carteira de crédito dos três principais bancos públicos teve um crescimento de 33%.

No atual cenário de crise, os bancos públicos brasileiros, apesar de desempenharem um papel importante, não se mostram tão capazes de abrandar os seus efeitos negativos quanto no período após a crise de 2008. Isso se deve a algumas mudanças políticas, ideológicas e econômicas. A partir de 2014, a desaceleração do crescimento econômico brasileiro começa a ser latente e os discursos políticos a favor da austeridade fiscal e do corte de gastos fez com que acelerasse a transformação dos modelos de negócio dos bancos públicos. Assim, os bancos públicos, principalmente os dois comerciais, CEF e BB, não pararam de bater recordes de lucratividade, lucro da CEF, por exemplo, cresceu 103% em 2019 em relação ao ano anterior, enquanto que o lucro do BB cresceu 32,1%. A mudança nos modelos de negócio dessas instituições levou ao favorecimento do crédito de menor risco, ou seja, o crédito que possui menor prazo e que é direcionado ao consumo. Os bancos públicos voltaram suas atenções, portanto, para o crédito as pessoas físicas, predominantemente, e para intermediação ao mercado financeiro.

Além disso, o BNDES, que é o principal provedor de crédito para investimento produtivo e de longo prazo no país, não mostra ser totalmente capaz de suavizar os efeitos da crise pandêmica pela qual o país passa hoje. Essa incapacidade se dá em parte devido as mudanças ocorridas no modelo de gestão desse banco ao longo dos últimos anos, em particular à adoção de uma nova taxa de juros, chamada de TLP, ou Taxa de Longo Prazo. Essa nova forma de cálculo da taxa de juros, além de tornar o crédito do BNDES mais “caro” para o tomador de empréstimos – o que prejudica principalmente empresas de pequeno e médio porte – faz com que as taxas de juros dos empréstimos do Banco acompanhem o movimento da taxa de juros do resto do mercado, o que força o BNDES a atuar de forma “procíclica”, ou seja, oposta à sua atuação durante a crise de 2008, forçando o banco a se comportar de forma similar ao resto do mercado.

A Grande Recessão de 2008 destacou a importância do setor bancário público para o funcionamento da economia. A crise econômica pela qual o Brasil passa desde 2014 tem sido aprofundada pela crise pandêmica internacional. Como foi visto, os bancos públicos do país foram os únicos a prover crédito para as pequenas-empresas nessa crise sanitária. Apesar da reconhecida notoriedade nas últimas semanas e por confirmarem que são a exceção à regra, os bancos públicos no Brasil estão alinhando, ano após ano, seus modelos de negócio as práticas realizadas no setor privado. A importância dos bancos públicos se pode dar em vários aspectos, dentre eles, regulador de mercado e promotor de políticas públicas desenvolvimentistas. Para que os bancos públicos possam desempenhar melhor essas funções, é necessário que estes parem de ser meros provedores de lucro ao Tesouro e, portanto, reformulem seus modelos de negócio para desempenhar políticas públicas mais efetivas e duradouras.

*Carolina Reitermajer - Pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduanda em Economia na Faculdade de Economia da UFBA.

*Thiago Bartolomeu - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduando em Economia na Faculdade de Economia da UFBA.

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