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Paulo Guedes não gosta dos livros

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Publicado em 17/08/2020, às 07h15   Victor Pinto


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Eu sou adepto da campanha ‘Defenda o Livro’ que ganhou as redes sociais nos últimos tempos. A medida anunciada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de querer taxar em impostos 13% das publicações literárias brasileiras mostra, mais uma vez, as vísceras de um governo que quer, pelo visto, afastar, de alguma forma, o acesso do povo ao conhecimento/cultura. 

A não taxação de imposto sobre livros, por exemplo, é uma cláusula pétrea constitucional. Veio desde a década de 40, quando Jorge Amado a inseriu na Constituição de 46 e foi conseguida a sua manutenção com a CF de 88 e, recentemente, o STF pacificou o mesmo tema em extensão interpretativa que se aplica a livro digitais. Está lá no artigo 150. A leitura é simples e, da mesma forma, a interpretação. Engraçado: no mesmo bojo garantidor das imunidades dos templos religiosos que movimentam milhares e milhões com dízimos e ofertas.

Apesar da isenção do imposto como regra da CF, uma brecha pode incidir tributos de contribuição como o PIS e Cofins. E essa é a forma de Guedes em implementar a senha arrecadadora. Acredita ele que livro é artigo de luxo, quem o compra é rico e pode pagar mais por ele, e os livros podem ser distribuídos aos pobres. 

Isso não pode ser uma moeda. Isso já faz parte do processo educacional dos colégios públicos brasileiros. Pelo menos em meu tempo de estudante de escola pública era. 

Luiz Schwarcz, editor da Companhia das Letras, em recente artigo na Folha mostrou que a política de aproximação do livro à base da pirâmide brasileira foi graças a Fernando Henrique Cardoso e Lula. Destacou que a classe C começa a ser um consumidor desse mercado. E ainda escreveu em tom crítico a Guedes: “O raciocínio que estamos examinando é o seguinte: se os pobres não leem, os ricos que paguem mais. Mas o que não entra no vosso cálculo, senhor ministro e senhor tributarista, é que os pobres querem ler. A doméstica que gostaria de ter ido à Disney e infelizmente não ganha o suficiente para ir quer ler. E todos os que querem têm direito de escolher o que ler”.

Você pode se perguntar: ah, mas quem lucra com isso são só escritores e editoras. Pois bem, mas esse mercado já tem buscado se viabilizar há tempos em meio à cultura inútil formada por imbecilidades propaladas com o advento das redes sociais. O mercado editorial é vítima da inflação. Mesmo assim, eu acho o livro caro no Brasil, mas aumentar seu valor piorará ainda mais a situação. 

Essas ações bolsonaristas contra a cultura e, especificamente, contra a literatura, me parecem ir em uma lógica de afastamento do povo, principalmente dos menos favorecidos, dos conteúdos editoriais. Me remete a Fahrenheit 451, romance de Ray Bradbury, publicado pela primeira vez em 1953. É um ódio exacerbado contra livros. Essa obra, que já citei outras vezes em outros artigos, também é filme. O primeiro de 1966, do genial François Truffaut e, recentemente, de 2018, de Ramin Bahrani. Vale a pena conhecer o enredo. 

No livro, em uma sociedade atemporal, o corpo de bombeiros do regime ditatorial em questão não apaga incêndios, mas coloca fogo nas obras encontradas. É um crime ler. É crime colocar o povo para pensar como a sociologia e a filosofia nos provoca. 

Eu sou um apaixonado pela leitura. Ainda tenho o prazer de pegar um livro e lê-lo folheando suas páginas. Sou antigo. Ainda não me adaptei ao digital. Por gostar muito da leitura, claro, poderia sim pagar mais caro em um livro, mas penso não só no meu umbigo. Penso na coletividade. Na visão de Guedes, pelo que entendi, quem tem condições pode ler o que quiser, mas quem não tem, só pode ler aquilo que o governo distribuirá?

Classificação Indicativa: Livre

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