Economia & Mercado

Fartura de petróleo na economia de lockdown

Arquivo Pessoal
Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 19/08/2020, às 18h16   Lucas Valladares*


FacebookTwitterWhatsApp

Uma crise econômica de escala global surgiu diante de nossos olhos, é dever desse texto identificá-las. O colapso recente do mercado de petróleo é um sintoma da economia mundial enfraquecida, seja por motivos da pandemia do coronavírus ou não.

O preço do barril de Brent (petróleo de referência) teve uma queda de cerca de 75% nos últimos dias do primeiro trimestre de 2020: de US$ 70 por barril no início de janeiro, para menos de US$ 15 no final de março e abril. Esses preços são os mais baixos vistos nas últimas duas décadas, e estão muito abaixo dos valores mínimos que tornam economicamente viável a produção de petróleo não-convencional nos EUA e na maioria dos outros países produtores.

Atualmente o excesso de oferta em comparação à demanda mundial de petróleo bruto é da ordem de 10 milhões de barris por dia (mb/d), segundo dados da U.S. Energy Information Administration (EIA).  A retração econômica causada pela pandemia de coronavírus reduziu consideravelmente o consumo de petróleo em todo o mundo, mas essa fartura no mercado mundial de petróleo não é nova, o excesso de oferta existe há pelo menos seis anos. 

A produção diária de petróleo não-convencional dos EUA cresceu da faixa de 1 milhão de barris em novembro 2010, para quase 5 milhões em março de 2014. Integrado a isso, em dezembro de 2015, os Estados Unidos suspenderam o banimento a exportação de petróleo bruto instituído em 1975, permitindo o escoamento da sua produção interna para o mercado mundial. 

Em 2014, reagindo a crescente da produção dos EUA, os sauditas resolvem também elevar sua extração de petróleo bruto para derrubar os preços. O preço do barril caiu de US$ 125 em 2012 para menos de US$ 30, em janeiro de 2016. Desde dezembro de 2016, com a intenção de amenizar o excesso de oferta e estabilizar o preço do barril de petróleo, a Arábia Saudita articula acordos com países membros da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e também com não-membros, incluindo a Rússia, bloco que é então chamado de OPEP+.

Inicialmente a OPEP+ concordou em reduzir a sua produção de petróleo em 1,2 mb/d por 6 meses, começando em janeiro de 2017, a Arábia Saudita concedeu limitar sua produção para o máximo de 10 milhões barris por dia. Outros países não-membros da OPEP também aderiram aos cortes, com um adicional de 558 mil barris por dia. Esse grupo envolve países que bombeiam, mais de 40% do petróleo mundial, mas excluiu importantes produtores como Canadá, Noruega, Brasil e principalmente os EUA.

Portanto, a recente queda do preço do barril também está atrelada a não renovação desse pacto no dia 6 de março de 2020, que terminou sem acordo sobre os níveis de produção em meio expectativas do mercado de declínio do crescimento da demanda global de petróleo para o resto de 2020, frente a desaceleração causada pela crise do COVID-19. 

Embora a OPEP+ tenha ajudado os preços globais de petróleo a se recuperarem, com a reiteração do acordo com a Rússia, em abril, ainda existe um grande desafio: o grande estoque de petróleo que se acumulou com a queda da demanda durante a pandemia. A quantidade estocada é substancial, em maio os estoques da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) cresceram, pelo quarto mês consecutivo, em 9,7 milhões de barris. Hoje o estoque total é de 1,59 bilhões de barris, 95,7 milhões a mais que no mesmo período do ano passado e 90,8 acima da média dos últimos 5 anos, segundo dados da EIA.

Por sua vez, a produção de petróleo não-convencional é muito sensível aos preços. Quando os preços do petróleo se recuperarem, a atividade deve voltar rapidamente a subir, já que não há perda de equipamentos na produção física. No total, os produtores norte-americanos tem 498 sondas ociosas, eram 683 poços operantes em 13 de março, mas apenas 185 no começo de julho, segundo dados do OPEC Monthly Oil Market Report (MOMR). Portanto, foi observada uma queda de 2 milhões de barris por dia, nesse período. 

Embora o consumo tenda a aumentar no mundo pós-coronavírus, com a retomada da atividade econômica, enquanto os principais países produtores de petróleo não agirem coletivamente para estabilizar o mercado, a crise de preços continuará por anos com magnitudes variadas. Tendo em vista que, recentemente, as condições do mercado, com demanda normal, inclinaram-no a operar com sobreoferta de 2 mb/d no começo de 2016.

A história moderna do petróleo sempre foi associada a forças e intervenções políticas. A estabilidade do mercado de petróleo é essencial para o crescimento econômico do mundo, mas necessita de cooperação para firmeza na oferta e demanda, que por sua vez depende do jogo internacional entre nações, que buscam o petróleo para segurança nacional e projeção de poder. 
De outra forma a guerra e tensões de preços devem continuar por tempo indefinido, os acordos OPEP+, e a recente retomada das sansões dos EUA ao Irã, Venezuela e petroleiras russas são evidência disso. 

No entanto, o que isso significa é que devemos ver o preço do petróleo abaixo dos US$ 40, especialmente se o ressurgimento do vírus não for contido, juntamente com o fato de que muitos comerciantes de petróleo estão observando os números de inventário e a variação da demanda esperada de petróleo bruto com cautela.

* Lucas Valladares - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia da UFBA. Graduando em Economia pela Faculdade de Economia da UFBA.

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp