Economia & Mercado

Impacto Setorial da Crise do Coronavírus: Resultados da Indústria e Serviços no segundo trimestre

Arquivo Pessoal
Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 10/09/2020, às 16h21   Yuri Dantas*


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A crise sanitária enfrentada este ano apresenta uma certeza do ponto de vista econômico para o Brasil: o PIB cairá em decorrência da interrupção das atividades. Esse fato é corroborado quando se analisa as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) e agências de rating do mercado financeiro. Apesar deste ser um acontecimento que será presenciado pelos países de um modo geral, o Brasil se encontra em uma situação mais delicada. Com a economia prejudicada desde a crise de 2015, as expectativas de recuperação foram por água abaixo com o surgimento do Covid-19. Assim, os problemas estruturais de nossa economia, como a baixa qualificação de mão de obra, incorporação tecnológica comprometida, índice de investimento insatisfatório, dentre outros, afetarão ainda mais o desemprego e a participação dos níveis de atividade no PIB, como será visto mais adiante.

Com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a dinâmica oscilatória e truncada do PIB nos últimos anos pode se repetir no ano de 2020 em decorrência da pandemia. Com a sanção das medidas de isolamento e paralisação das atividades a partir da segundo quinzena de março, os resultados negativos já no primeiro trimestre eram esperados. Além disso, no setor industrial, comprometimento da importação de insumos para o segmento também influenciou no resultado. Destaca-se também o encerramento de contratos temporários, principalmente no setor de serviços. No primeiro trimestre de 2020, em comparação com o mesmo trimestre do ano anterior, o PIB apresentou queda de -0,3%. O PIB Industrial (-0,1%) e de Serviços (-0,5%) também registraram variações negativas. No segundo trimestre de 2020, os resultados são ainda mais desastrosos. Em comparação com o mesmo trimestre do ano anterior, o PIB apresentou queda de -11,4%. O PIB Industrial (-12,7%) e de Serviços (-11,2%) também registraram variações negativas.  Dessa forma, o desgaste do isolamento social e as medidas de flexibilização adotadas a partir de maio em alguns estados brasileiros deram fôlego para os setores – tendo o mês imediatamente anterior como base -, mas não chegando a recuperar os patamares do ano passado.

Analisando mais atentamente o desempenho do setor industrial durante os três primeiros meses de manutenção somente das atividades essenciais, abril foi o mês com a maior queda da taxa de variação mensal da produção física industrial, queda de -19,2% na comparação com o mês imediatamente anterior, captando o auge das medidas de contenção. Com a retomada gradual das atividades industriais com medidas sanitárias de segurança em alguns segmentos, os índices do setor apontaram que nos meses de maio e junho houve variações positivas de +8,2% e +8,9%, respectivamente. Contudo, isso ainda não representa recuperação em virtude da baixa base de comparação e retomada parcial das atividades industriais, o que acabou compensando parte do declínio dos meses anteriores. Apesar de rápido crescimento em um período curto de tempo, não é possível comemorar uma total recuperação do setor. Quando comparados os índices de produção industrial com períodos equivalentes de 2019, o resultado em abril de 2020 (-27,3%) é o menor registro no ano, refletindo o pico dos efeitos da quarentena no setor industrial. Nos meses de maio (-21,8%) e junho (-9,0%) as variações negativas se repetiram, mas foram decrescentes. 

A melhora nos indicadores industriais pode ser atribuída principalmente ao subsetor de fabricação de veículos automotores, que teve o seu desempenho positivo mais expressivo em maio em comparação com o mês imediatamente anterior, com alta de +244,4%, precedida por queda de -88,5% em abril e sucedida por crescimento de +70,0% em junho. Assim como os demais subsetores, as variações positivas registradas se dão pela retomada, mesmo que parcial, das atividades nas fábricas. Entretanto, em junho desse ano, comparando com o mês do ano anterior - com exceção da fabricação de produtos alimentícios, bebidas e fumos -, todos os subsetores apresentaram quedas. Assim, a melhora no desempenho dos setores industriais é presenciada no mês a mês, mas não alcançando os registros pré-coronavírus. 

A retomada das atividades industriais pode ser melhor contextualizada pelo índice de Utilização da Capacidade Instalada (UCI), que reflete quanto a indústria de transformação está aquecida, divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que apresentou uma queda significativa no mês de abril de 2020. A utilização no mês ficou em 67,0%, muito aquém da média histórica (79,6%). Apesar do aumento em maio (70,9%) e junho (71,8%), a queda é muito expressiva em abril devido às medidas de isolamento social para o enfrentamento da pandemia, o que dificulta a recuperação do setor. Em um comparativo com a crise de 2008-2009, percebe-se que a pandemia de 2020 foi mais danosa à UCI. Enquanto o ponto mais baixo em 2009 registrou 77% da utilização do parque industrial, em 2020, a utilização foi abaixo dos 70%, o que demonstra o cunho mais destrutivo da crise sanitária. A contínua utilização da capacidade instalada em níveis baixos não é um bom indício para os investimentos, isso porque máquinas e equipamentos atualmente ociosos deverão ser postos em funcionamento antes dos empresários pensarem em ampliar sua capacidade de produção. Assim, a falta de investimento compromete o desenvolvimento tecnológico da indústria brasileira, o que pode prejudicar sua competitividade no mercado interno e no setor externo, e tal comprometimento será ainda mais acentuado com os efeitos da pandemia.

Além do setor industrial ter sido significativamente afetado em um cenário econômico nacional em que não há uma demanda que estimule o uso da capacidade industrial ociosa, o setor de serviços, em geral, e o comércio, em particular, também foram fragilizados pelas medidas de isolamento social com preservação apenas das atividades essenciais a partir da segunda quinzena de março. Com base nas informações divulgadas mensalmente pela Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) e Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) do IBGE, o setor de serviços recuou em abril -11,7% em comparação com o mês de março. É o terceiro recuou consecutivo e o mais intenso na série histórica iniciada em janeiro de 2011. Nos três meses de retração, o setor acumula uma queda de -18,7%. Em fevereiro o setor já apresentava queda, mas de caráter conjuntural. 

Na comparação com o mês do ano anterior, o recuo foi de -17,1% em abril de 2020, o mais intenso da série histórica. A retração foi em quatro das cinco atividades pesquisadas neste indicador: transportes, serviços auxiliares aos transportes e correio (-21,2%), serviços prestados às famílias (-65,2%), serviços profissionais, administrativos e complementares (-17,3%) e serviços de informação e comunicação (-4,8%). Já o setor de outros serviços mostrou alta (+1,0%), atividade que inclui reparação e manutenção de equipamentos de informática, pessoais e domésticos, além de serviços pessoais como atividades funerárias. O setor de transportes, cuja queda foi iniciada em março, foi o mais impactado em abril. Além do transporte aéreo de passageiros e do rodoviário coletivo de passageiros, há quedas no transporte rodoviário de carga, operação de aeroportos, concessionários de rodovias e metroferroviário de passageiros.

No segundo trimestre de 2020, é possível apontar que o setor de Serviços avançou positivamente em junho, quando comparado ao mês de maio, interrompendo uma sequência de taxas negativas nos quatro meses anteriores, na esteira da adoção de medidas de flexibilização em vários estados. O setor, entretanto, já havia acumulado uma perda de -19,5%. Em junho, os cinco setores acompanharam o resultado positivo. Destaca-se os transportes, serviços auxiliares aos transportes e correio (+6,9%), com a inserção da modalidade “delivery” em vários ramos de negócio, além de serviços de informação e comunicação (+3,3%), estimulados pela comercialização e atendimento on-line, de modo que o setor de informação e comunicação foi um dos que menos sentiram o impacto da pandemia, por conta da facilidade em se realizar as atividades remotamente. 

Mesmo sendo um resultado positivo, o volume de serviços ficou 14,5% abaixo do patamar registrado em fevereiro de 2020. Quando comparado a junho de 2019, a queda é de -12,1%. Assim, ainda é cedo para afirmar que houve uma recuperação. Apesar de avançar 5% em junho, o semestre de serviços fechou com recuo de -8,3%, com queda em quatro das cinco atividades da pesquisa. Tal resultado é reflexo principalmente do fechamento dos estabelecimentos e queda nos serviços prestados às famílias (-35,2% no semestre) - influenciada pela retração nas receitas de restaurantes, hotéis, bufê e outros serviços de comida preparada.

O encerramento de atividade de vários estabelecimentos, principalmente aqueles ligados ao setor de Serviços, influencia no mercado de trabalho. De acordo com os dados divulgados na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), o segundo trimestre, na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior, registrou quedas no total de ocupados em quase todos os setores pesquisados, com exceção de administração pública (+2,1%). Os que mais apresentaram variações negativas foram serviço doméstico (-24,7%), alojamento e alimentação (-26,1%), construção (-19,4%) e indústria geral (-10,5%). 

As interpretações anteriores mostraram que os setores industrial e de serviços, apesar do retorno parcial das atividades, continuam com uma dinâmica engessada, longe de atingir os registros pré-isolamento social. Na indústria, além da interrupção das atividades, a suspensão da importação de insumos também impactou nos resultados do setor. Assim, nos dois primeiros trimestres do ano houve perda na participação da indústria (17,8%) no PIB geral, dando espaço para o setor de serviços (60,4%) que concentra grande parcela da mão de obra – segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), o setor de serviços e comércio empregou 76,2% da mão de obra formal em 2018 -, porém, menos qualificada e inserida em um setor mais sujeito à fragilidade diante da queda no consumo com a perda de vagas de trabalho. A queda na participação da indústria de transformação no PIB pode ser um indicador de um processo de desindustrialização enfrentado pelo Brasil que não ocorreu durante o período de pandemia, mas de uma mudança estrutural presente há mais de 20 anos. O que este período de isolamento social apontou, para nossa estrutura produtiva, é que estamos pautados em um setor volátil, com mão de obra pouco qualificada e baixo incremento tecnológico. Sem políticas industriais e incentivo à inovação, a tendência de dependência de estímulos ao consumo em um país em que se deteriora cada vez mais o poder de compra, não é a melhor das opções.

*Yuri Dantas - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da UFBA. Mestrando em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE/UFBA). Graduado em Economia pela UFBA.


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