Cidades

A UFBA: inclusiva e de qualidade

Arquivo Pessoal
Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 23/10/2020, às 16h48   Penildon Silva Filho*


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Segundo o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), em seu Relatório de Instituição de Ensino Superior (IES) da Universidade Federal da Bahia de 2019, os resultados das avaliações de cursos no último ano mantiveram a curva ascendente que experimentamos desde o Programa de Reestruturação das Universidades Federais Brasileiras (REUNI). Causa surpresa em muitos devido ao fato de que o orçamento das universidades cai em termos reais e em valores nominais desde 2017, durante os governos Temer e Bolsonaro, com a projeção de um corte de mais 18% no custeio e capital em 2021, e essa política deliberada de ataques e perseguições às universidades por parte do governo Bolsonaro objetiva justamente enfraquecê-la, desacreditá-la e diminuir sua legitimidade social. Um resultado tão positivo quanto o que observamos mostra a vitalidade de uma instituição que não se inibe em continuar trabalho com competência e dedicação mesmo em tempos de falta de recursos e de ataques governamentais.

O Relatório da IES é disponibilizado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), e apresenta os resultados da aplicação do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2019 e do Questionário do Estudante, sendo este último um instrumento para os concluintes de cada um dos cursos incluídos no referido exame responderem on-line na página do INEP. 
O Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) é um dos três elementos do SINAES, criado pela Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004. Ao lado do ENADE, ainda temos os processos de Avaliação de Cursos de Graduação e a Avaliação Institucional Regularmente os cursos têm seus alunos submetidos ao ENADE e recebendo visitas de especialistas do MEC para reconhecimento de cursos e renovação de reconhecimento de cursos. É importante salientar que em 2013, 44% dos cursos da instituição obtiveram as notas mais altas da avaliação, notas 4 ou 5, e em 2018 chegamos a 92% com essas notas. No ano passado, os alunos que fizeram o ENADE nos cursos da UFBA tiveram em 100% deles notas 4 ou 5.

Os cursos e as notas obtidas por seus alunos da UFBA foram as seguintes em Salvador: Fisioterapia – 5, Engenharia de Produção – 4,  Arquitetura e Urbanismo Diurno – 4, Zootecnia – 5; Engenharia da Computação – 4, Engenharia de Controle E Automação – 4, Arquitetura e Urbanismo Noturno – 4, Engenharia Civil – 4, Engenharia Elétrica – 4, Engenharia Mecânica – 4, Engenharia Química – 4, Engenharia Ambiental – 5, Enfermagem – 4, Farmácia – 4, Medicina – 4, Medicina Veterinária – 4, Nutrição - 5 Odontologia – 5, e Fonoaudiologia – 4. Os cursos de Enfermagem, Farmácia e Nutrição de Vitória da Conquista tiveram o três a nota máxima, 5, demonstrando a qualidade e afirmação do novo campus da UFBA naquela cidade. Em todos os cursos, as notas obtidas pelos cursos da UFBA foram bastante superiores às médias brasileiras de cada curso. Esse resultado se repetiu também nas duas dimensões que compõem essa avaliação, tanto a Formação Geral quanto no Componente de Conhecimento Específico.

Outros dados também são muito interessantes para analisar, como os dos perfis dos alunos. Em todos os cursos, a maioria dos alunos se identificam como “pretos” ou “pardos”, confirmando pesquisa anterior de que nas universidades federais a maioria dos alunos é negra. Esse dado indica que não somente a maioria é negra, como os mesmos percentuais que entram na Graduação conseguem se formar, tem sucesso acadêmico. Esse dado indica que as cotas também não provocaram uma diminuição no rendimento dos alunos, e que a instituição segue melhorando nas suas avaliações acompanhada por uma maior diversidade em seu quadro discente, o que nos permite concluir que a política de ação afirmativa das cotas foi extremamente exitosa, pois conseguiu garantir inclusão social e ao mesmo tempo qualidade acadêmica. Entretanto ainda precisamos avançar nesses números para que o alunado da UFBA reflita a composição étnica racial das regiões em que estamos.

Quando analisamos os dados sobre a renda das famílias dos alunos, observamos uma mudança em relação ao quadro de antes do REUNI. Quase todos os cursos tem mais alunos das faixas mais baixas de renda, na categoria até 1,5 salários mínimos, de 1,5 a 3,0 salários mínimos e até 4,5 salários mínimos, sempre analisados de forma per capta. Apenas o curso de Medicina tem menos de 50% dos alunos nessas três faixas, ou seja, que tem famílias com até R$ 4.491,00 per capta. Mesmo assim esse curso tem 42,8% nessa faixa de renda. É interessante observar que o quantitativo das famílias que têm até 1,5 salários mínimos  per capta é muito expressivo nos diversos cursos, como por exemplo em Farmácia (27,5%), Enfermagem(29,9%), Engenharia Ambiental (15,6%), Engenharia Química (15,9%), Engenharia Civil (11%), Arquitetura (11,6%), Zootecnia (39,1%), Fisioterapia (26,2%) e Fonoaudiologia (38,2%). 

Nota-se uma democratização no acesso mais acentuada nos cursos de Saúde, o que inverte uma tradição histórica no Brasil, e temos o fato de que nas engenharias houve uma entrada dos segmentos menos ricos da população, mas que ainda demanda um crescimento desses setores. Chama a atenção que o curso de Zootecnia tem 39,1% na renda mais baixa, e obteve a quarta melhor nota do Brasil e a melhor nota do Nordeste, explicitando mais uma vez que o processo de democratização de acesso, dessa vez pela variável renda, não compromete o qualidade de ensino e a notável capacidade de nossos egressos.

No perfil dos alunos também foi possível captar o grau de escolarização dos pais, e até separadamente do pai e da mãe. Chama a atenção sobre quantidade de alunos de famílias cujos dois país não tem escolarização, o ensino fundamental incompleto e o ensino fundamental completo. Em Fisioterapia, que foi o curso que teve nota 5 (a máxima) e a melhor nota dentre todos os cursos de Fisioterapia da Bahia, tem 33,4% dos alunos nessa faixa. Novamente, dessa vez com a variável de escolaridade dos pais, observamos o processo de inclusão social de famílias que antes estavam ausentes do espaço universitário ao mesmo tempo em que o desempenho desses alunos está dentre os melhores do país. 

Se analisarmos a faixa dos alunos com pais e mães que não fizeram universidade e terminaram seus estudos no ensino médio, quase todos os cursos têm alunos cujos os pais (homens) majoritariamente não foram além do Ensino Médio. A única exceção é o curso de Medicina. Na análise da escolaridade das mães há uma mudança significativa, pois essas têm uma escolarização superior aos homens em todos os cursos, mas mesmo assim os seguintes cursos têm mais de 50% dos alunos com mães que não estudaram depois do ensino médio: Fisioterapia, Engenharia de Produção, Arquitetura noturno, Zootecnia,  Engenharia de Controle e Automação, Engenharia Civil, Engenharia Ambiental, Enfermagem, Farmácia, Medicina Veterinária, Nutrição e Fonoaudiologia. Esse dado nos permite informar que para muitas famílias, provavelmente a maioria, o filho ou filha que se formará na UFBA será a primeiro a fazer isso na família, ou compartilhará essa situação com algum irmão, o que significa certamente a que a maior contribuição para a diminuição das desigualdades sociais, a promoção da mobilidade e ascensão social na história do Brasil foi dada pelas Universidades num quadro de ações afirmativas. As universidades deixaram de ser um espaço de reprodução de classes sociais e de exclusão étnico-racial para se tornar a maior promotora de condições para mudar a situação de extrema exclusão social em nosso país, que hoje ainda se situa entre as dez maiores economias do mundo mas amarga a posição de ser o segundo país mais desigual do mundo, uma herança de nossa história escravocrata, colonial, patriarcal e hierárquica.

O desempenho crescente nas avaliações indicam não somente uma melhoria nas condições de ensino e na aprendizagem dos alunos, mas também um engajamento maior dos colegiados de curso com os processos avaliativos e uma dedicação da administração central da Universidade em acompanhar as avaliações do ENADE e as vistas in loco para reconhecimento e renovação de reconhecimento de curso. O engajamento dos alunos com uma postura responsável e comprometida com a Universidade foi fundamental para esse resultado também.

É importante salientar que justamente por esse perfil muito mais popular e diverso dos alunos, uma política ampla de Assistência Estudantil se torna imperiosa, seja para garantir a justiça social de manter os alunos em situação de vulnerabilidade social na instituição, como para assegurar uma racionalidade econômica no uso dos recursos públicos, pois a desistência ou a retenção de alunos mais vulneráveis significam um desperdício de recursos públicos. Investir mais em assistência estudantil significa ser mais responsável com o investimento público para garantir retorno com a formação de quadros competentes para a Sociedade.

O Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), criado no governo Lula, foi um grande marco nesse processo, e chegamos a ter um bilhão de reais investidos nessa rubrica, mas infelizmente a partir de 2017 tivemos um corte progressivo no orçamento dessa política pública, deixando mais longe o sonho dos mais pobres, dos trabalhadores e dos negros se formarem numa instituição pública, e retornando a uma situação de maior exclusão social, pois não adianta garantir o acesso, precisa-se garantir a permanência dos alunos cotistas.

Esse resultado nas avaliações dos cursos de Graduação vem acompanhado por vários outros fatores que contribuem para esse avanço, como por exemplo a qualificação do corpo docente, quase inteiramente com doutorado e muitos realizando seus pós-doutorados. A crescente publicação de artigos científicos em revistas indexadas em bases de dados internacionais indica também um crescimento da produção científica da UFBA, assim como sua internacionalização. Os dados da Graduação indicam que tem aumentado também o percentual de alunos que se formam comparando-se com a entrada e diminuído a retenção, com uma regularização do fluxo dos alunos. 
Falta muito a ser feito para garantir a aprendizagem dos alunos, mas o momento em que vivemos significa um risco para todos esses avanços identificados. Há um ataque claro às instituições públicas pela diminuição do orçamento, do apoio às atividades de pesquisa e de bolsas para a pesquisa e a pós-graduação, assim como o ataque às universidades está dentro de uma ofensiva mais geral contra a Ciência, a Cultura e a preocupação com o desenvolvimento sustentável, no Brasil e no mundo em geral.

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