Economia & Mercado

A questão legal no Programa de desinvestimento da Petrobras

Arquivo Pessoal
Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 06/11/2020, às 16h18   André Garcez Ghirardi, Claudiane de Jesus e Leonardo Bispo de Jesus Júnior


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No final de setembro (30), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou em sessão remota o julgamento referente à reclamação nº 42.576 protocolada pelas mesas diretoras do Senado e da Câmara dos Deputados. Na reclamação, argumenta-se que a gestão do atual presidente da Petrobras faz uso de interpretação equivocada da Lei das Estatais (Lei 13.303/2016) para acelerar as privatizações, transformando as refinarias em subsidiárias.

A privatização de empresas estatais foi uma das principais ações estratégicas do governo FHC em seus dois mandatos (1994-2002). Essa ação foi interrompida nos mandatos de Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016). A ideia de privatização foi retomada no mandato complementar de Temer (2016-2018), quando foi promulgada a Lei das Estatais (Lei 13.303/2016). A privatização de empresas públicas foi mantida como prioridade no governo Bolsonaro (2019 -), quando foi editada a Medida Provisória 995/20, que autoriza a Caixa Econômica Federal a estruturar operações para abrir o capital de suas subsidiárias e das empresas coligadas a elas. A autorização é válida até 31 de dezembro de 2021, e permite que as ações das empresas controladas pela Caixa sejam ofertadas em bolsa . 

A Petrobras deu início a um plano de desinvestimentos em 2016, na gestão (governo Temer), baseada na Lei das Estatais, e intensificou o programa na gestão (governo Bolsonaro), apoiada na MP 995/20 e na decisão liminar do Supremo. O atual objetivo estratégico da Petrobras é concentrar a operação da empresa nos ativos com maior capacidade de geração de margem, e vender ativos e subsidiárias menos lucrativos para os negócios da estatal. Ou seja, concentrar na produção de petróleo no pré-sal, e vender ativos que apresentam menor capacidade de geração de margem, notadamente algumas refinarias: RLAM, RNEST, RPAR, LUBNOR, seguindo a estratégia de máximo retorno aos acionistas.

A criação de subsidiárias depende de aprovação do Congresso. A Petrobras tem autorização legislativa para estabelecer subsidiárias desde 1997, com a lei que revogou o monopólio estatal sobre o petróleo brasileiro (Lei 9.478, de 1997). Com base nesse entendimento, a empresa pretende criar novas subsidiárias como veículos de venda de oito refinarias. Todo o processo de venda poderia ser concluído, no entendimento da Petrobras, sem a necessidade de consulta ao Congresso.

No entanto, o Senado e a Câmara argumentavam que a lei de 1997 abriu caminho apenas para subsidiárias que visavam cumprir o objeto social da Petrobras, orientadas pela exploração de novas oportunidades de negócios. Baseado nesse argumento, o Congresso encaminhou ao STF a Reclamação 42.576, pela qual solicitava que Senado e Câmara fossem incluídos como partes interessadas na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.624. As Mesas Diretoras pediam ao STF que esclarecesse a necessidade do Congresso ser consultado nesses casos. A Reclamação argumentava que mesmo a liminar do STF, que permitiu a venda de subsidiárias sem supervisão do Congresso, é uma decisão questionável, pois nem todas essas subsidiárias são alheias à atividade principal da estatal matriz. Além do mais, as subsidiárias podiam ser alienadas desde que a atividade da holding não fosse comprometida. Em síntese, os argumentos dos parlamentares que promoveram a Reclamação alegavam que, sem uma clara definição judicial, a prática de desestatização através de subsidiárias possa se tornar rotineira.

O julgamento da reclamação (42.576) foi finalizado no dia 1 de outubro (quinta-feira), com um placar 6x4 favorecendo a Petrobras. A decisão representa uma vitória para o governo e atual diretoria da Petrobras, pois viabiliza o instrumento de desinvestimento da estatal, inclusive com a privatização de oito de suas treze refinarias. Neste momento, a Petrobras tem processos avançados para venda de refinarias na Bahia e no Paraná. No caso da RLAM, a Petrobras já iniciou a fase de negociação dos contratos com a companhia Mubadala, que é um fundo de investimentos dos Emirados Árabes Unidos.

Obviamente, essa estratégia de venda de ativos reflete o viés financista da atual administração da Petrobras, priorizando a distribuição de dividendos, mesmo que em conflito com o disposto no artigo primeiro, da Lei 9.478, de 1997, que autoriza o funcionamento da Petrobras. 

Autores: 

André Garcez Ghirardi - Doutor pelo Energy and Resources Program da University of California Berkeley. Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais da Universidade Federal da Bahia (NEC/UFBA).  Professor da Faculdade de Economia da UFBA.

Claudiane de Jesus - Graduanda em Economia e pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC), da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Leonardo Bispo de Jesus Júnior – Doutor em Economia pela Unicamp. Professor da Faculdade de Economia da UFBA. Colaborador Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da UFBA.

Classificação Indicativa: Livre

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