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"Primun Non Nocere"

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Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 24/04/2021, às 13h13   Túlio Alves


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Com o avanço da pandemia (Covid-19), o Brasil já ultrapassou a infame marca de  380.000 óbitos, superando, com folga, o número total de mortes decorrentes da AIDS em quarenta anos.

No esteio desta tragédia, ainda persiste, na prática médica, o tratamento precoce da Covid-19, utilizando determinados medicamentos, como a cloroquina, Ivermectina, azitromicina, nitazoxanida e zinco. Entretanto, de forma inequívoca, a ciência já demonstrou, através de estudos clínicos validados, a ausência de eficácia desses fármacos no combate à pandemia.

Adicionalmente, tal uso indevido pode levar ao agravamento da doença ( dano adicional ao paciente ). Nesse sentido, vale ressaltar que vários países já aboliram o uso desse tratamento precoce, inclusive os Estados Unidos (EUA). Desde junho de 2020, os EUA, através da sua agência (FDA) que regula drogas e alimentos, não recomendam o uso desses medicamentos para o tratamento profilático ou precoce da Covid-19.

Na contra-mão da ciência e em sintonia com o governo federal, o quarto  ministro da Saúde da era Bolsonaro, Marcelo Queiroga, admitiu apoio ao tratamento precoce, em duas ocasiões distintas: na sua primeira entrevista como ministro, quando afirmou que o tema tratava de uma questão médica e, mais recentemente, quando afirmou que a pasta da Saúde está elaborando um protocolo que autorizará médicos a receitarem medicamentos, como a ivermectina e a cloroquina, no tratamento da Covid-19.

Para além dos erros governamentais, outras instâncias de poder não deveriam flertar ou apoiar medidas que tenham impacto ainda mais devastador nesta tragédia anunciada. Nesse contexto, vale realçar o posicionamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) referente ao tratamento precoce. No ano passado, tal conselho aprovou parecer (4/2020), em flagrante oposição às atuais recomendações de sociedades de especialidades médicas,  que facultou aos médicos a prescrição da cloroquina e da hidroxicloroquina para pacientes com sintomas leves, moderados e críticos de covid-19. Tal parecer, desde então, tem gerado grande perplexidade na comunidade científica e tem  colocado em discussão um grande atributo deste órgão colegiado que é a fiscalização do bom exercício profissional.

Por outro lado, durante audiência pública da Comissão Temporária da Covid-19 do Senado, na última segunda-feira (19/04/2021), o vice-presidente do CFM, Donizette Giamberardino Filho, sinalizou o que poderá ser uma nova posição do órgão colegiado. Segundo Donizete Filho, a entidade (CFM) "não recomenda e não aprova tratamento precoce e não aprova também nenhum tratamento do tipo protocolos populacionais contra a Covid-19". Inspirado na recomendação científica e, talvez, sensibilizado pelo inadmissível número de mortes, o ilustre doutor Donizette nos encheu de esperanças. Sem dúvidas, vale recordar um dos mais emblemáticos princípios éticos da medicina, que em latim é PRIMUN NON NOCERE, ou seja, primeiro não causar dano ao paciente.

Túlio Alves é médico anestesiologista e professor da UNEB

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