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A fome volta a assolar rigorosamente a população

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Bnews - Divulgação

Publicado em 28/04/2021, às 06h15   Valmir Assunção


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De um futuro promissor para o ostracismo sociopolítico. Se pudéssemos resumir toda a desconstrução de um Estado voltado para suprir as necessidades básicas do povo em apenas uma frase, essa representaria com precisão o que vivemos atualmente no Brasil. Desde o começo da pandemia do novo coronavírus que esse quadro vem se agravando de forma veloz e rigorosa. Temos, ao menos, 125,6 milhões de pessoas que não comeram em quantidade e qualidade ideais nesses últimos anos. Isso corresponde a 59,3% dos brasileiros. E a fome bate na porta todo dia, com o agravante da situação de desemprego que sobe cotidianamente e dos índices de violência que tinham sido drasticamente reduzidos nos governos petistas de Lula e Dilma.

Fato é que depois do golpe de 2016 contra uma presidenta legitimamente eleita e sem ter cometido crime algum, a pobreza e a fome no Brasil aumentaram consideravelmente. Notamos isso todos os dias que saímos - quando conseguimos sair - para trabalhar ou para garantir valer os nossos direitos individuais e coletivos. Com o governo Bolsonaro, a vida do brasileiro e da brasileira não tem sido fácil. A situação se agrava a cada frase que o presidente entoa. Em plena pandemia da covid-19 e com mais de 360 mil mortos por causa da doença, a nossa única salvação é um governo popular para retomar as políticas públicas e conter o avanço da desigualdade socioeconômica. 

Esse caminho das políticas sociais e rurais para inclusão, com beneficiamento, assistência, comercialização e com foco no campo para a produção de alimentos saudáveis já foi percorrido quando comandamos a Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza (Sedes) na Bahia, entre 2006 e 2009, na gestão do governador Jaques Wagner, hoje senador. Desenvolvemos projetos ligados ao programa de transferência de renda Bolsa Família, reforçado pelos governos federais petistas, que foram essenciais para que essa luta contra a fome fosse conduzida com a ajuda da União. E não temos outro culpado que não seja Bolsonaro pela inércia diante do crescimento da miséria no país.

Essas ações sociais são fundamentais para não deixar que mais pessoas morram de fome. Entre os anos que fui secretário, ações como programas de aquisição de alimentos, de formação de jovens, de assistência social e de segurança alimentar, além das atividades regionais auxiliaram a reduzir a taxa de pobreza no estado, de 49,5%, em 2006, para 44,3%, em 2009 – uma redução de 5,2 pontos percentuais resultante de programas de qualificação profissional e de inclusão socioprodutiva. Ou seja, são ações que dão certo e que precisam ser aplicadas no âmbito nacional. O governo federal deve investir nisso, uma gestão popular tem esse compromisso de ajudar a gerar renda para as famílias em vulnerabilidade e ajudar as pessoas a viverem em paz e sem fome. 

Desse mesmo modo, a luta por terra é fundamental. E, como titular de governo, conseguimos avançar com projetos que viabilizaram o reconhecimento de assentamentos de reforma agrária com toda a infraestrutura para se viver da terra e manter as pessoas em seus locais de origem. Sem falar que agimos diretamente nas comunidades tradicionais, com investimentos em créditos, cultura, infraestrutura e até mecanização e implantação de pequenas indústrias, fábricas de farinhas e medidas que ajudaram o desenvolvimento da psicultura, da pesca artesanal e do desenvolvimento das cadeias leiteiras. Na Bahia, em três anos de gestão como secretário de governo, mais de seis mil agricultores familiares eram beneficiados por meio da compra de alimentos saudáveis e esses eram responsáveis pela distribuição de alimentos para aproximadamente 200 mil pessoas todo mês. 

Defendo que projetos federais atendam e deem continuidade ao monitoramento e fiscalização do Bolsa Família com as condicionalidades exigidas como filhos na escola e vacinados. No entanto, são desanimadores os dados atuais do país. Enquanto os governos do PT conseguiram tirar o Brasil do mapa da fome no mundo, após o impedimento da presidente Dilma a fome voltou a crescer no Brasil e a insegurança alimentar disparou nos dois últimos anos. Atualmente, quase 117 milhões de pessoas estão em situação de risco. 

Também temos 19,1 milhões de brasileiros que efetivamente passam fome, em um quadro de insegurança alimentar que se torna grave. Esses dados da pobreza no país fazem parte do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan). E é importante frisar que a desnutrição e a obesidade podem aumentar o risco de adoecimento da população e doenças crônicas têm grande impacto na atenção primária. O Sistema Único de Saúde (SUS) também é fundamental nesse processo, por isso seu fortalecimento é mais que necessário. Não podemos perder isso de vista. 

Pesquisadores apontam que o consumo de alimentos não saudáveis está associado ao surgimento de doenças crônicas. Eles descrevem que a alimentação favorece o aparecimento de doenças como hipertensão e diabetes, podendo levar à sobrecarga do sistema de saúde. Conforme a pesquisa da Rede Penssan, em 63% dos domicílios o auxílio emergencial serviu para comprar cesta básica. Os especialistas frisam que esse cenário é perigoso, devido o auxílio emergencial e o Bolsa Família serem insuficientes para resolver o problema alimentar das famílias de baixa renda, justamente por conta do aumento dos alimentos. Nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, o valor dos produtos da cesta básica subiu, pelo menos, 32%.

Com a pandemia sem controle, o cenário econômico do nosso país vai continuar agravando os problemas sociais já existentes. Temos uma das maiores taxas de desemprego da história, em torno de 14,5% neste ano, ultrapassando a de países como Peru, Colômbia e Sérvia, e caminha na contramão da taxa média global, cujo a estimativa é de recuo para 8,7% este ano, ante 9,3% em 2020. Os dados atualizados mostram que 44% dos brasileiros deixaram de comer carne na pandemia. Entre os alimentos saudáveis, esse foi o com a maior redução de consumo. 

E em casas com crianças de até 4 anos os índices de insegurança alimentar são críticos no âmbito nacional: 29,3% destes domicílios comem em quantidade e qualidade ideal, enquanto 70,6% vivem algum nível de insegurança em sua alimentação. São 20,5% aqueles que passam fome. Em uma comparação, temos ao menos quatro anos que vemos o aumento desse tipo de insegurança. O que estarrece é que isso confirma que uma criança pequena passou a primeira infância toda em situação de insegurança moderada ou grave. Não sou eu que falo, são os dados da Pnad 2017-2018 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), que mostrou o aumento da fome em todo o Brasil.

É urgente que o Estado brasileiro volte suas ações ao povo. Vemos uma atuação pífia do governo federal, uma priorização dos mais ricos, enquanto a população padece em seus direitos mais básicos. A pandemia apenas escancarou que o modelo de Estado voltado unicamente ao mercado só aprofunda as desigualdades sociais já historicamente estruturadas neste país. Está mais que na hora de dizer basta! 

*Valmir Assunção é deputado federal do PT da Bahia

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