Artigo

Vossa Majestade, o tempo: a prescrição, o protesto e os condomínios

Arquivo pessoal
Bnews - Divulgação Arquivo pessoal

Publicado em 15/06/2021, às 08h00   Tiago Alves


FacebookTwitterWhatsApp

Quando foi a última vez em que você checou o relógio?

A passagem do tempo é um dos mistérios mais fascinantes para a humanidade. A cultura ocidental detém ao menos dois traços que revelam a majestade do tempo. 1. ninguém gosta de perdê-lo. 2. todos querem controlá-lo.

E ele está aí, reinando através dos ponteiros. Tic-tac. 

No direito, o tempo revela sua majestade através dos efeitos de sua passagem. Dois exemplos: Quinze anos de posse de um imóvel privado de forma mansa, pacífica e sem interrupção, dá direito – em regra – à propriedade através da usucapião. Três anos de ausência de manifestação acerca da cobrança de aluguel referente a um imóvel faz perder – novamente, em regra – o direito de cobrá-lo através do Poder Judiciário.

A esse efeito, presente nos dois exemplos, dá-se o nome de prescrição. Esse fato jurídico produz efeitos na perda (ou no ganho) do direito de agir na Justiça. Não necessariamente no direito em si. Explico com um exemplo no próprio condomínio.

Imagine-se o(a) síndico(a) que ingressara em uma nova gestão de um grande condomínio, instituído há cerca de vinte anos. Um de seus moradores mais antigos, por qualquer motivo, não pagou nenhuma das cotas condominiais que devia. Estranhamente (e acreditem, não é incomum), as antigas gestões até notificavam, mas deixaram de cobrar as parcelas devidas, que se somam um valor maior até do que o próprio imóvel.

Na efervescência de juntar dinheiro ao caixa do condomínio, o(a) síndico(a) tentara cobrar esse crédito através de processo judicial. Aqui o tempo reina novamente. Interpretando-se a lei e com os julgados de tribunais superiores, os débitos de cotas condominiais prescrevem em cinco anos. De tal modo, até o presente exemplo, a prescrição impedirá a atuação do Poder Judiciário na cobrança dos quinze primeiros anos de débito.

Se, entretanto, mediante acordo, o(a) morador(a) decidisse quitar parcelas das cotas anteriores aos cinco anos, estaria assegurado o direito do condomínio em recebê-las. 

Apesar da moderna ilusão de fazê-lo, não se controla o tempo. O mundo não anda mais rápido ao acelerar-se áudios de WhatsApp, e não é possível pausar um evento ao vivo, como se em frente à televisão estivesse.

Se o tempo não para, vê-se, de outro lado, a possibilidade de interromper os seus efeitos. Voltemos ao exemplo anterior.

Em uma busca técnica mais aprofundada, o(a) síndico(a) analisou a documentação do condomínio e percebeu que as cotas condominiais do(a) morador(a) em débito há vinte anos foram devidamente encaminhadas ao Cartório de Títulos e Documentos da região, e foram submetidas mês-a-mês a protesto.

Em síntese, o protesto de documentos é um ato formal e solene, em que se encaminha a informação da dívida à publicidade. Com isso, prova-se o descumprimento da obrigação, bem como a existência do débito. Com tal ato, dá-se ao público a notícia do não pagamento e até restringe-se o crédito do devedor na praça.

Aqui, também, percebe-se o protesto a “congelar” a areia do tempo. Diz a lei civil que o protesto, cumpridos os requisitos, interrompe a prescrição.

Desse modo, ao avaliar título por título, o(a) síndico(a) pode levar ao Poder Judiciário cada um dos títulos protestados, mesmo que sejam mais antigos do que os cinco anos da prescrição.  

Com a simplificação do rito processual para execução das cotas condominiais, vê-se a diminuição do uso do protesto pelos condomínios. Como uma estratégia a garantia do crédito a longo prazo, é possível utilizar o protesto para proteger as cotas condominiais da prescrição, ainda mais daquelas de difícil processamento – dificuldades de localização do(a) devedor(a),  dúvidas quanto à titularidade do imóvel, etc –, tornando-se mais um item na vasta caixa de ferramentas do(a) síndico(a).

De todo modo, a virtude do tempo é o fato dele ser igual a todos. Os ponteiros correm do mesmo jeito a gestores prudentes e a administradores desorganizados. Os riscos da prescrição estão presentes a quem se planeja e a quem não. Se manipular o tempo – como os relógios derretidos em um quadro de Salvador Dalí – não é possível, que o(a) sábio(a) gestor de condomínios saiba muito bem, ao menos, manipular os prazos de prescrição.
Vida longa ao protesto (e a quem o utiliza)!

Tiago Almeida Alves é colunista do BNews, advogado formado pela UFBA, pós-graduado em Direito Imobiliário, Urbanístico, Registral e Notarial pela UNISC-RS, membro da Comissão de Condomínio do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), e atualmente cursa o MBA em Gestão de Escritórios de Advocacia e Departamentos Jurídicos na Baiana Business School (Faculdade Baiana de Direito). Contato: [email protected]

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp