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A centralidade da Extensão Universitária no Brasil

Imagem A centralidade da Extensão Universitária no Brasil
Bnews - Divulgação

Publicado em 05/07/2021, às 17h19   *Penildon Silva Filho


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A Universidade brasileira é uma instituição tardia, se compararmos com outros países do mundo, inclusive da América latina, mas apresenta sua missão ligada ao desenvolvimento nacional, à consolidação da soberania científica e tecnológica do Brasil e à promoção da inclusão social, da justiça social e da integração do mundo acadêmico com a Sociedade. A Extensão Universitária ocupa uma centralidade nessa vertente de nossa missão, muito inspirada na ação das universidades americanas envolvidas com o desenvolvimento daquele país desde o século XIX, mas principalmente pela Reforma da Universidade de Córdoba na Argentina de 1918 e pelos movimentos sociais no Brasil desde a década de 1960. As instituições brasileiras já contam hoje com uma relação intensa e transformadora com muitos segmentos sociais, culturais e científicos-tecnológicos nacionais, e deve dar um novo passo na institucionalização da Extensão com o que preconiza o Plano Nacional de Educação (PNE), que preconiza que pelo menos 10% da carga horária integralizada pelos alunos na Graduação devem ser em atividades, programas, disciplinas, eventos, cursos de extensão.


É importante salientar que a Extensão não é apenas uma dimensão da relação transformadora entre a instituição universitária e a sociedade, que pode ser com movimentos sociais, indústrias, centros de pesquisa, Educação Básica, o Sistema Único de Saúde, gestão pública ou outras frentes. Ela contribui de forma decisiva para uma formação mais integral de nossos alunos, mais afinada com as diretrizes curriculares atuais dos diferentes cursos de graduação aprovadas no Conselho Nacional de Educação (CNE), que projetam uma formação de profissionais aptos a exercer suas profissões com qualidade técnica e com compreensão do meio social onde estão inseridos, com uma atuação nas relações sociais que deve ser pela justiça e de compromisso com o desenvolvimento sustentável social e ambiental, com capacidade para compreender problemas novos e inovar. Quem mais se beneficia dessa relação extensionista é a própria Universidade ao permitir um enriquecimento de suas discussões, temas de pesquisa, problemas tecnológicos a serem resolvidos e numa formação de seus alunos mais cidadã, intercultural e comprometida socialmente.


As referências de dois de nossos maiores educadores nos ajudam a projetar um modelo de Universidade comprometido com o desenvolvimento e a superação dos grandes problemas sociais, econômicos, educacionais e científicos de nosso tempo, que tem a Extensão como cerne também. São eles Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. De formação acadêmica alinhada à filosofia do Pragmatismo de John Dewey, a vida de Anísio Teixeira como gestor, elaborador e pensador de políticas públicas se entrelaçou com sua produção acadêmica. Foi um dos que elaborou a Carta do Movimento dos Pioneiros da Educação Nova em 1932 e ajudou a dirigi-lo. Criou as Escolas Parque na Bahia, no Rio de Janeiro e em Brasília, sendo um formulador e defensor da concepção de Educação Integral no Brasil e no mundo. Uma Educação integral compreendida não apenas como tempo estendido de ensino, mas como a formação integral do ser humano nas suas diversas dimensões e áreas de conhecimento e da vida, seja científica, cultural, artística, na relação com o mundo do trabalho, no fortalecimento da convivência social, cidadã e a com participação política na Sociedade. 


Sobre o manifesto da Educação Nova, esse texto afirmava que a Educação deveria “servir não aos interesses de classes, mas aos interesses do indivíduo, e que se funda sobre o princípio da vinculação da escola com o meio social”. Ou seja, o objetivo era ter um “ideal condicionado pela vida social atual, mas profundamente humano, de solidariedade, de serviço social e cooperação”. Mesmo naquela época o Manifesto traz uma crítica ao fato de que a Educação reproduzia as classes sociais e as desigualdades. Os educadores de 1932 diziam que “a escola tradicional estava instalada para uma concepção burguesa, deixando o indivíduo numa autonomia isolada e estéril. O documento defendia ainda a Educação como uma função essencialmente pública; que a escola deve ser única e comum, sem privilégios econômicos de uma minoria; todos os professores devem ter formação universitária; o ensino deve ser laico, gratuito e obrigatório”. A democracia no Brasil era um dos pontos importantes abordado no manifesto de 1932 e a Educação era vista como instrumento de construção da democracia, permitindo a integração dos diversos grupos sociais. Nesse sentido, o governo federal deveria defender bases e princípios únicos para a Educação, mas sem ignorar as características regionais de cada comunidade”. (ver link: https://www.educabrasil.com.br/manifesto-dos-pioneiros-da-educacao-nova/ ).


Anísio foi o criador da Universidade do Distrito Federal de 1935, no Rio de Janeiro, uma inovação universitária destruída pela ditadura de Getúlio Vargas no Estado Novo em 1937, mas renascida com o projeto da Universidade de Brasília em 1961, numa parceria com Darcy Ribeiro, que preconizava uma formação de excelência, com pós-graduação, pesquisa e extensão alinhavadas ao ensino da Graduação e uma formação ampla para os estudantes, com uma base humanista e cultural forte, independente de qual fosse a formação profissional posteriormente escolhida.


É interessante observar como, com suas ideias em favor da Educação Pública, gratuita, laica, de qualidade, para ambos os sexos, voltada para uma formação integral ligada ao exercício pleno da vida política em sociedade, Anísio foi sempre perseguido pelas ditaduras. Primeiro pela Ditadura do Estado Novo, tendo que se esconder no interior da Bahia por alguns anos depois da destruição da UDF, de 1937 até 1945, e depois perseguido pela ditadura civil-militar que durou de 1964 a 1985. Hoje há muitas evidências que a sua morte não foi acidental, em março de 1971. O livro “Breve História da Vida e Morte de Anísio Teixeira – desmontada a farsa da queda no fosso do elevador”, do autor João Augusto de Lima Rocha (professor de Engenharia aposentado da UFBA), de 2019, da Editora da UFBA, recolhe provas materiais a partir dos registros da época. Por seu lado, Darcy Ribeiro, por ser mais jovem, foi perseguido e exilado pela ditadura de 1964 a 1985, e tivemos a sorte de tê-lo conosco até seu falecimento natural em 1997.


Na segunda e terceira décadas do século XXI ainda nos debatemos com concepções elitistas de Educação, interesses privatistas, com o objetivo de fazer com que as filhos da classe trabalhadora tenham apenas acesso ao mínimo de conhecimento para se manterem em posições de pouco prestígio e ganhos sociais, reproduzindo as classes sociais e aquilo que Anísio Teixeira muito denunciava em seus escritos: que o sistema educacional era dual, reservava para diferentes classes sociais entradas e percursos diferenciados e os filhos das classes abastadas terminavam por adentrar as Universidades enquanto os filhos dos trabalhadores tinham uma Educação rebaixada. Por isso o pensamento de Anísio continua atual. 

A concepção de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro era a da centralidade da educação básica e superior, da pesquisa, da ciência e da cultura para construirmos uma verdadeira democracia substantiva, uma nação capaz de se afirmar geopoliticamente pela capacidade de incluir toda sua população no processo educativo, científico e cultural, no desenvolvimento de tecnologia e no crescimento da cultura e das humanidades. Ao mesmo tempo, Anísio e Darcy entendiam a necessidade de não se contrapor educação básica e educação superior, nem abertura e inclusão nas escolas e universidades com a necessidade de termos um ensino de qualidade de padrão avançado no mundo. 

É necessário um projeto generoso, que seja amplamente inclusivo e de qualidade, e a sociedade e o Estado brasileiros podem proporcionar isso, integrando uma educação básica ampla, democrática e de qualidade com uma educação superior inclusiva e de alto nível. Para Darcy e Anísio, pensadores e gestores da educação, trata-se exatamente da superação do atraso sem aspas, sem relativismos, do atraso da fome, da miséria, do atraso científico e cultural de uma nação ainda a ser construída e afirmada. E a educação deve contribuir para a superação desse atraso de diversas maneiras, com a educação integral e as Universidades com ensino, pesquisa e extensão como pilares.

Os passos mais recentes nessa direção foram dados na Constituição Cidadã de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 e no PNE 2014-2024. A Constituição Federal de 1988, no Artigo 207, estabelece a indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e Extensão como uma característica essencial e definidora das universidades. A LDB, no Artigo 43, especifica a extensão como uma das finalidades da Educação Superior, registrando seu compromisso em "[...] promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição” (Art. 43, inciso VII). E há culminância desse empreendimento no PNE 2014-2024, aprovado pela Lei nº 13.005/2014, que define a sua estratégia 12.7, que dispõe sobre "[...] assegurar, no mínimo, 10% (dez por cento) do total de créditos curriculares exigidos para a graduação em programas e projetos de extensão universitária, orientando sua ação, prioritariamente, para áreas de grande pertinência social”.

Não se trata de um desafio fácil o cumprimento do que está disposto no PNE, entretanto se considerarmos a amplitude de atividades de extensão que já são realizadas nas instituições e do caráter extensionista de vários componentes curriculares, pode-se avançar para potencializar essa dimensão tão enriquecedora da Universidade sem engessar a formação nem aumentar a carga horária dos cursos, que já é muito grande. A energia que já existe internamente nas universidades, com grupos extensionistas, programas de extensão, empresas juniores, ligas acadêmicas, atividades culturais, consultorias e parcerias junto ao setor produtivo e movimentos sociais é a principal base sobre a qual poderemos dar seguimento à construção de uma Universidade de excelência e com compromisso social.

*Professor da UFBA e doutor em educação

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