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A colher que salva vidas: o condomínio e a violência doméstica

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Bnews - Divulgação Arquivo pessoal

Publicado em 13/07/2021, às 08h00   Tiago Alves


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A vida em condomínio edilício é um ambiente querido a diversas pessoas, pois consegue unir a comodidade das áreas comuns com a intimidade das áreas privativas. Nesse contexto, é corriqueiro observar diversos condôminos dizerem que os(as) síndicos(as) devem se preocupar com as áreas comuns, e que “da porta para dentro, o problema é meu!”.

Sem dúvidas, o ambiente comunitário de um condomínio traz na figura do(a) síndico(a) a representação e autoridade no que diz respeito à coletividade. Piscina suja, elevador quebrado, lâmpada apagada, cotas atrasadas, contas a pagar: quando o assunto pisa para fora do tapete da unidade imobiliária, é papel do(a) síndico(a) preservar, sob pena de responsabilidade.

Na condução das atividades internas de uma casa, respeitada as regras comunitárias (ex: lei do silêncio), síndico(a) não mete a colher no modo de vida dos moradores.

Mas até que ponto?

Figurando como um dos países com maior ocorrência de violência doméstica, o Brasil viu acentuar seus índices de agressões e mortes durante a pandemia. Com as famílias confinadas em casa, as agressões se tornaram cada vez mais comuns. Alguns casos repercutem na mídia. Não foram os primeiros. Nem serão os últimos. Infelizmente.

Percebe-se, entretanto, a movimentação do Poder Legislativo, pondo os condomínios na figura de aliados no combate à violência doméstica. Aqui no estado da Bahia, por exemplo, já existe lei que obriga o(a) síndico(a) a denunciar ocorrência de agressões às autoridades competentes, mesmo em áreas privativas. Na esfera federal, há projeto de lei tramitando na Câmara dos Deputados no mesmo sentido, criminalizando a administração condominial em caso de omissão.

Sim. Mete-se a colher em caso de violência doméstica.

Mas o(a) síndico(a) que se limita a denunciar ocorrências de violência doméstica está a fazer apenas o básico. Se o ditado disciplina “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”, vê-se que o movimento cultural em muitas vizinhanças é de deixar o assunto por isso mesmo e não se conversar a respeito. 

Se o Código Civil impõe a quem administra o condomínio o dever de cuidado na salubridade, sossego e segurança do imóvel, mais eficaz ainda são os atos preventivos. Campanhas de conscientização entre os moradores, comissões comunitárias, espaços para debates, movimentos internos, informativos como cartazes, cartilhas e vídeos se demonstram como interessantes ferramentas de discussão.

É certo que cartazes e rodas de conversa não curam hematomas. Mas permitem um espaço onde “bater na porta” do(a) vizinho(a) é mais rápido do que o “bater no corpo” da vítima.

De outro lado, síndicos(as) também devem saber lidar com as chamadas ordens de restrição. Embora sejam de caráter sigiloso, é possível à administração do condomínio, ao tomar conhecimento pela vítima, pela autoridade policial ou pelo Poder Judiciário, restringir o acesso de agressores ao ambiente comunitário.

Com a devida ordem de restrição dada, o(a) síndico(a) deverá instruir aos seus profissionais para impedir acesso por veículos ou a pé de agressores. Importante ressaltar que essa restrição valerá ainda que o(a) agressor(a) figure como titular do imóvel, ou queira acessar as áreas comuns.

De tal modo, vê-se que, em cada caso, o(a) síndico(a) de condomínios detém as ferramentas adequadas para cumprir um importante papel na preservação de vidas em ambiente comunitário. Ainda que não pareça ser a função na qual foi confiado(a), o Poder Público conta com a administração dos condomínios para o adequado combate à violência doméstica contra mulheres, idosos, crianças, deficientes físicos e demais vulneráveis.

Na batalha contra a violência doméstica, vale meter a colher de toda forma legal, adequada à realidade do condomínio.
Só não vale se omitir. 


Tiago Almeida Alves é advogado formado pela UFBA, pós-graduado em Direito Imobiliário, Urbanístico, Registral e Notarial pela UNISC-RS, membro da Comissão de Condomínio do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), e atualmente cursa o MBA em Gestão de Escritórios de Advocacia e Departamentos Jurídicos na Baiana Business School (Faculdade Baiana de Direito). 

Classificação Indicativa: Livre

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