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Parte de um todo: questões jurídicas dos supercondomínios

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Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 14/09/2021, às 08h00   Tiago Alves


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O mercado imobiliário no Brasil tem se utilizado de formas cada vez mais criativas de aproveitar os espaços urbanos e de se adaptar à realidade social. Sob tais circunstâncias, os condomínios devem se atentar às realidades jurídicas de seus imóveis para a melhor administração possível, e para cobrir os interesses dos condôminos.

Cada vez mais frequente é o desenvolvimento de imóveis integrados. Centros de lazer junto a residências, centros comerciais, shoppings centers e hotéis, que se unem por passarelas, vias próximas e até mesmo por elevadores. Empreendimentos complexos e criativos que são abarcados no conceito de “supercondomínios”, ou condomínios de uso misto.

Se as obras grandiosas se inserem nesse conceito, não significa dizer que todo supercondomínio precisa ser “super” em tamanho para ter um tratamento diferenciado pelo direito. Isso porque não é uma imensa área que define um supercondomínio. Basta haver em um mesmo imóvel a necessidade de mais de uma convenção regulando as relações entre as pessoas.

Vejamos o seguinte exemplo: imagine-se um imóvel de dez andares situado no centro da cidade. No andar térreo existe um centro comercial bastante movimentado, com uma área descoberta de estacionamento alugada a uma empresa terceirizada para cobrança por hora. Além disso, existem 3 andares de garagem a moradores dos outros 7 andares de área residencial. No terraço, há piscina e sauna.

Por mais criativa que seja, uma única convenção de condomínio pode gerar problemas sérios na administração desse imóvel. Um condômino lojista poderia utilizar a piscina do terraço para seu próprio lazer? O condômino morador poderia caminhar livremente pelos corredores do centro comercial fora do horário de funcionamento?

Daí a necessidade de uma convenção que regule a área residencial, outra que regule a área comercial, além da convenção geral de todo o imóvel: e assim, em um imóvel de pequeno porte, há a criação de um supercondomínio.

E é importante ressaltar: não será necessário que existam áreas distintas para haver supercondomínios. É comum enxergar imóveis residenciais em que cada torre forma um condomínio a parte, dentro de um condomínio geral.

Se existe um imóvel “super”, pode-se também dizer que os condomínios nele inseridos – as partes de um todo – serão chamados de subcondomínios. Poderão ter regras distintas de utilização, formatos de votação diferentes e até mesmo diferentes administrações. Nesse sentido, a Receita Federal permite, inclusive, a criação de CNPJ distintos a cada um desses subcondomínios, o que facilitaria em muito a gestão desses imóveis.

Frente a isso, existe um sem-fim de questões que um supercondomínio e seus gestores devem se atentar no dia-a-dia da conservação da coisa comum. Cabe pontuar, entretanto, algumas que são vitais para uma boa administração.

Se cada convenção é própria ao subcondomínio, é necessário que tal documento esteja devidamente registrado e atualizado no Cartório de Registro de Imóveis, justamente na matrícula do imóvel geral. Dessa maneira, um subcondomínio terá a autonomia necessária para sua própria gestão.

Além disso, cabe ao subsíndico (nome dado ao gestor do subcondomínio) desses setores manejar muito bem sua própria convenção, bem como entender a realidade das convenções dos outros setores. Apesar de administrações independentes, um supercondomínio é um verdadeiro organismo vivo, em que uma decisão mal tomada pode prejudicar a toda comunidade.

Supercondomínios devem ter em suas convenções a clara delimitação das áreas exclusivas. Cabendo a administração do imóvel a gestão do sossego, da salubridade e da segurança, é relevante que as convenções indiquem as regras relativas a cada setor de forma detalhada, sob risco de inviabilizar determinadas questões. Imagine-se, em nosso exemplo acima, estranhos a transitarem nos corredores residenciais a pretexto de serem clientes dos lojistas?

Como última questão desse artigo (dentre tantas outras que não caberiam em um único texto), cabe pontuar a respeito do rateio das cotas condominiais. Cada setor e subcondomínio deve operar de acordo com a realidade do seu próprio mercado. É muito comum, ao se imaginar um condomínio, que as cotas sejam divididas de acordo às frações ideais do imóvel.

Verifica-se, entretanto, que aplicar a regra geral a supercondomínios pode gerar problemas de desigualdade entre os condôminos. Veja-se que um subcondomínio pode conter receitas e gastos distintos, o que geraria a outro subcondomínio um descompasso financeiro. O custo de energia elétrica de um subcondomínio comercial, por exemplo, é muito diferente de um subcondomínio residencial no mesmo imóvel.

Dessa forma, adotar regras de mesmo rateio a todo o condomínio pode desequilibrar a balança, e fazer com que parte do condomínio pague indevidamente os custos de outra parte.

É válido salientar, entretanto, que todos os condôminos, independente da natureza do seu setor, devem contribuir em favor do chamado “condomínio geral”, que é responsável por gerir todo o imóvel e representá-lo através de seu síndico.

A parte de um todo pode ter, por fim, particularidades bastante peculiares que não cabem na realidade de todos os condôminos. Entender essas questões fará com que a administração do imóvel seja bem-sucedida - além de permitir uma “super” convivência (com perdão do trocadilho).

Tiago Almeida Alves é advogado graduado em Direito pela UFBA, pós-graduado em Direito Imobiliário, Urbanístico, Registral e Notarial pela UNISC-RS, membro da Comissão de Condomínio do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), e atualmente cursa o MBA em Gestão de Escritórios de Advocacia e Departamentos Jurídicos na Baiana Business School (Faculdade Baiana de Direito).

Classificação Indicativa: Livre

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