Educação

Terrorismo político e a destruição da democracia

Arquivo Pessoal
Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 19/09/2021, às 14h51   Penildon Silva Filho


FacebookTwitterWhatsApp

O Brasil entra no rol de países com instabilidade política, risco de rupturas na Democracia, de volta a regimes autoritários e de terrorismo político. Depois de um triste 7 de setembro em que o presidente da República coordenou manifestações golpistas e de clara afronta à Constituição e às liberdades democráticas, presenciamos agora o início de uma campanha política antecipada e recheada de violência. Nessa terceira década do século XXI, vivemos a tentativa constante de grupos de direita ou ultradireita para romper o tecido social, institucional e cultural da Sociedade. O tecido econômico já vinha sendo rompido desde a volta das políticas neoliberais com a ascensão do governo Temer, com a reforma trabalhista, a emenda do congelamento de investimentos públicos por 20 anos, a reforma da previdência, a privatização da Petrobras e da Eletrobras. Agora temos sinais claros que o golpe parlamentar-judicial-midiático que tirou a presidente Dilma do Governo federal em 2016, sem qualquer crime de responsabilidade, evoluiu para a organização de milícias políticas armadas e criminosas, com forte financiamento interno e externo ao país.

O novo episódio que precisa ser registrado e debatido ocorreu na quinta-feira, dia 16 de setembro último, quando um homem lançou um artefato explosivo no Consulado da China no Rio de Janeiro, em Botafogo, na Zona Sul do Rio, por volta das 21h48. Imagens de câmeras da rua do consulado foram recuperadas e mostram claramente um atentado terrorista doméstico com implicações internacionais, na esteira do discurso sem base real da família Bolsonaro, de que o Brasil estaria vivendo uma tentativa de golpe e de ameaça da esquerda de “tomar o poder”. Esse discurso vem impregnado de muitos ataques à República Popular da China e ao povo chinês, coincidentemente o principal parceiro econômico do Brasil. A China nunca fez qualquer gesto de ameaça ou agressão ao Brasil e busca intensificar suas relações comerciais, políticas e econômicas com nosso país. Além de ser um discurso xenófobo, de ódio a um determinado povo (vide os discursos que procuravam incriminar a China pela criação artificial de um vírus), é um discurso contrário aos interesses nacionais brasileiros, e contribuem para dilapidar a já combalida Economia nacional.

No Rio de Janeiro, o responsável pelo atentado usava calça, casaco, máscara e boné pretos. O fato foi apresentado na Polícia Federal e registrado na 10ª DP (Botafogo), sendo que essa delegacia acionou o esquadrão antibombas da Polícia Civil e está tentando identificar o suspeito. Peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) também foram acionados.

Esse atentado deve ser chamado pelo nome correto, terrorismo, mais especificamente terrorismo político, muito característico de grupos nazifascistas da década de 1920, 1930 e do início do século XXI, a exemplo dos grupos paramilitares ligados e liderados ao ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que invadiram pela primeira vez na história o Congresso americano para tentar barrar a posse do novo presidente. Trump foi derrotado na sua tentativa de golpe mal fadada, mas seus articulares e seu guru de mídia, Steve Bannon, já estão engajados na campanha de reeleição de Bolsonaro e na preparação de um golpe para o caso de derrota nas eleições de 2022, o que parece muito claro até o momento.

Não é a primeira vez que o Brasil vive atentados terroristas de direita. O mais famoso foi o atentado do Riocentro, um ataque frustrado a bomba ao Centro de Convenções do Riocentro, no Rio de Janeiro, na noite de 30 de abril de 1981. Nessa data se realizava um espetáculo comemorativo do Dia do Trabalhador com a participação de muitos artistas que faziam campanha pela redemocratização do país e com ampla presença popular. Era um prenúncio da campanha das Diretas Já, ainda no período da ditadura militar no Brasil. 

O atentado, perpetrado por setores do Exército Brasileiro insatisfeitos com a abertura democrática que vinha sendo feita pelo regime, contribuiu para apressar a redemocratização do país, que só se consolidaria com a promulgação da Constituição em outubro de 1988 e com as primeiras eleições diretas para presidente da república em 1989.

Contraditoriamente, o atentado feito por militares do exército brasileiro deveria ser um artifício para culpar os setores de esquerda e tentar convencer que se deveria voltar a ter uma repressão mais pesada, por mais inverossímil que pudesse parecer ser um atentado de esquerda num evento de esquerda e pela Democracia, com pessoas de esquerda e outras democratas do centro político. Estavam presentes mais de 20 mil pessoas e a comoção a ser criada pelo atentado terrorista seria manipulada pelos setores conservadores, haveria muitas mortes caso o atentado tivesse logrado êxito.

As bombas foram levadas ao local do show em um carro esportivo civil Puma GTE, pelo sargento Guilherme Pereira do Rosário e pelo capitão Wilson Dias Machado. Entretanto, uma das bombas explodiu antes de ser colocada no pavilhão de eventos, dentro do carro onde estavam os dois militares, no estacionamento. Morreu o sargento e foi ferido gravemente o capitão Machado. Uma segunda explosão ocorreu a alguns quilômetros de distância, na subestação elétrica que fornecia a energia do Riocentro, com o objetivo claro de provocar um apagão e criar pânico e mortes.

Durante muitos anos, os setores do exército responsáveis pelo caso negaram que tivesse sido uma ação dos mesmos, mas em 2016, na maior investigação feita pelo Ministério Público, a verdade, que já era do conhecimento de todos, pode ser registrada nas vias judiciais (ver mais em: https://oglobo.globo.com/brasil/com-novas-provas-mp-denuncia-seis-pessoas-no-caso-riocentro-11619478 ).

A atual presidente da República também já sofreu um processo na justiça militar por planejar um atentado para reivindicar melhores salários, e só foi inocentado por problemas processuais formais. Foi o próprio Bolsonaro quem admitiu todo o caso. Ainda em 1987 admitiu que cometeu atos de indisciplina e deslealdade para com os seus superiores no Exército, inclusive de planejar atentados a bomba em quarteis e outros locais do Rio de janeiro ( ver mais em:  https://veja.abril.com.br/blog/reveja/o-artigo-em-veja-e-a-prisao-de-bolsonaro-nos-anos-1980/ ). 

Esse comportamento de incitar a violência, defender a ruptura com as instituições, promover atentados terroristas, faz parte da cultura dessa linhagem política. Interessante notar que apesar de usar um discurso de que “a esquerda quer tomar o poder no Brasil”, os únicos que preconizam uma estratégia para não reconhecer o resultado das eleições são os adeptos dessa ideologia de ultradireita, que apresenta uma certa dissonância cognitiva ao não perceber muitos aspectos da realidade social, embora sejam hoje representativos. Eles armam seus seguidores com revólveres, metralhadoras e armamentos mais pesados e os incitam ao confronto, como a tentativa de invasão do STF por apoiadores do presidente na madrugada do dia 7 de setembro último, que por pouco não foi consumada. A esquerda e os segmentos de centro e até centro direita têm se colocado no presente momento no campo da disputa democrática e respeito às instituições no Brasil, embora setores de centro e direita tenham sido responsáveis pelo golpe de 2016. 

Pode-se mudar as instituições, certamente, mas dentro do jogo democrático, em que o povo decide convocar uma Assembleia Constituinte para mudar a Constituição, a exemplo do que o Chile está fazendo nesse exato momento. Pelo voto, pela mobilização social e política, pelo debate de projetos de nação, mas não com confronto armado interno ou terrorismo contra nações amigas, importantes para a Economia nacional.

Penildon Silva Filho é professor da UFBA e doutor em Educação

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp