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A gangorra do despejo

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Bnews - Divulgação Arquivo pessoal

Publicado em 12/10/2021, às 08h00   Tiago Alves


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O assunto de condomínios também deu uma breve pausa nesse feriado. Em seu lugar, discutiremos um assunto igualmente importante, que tem chamado atenção no direito imobiliário: os despejos em imóveis alugados.

Em grandes centros urbanos é possível ver uma grande concentração de imóveis disponíveis para aluguel. Seja pela deficiência habitacional (muitos imóveis, poucos proprietários), seja pela dinâmica dos pequenos e médios comércios, vê-se que a relação entre proprietário e inquilino costuma ser desigual, com a balança a pender para o lado do dono do imóvel.

Tanto é assim que a lei atual sobre locação de imóveis (de 1991) é protetiva aos inquilinos (ou locatários, como lá são chamados). Nesse sentido, a lei criou procedimentos próprios para regular essas relações, inclusive quanto a despejos.

O despejo é a forma de retirar o inquilino do imóvel, através de ação judicial proposta pelo proprietário. Seja porque o aluguel atrasou (forma mais comum), porque o prazo venceu e o inquilino não quer desocupar, ou porque houve modificação não autorizada do imóvel. Para essas e outras ocorrências, cabe despejo.

Apesar da delicadeza da questão, as regras sobre despejo costumam ser claras na lei - até ocorrer uma crise econômica.

A pandemia fez surgir diversas discussões a respeito de aluguéis no País. E uma delas dizia respeito a despejos. Com um número considerável de atrasos de pagamento, o fluxo natural no Judiciário seria um só: uma chuva de ações de despejo, para desocupação dos imóveis.

Se, de um lado, havia o temor de uma massa de inquilinos no olho da rua em meio a uma crise sanitária, de outro lado sobravam argumentos para proteger os direitos dos donos de propriedade, que tinham nos aluguéis importante fonte de renda, no meio de uma crise financeira.

Desde que a pandemia começou, os despejos viveram uma gangorra jurídica. Em pouco tempo, iniciou-se uma chuva de liminares para proibir – ou para obrigar, a depender do caso – os despejos de imóveis. Ora via-se uma decisão de um juiz em um sentido, e não muito tempo depois o Tribunal a derrubava.

Num sobe-e-desce como esse, não faltaram argumentos. Inquilinos e proprietários viram-se sem saber o que fazer. Mas não parou no Judiciário.

Para regular o assunto, o Senado e a Câmara dos Deputados criaram projetos de leis para resolver a questão. Ainda em 2020 foi proposta a proibição de liminares de despejo pela lei chamada “Regime Jurídico Emergencial Transitório” (RJET). A ideia seria justamente proibir que o Judiciário emitisse ordens de despejo por decisões provisórias enquanto durasse a validade da lei.

Depois de muita discussão, o projeto foi aprovado pela Câmara e pelo Senado, com essa regra, até outubro de 2020. E a gangorra subiu.

O fluxo natural de um projeto de lei aprovado é de ser encaminhado à Presidência da República, para aprovar ou reprovar trechos da lei. E foi nesse momento que a gangorra desceu. O trecho em questão foi vetado com a justificativa de ferir o direito à propriedade.

Quando o projeto retornou ao Legislativo, coube ao Congresso Nacional (ou seja, a Câmara junto ao Senado) avaliar o veto em questão e julgar se seria derrubado. E foi. Seguindo o rito da Constituição, senadores e deputados aprovaram novamente a proibição da liminar de despejo. E a gangorra subiu.

A lei durou até outubro de 2020. À essa altura, proprietários e inquilinos tinham ciência que os efeitos durariam até certo tempo, e conviveriam com a incerteza de um novo sobe-e-desce da gangorra do despejo.

Pois aconteceu novamente. O PL 827/2020 foi proposto e aprovado pelos deputados e senadores, dessa vez prevendo a suspensão das liminares de despejo até 31 de dezembro de 2021. Dessa vez havia um limite para as liminares: imóveis comerciais com aluguel inferior a R$ 1.200,00/mês, assim como os residenciais com aluguel abaixo de R$ 600,00 teriam liminares de despejo proibidas. Sobe.

O projeto foi apreciado pela Presidência da República. O Poder Executivo vetou o trecho acima, a justificar a violação ao direito de propriedade e a possível má-fé de inquilinos na relação de contratos. Desce.

O Congresso Nacional analisou os vetos novamente. E os derrubou. Dessa forma, na última sexta-feira (08 de outubro) foram aprovadas leis que, dentre outros assuntos, suspenderão as liminares de despejo até o final do ano, respeitados os limites financeiros e outras regras legais.

A verdade é que ter uma regra que vale hoje sendo derrubada amanhã, ainda que pelos ritos da Constituição, gera insegurança jurídica. Isso aumenta os preços de aluguel. Isso modifica a relação de oferta e demanda. Põe à prova os inquilinos. Mazela proprietários. Ocupa a pauta do Congresso. Congestiona o Judiciário. E todo mundo sai perdendo.

A gangorra subiu e estará de pé até o fim do ano. Para alguns inquilinos, aparente vitória. Para alguns proprietários, aparente absurdo. A tendência é que no início do ano que vem, comece tudo de novo. Sobe-e-desce e em ano eleitoral, que parece estar longe de acabar.

Gangorra boa mesmo é a das crianças, que comemoram hoje o seu dia. E só. Curtam bem – e em segurança – os seus pequenos e aguardemos atentos pelo próximo ciclo da gangorra.

Tiago Almeida Alves é advogado graduado em Direito pela UFBA, pós-graduado em Direito Imobiliário, Urbanístico, Registral e Notarial pela UNISC-RS, membro da Comissão de Condomínio do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), e atualmente cursa o MBA em Gestão de Escritórios de Advocacia e Departamentos Jurídicos na Baiana Business School (Faculdade Baiana de Direito). Contato: [email protected]

Classificação Indicativa: Livre

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