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As lições das crises da Argentina e da Turquia

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Bnews - Divulgação

Publicado em 09/10/2018, às 22h42   Cairo Andrade*


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As recentes crises cambiais enfrentadas pela Argentina e Turquia estão gerando preocupações no mercado financeiro global. Durante o ano de 2018, as duas nações enfrentaram uma forte desvalorização das suas moedas perante o dólar e tiveram que recorrer a empréstimos externos para conseguir controlar a situação.

O peso argentino se desvalorizou em mais de 50% e a lira turca, 40%. A situação poderá se agravar ainda mais por causa da elevação da taxa de juros dos EUA anunciada no final de setembro pelo banco central americano FED, quando saiu de 1,75% para o intervalo de 2 a 2,25% ao ano.

Quando o governo americano decide elevar a sua taxa de juros, começa a ocorrer uma fuga de capitais em direção aos EUA, o que resulta em apreciação do dólar nas economias emergentes. Isso acontece porque se torna mais atrativo para os investidores colocar o seu dinheiro no mercado financeiro americano ao invés de manter os seus dólares nos países emergentes.

Apesar da taxa juro estadunidense ser relativamente baixa se comparada com a taxa de juros de outros países, o risco de se investir no mercado americano é bem menor, já que os EUA é uma das economias mais sólidas do mundo e, ao mesmo tempo, é o país emissor da moeda mundial de reserva. Embora este seja o fator principal, outras variáveis também contribuíram para a crise cambial na Argentina e Turquia.

Acontece que a Argentina se encontra com baixas reservas internacionais e déficits crescentes no comércio exterior e no balanço de pagamentos, especificamente em sua conta corrente. Esta inclui, além da balança comercial (exportações menos importações), a balança de serviços e rubricas como as transferências de dividendos empresariais para suas unidades em outros países. Esse saldo negativo precisa ser financiado por empréstimos ou investimentos estrangeiros, o que é cada vez mais desafiador em um momento em que as taxas de juros dos EUA estão subindo.

Outro problema é a sua dívida pública externa elevada e inflação crescente, a qual atualmente é de 34,4% ao ano. A principal razão para o aumento da dívida externa argentina se deve a política econômica adotada pelo governo de Maurício Macri. Para conseguir equilibrar suas contas internas, o governo decidiu emitir títulos públicos de curto prazo lastreado em dólar. Ressalte-se que mais de 60% da dívida externa argentina é denominada em dólares, o que aumenta a necessidade daquela moeda para financiá-la, enquanto o montante total da dívida corresponde a 59,3% do PIB.

A Argentina se encontra pressionada pelas desconfianças do mercado financeiro. Ao adotar uma política de elevada taxa de juros, como forma de atrair divisas em dólares, 60% ao ano, a pergunta que fica é: A argentina conseguirá pagar os seus credores?

A desvalorização acelerada do peso levou o governo argentino a recorrer, no mês de junho, a mais um empréstimo, dessa vez no valor de 50 Bilhões de dólares junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI).  
O caso da Turquia também vem chamando a atenção do público, uma vez que, durante o ano de 2018, a lira turca sofreu uma depreciação recorde de mais 40% em relação ao dólar e ao euro. No mês de agosto, o dólar equivalia 7,24 liras turcas. Alguns fatores colaboraram para a desestabilização da moeda turca, entre eles, a elevação dos impostos de importação de produtos turcos pelos Estados Unidos, a saber, 50% sobre o aço e 20% sobre o alumínio, e a elevação da taxa de juros americana.

Outro ponto a ser destacado e que agravou a situação da Turquia é o seu déficit no balanço de pagamentos. A Turquia tem déficit em conta corrente de 6,3% do PIB. Para alguns analistas a saída para evitar a fuga de capitais do país seria a elevação da taxa de juros (atualmente está em 17,75% ao ano). Porém, o presidente Recep Tayyip Erdogan revela-se contrário a adoção de uma política de elevação das taxas de juros.

Para segurar a desvalorização da sua moeda e conseguir de volta o nível confiança dos investidores nos mercados turcos, a Turquia teve que contar com a ajuda do governo do Catar. Aquele país realizou um investimento direto no valor de 15 bilhões de dólares nos mercados financeiros e bancos da Turquia, gerando liquidez de divisas em dólares no mercado financeiro. A Turquia e o Catar têm desenvolvido laços de proximidade desde 2014, quando as duas nações fecharam um acordo de implantação de uma base militar turca no território do Catar.

O cenário atual revela um futuro de dificuldades para os países emergentes. Com a elevação da taxa de juros americana e a alta do preço do barril de petróleo, que chegou ao seu maior patamar em quatro anos, pressões inflacionárias associadas à desvalorização da moeda doméstica podem surgir. A utilização de reservas cambiais pode ajudar no controle. Porém, os países que não tem disponível tais reservas enfrentaram agudas crises de especulação.

A forma segundo a qual os países emergentes estão inseridos no comércio internacional, através da exportação de commodities, revela as dificuldades que essas economias têm em manter uma taxa de câmbio estável. Por um lado, as exportações de mercadorias de baixo valor agregado é o principal meio que esses países têm para adquirir reservas em dólares. Em contrapartida, o pagamento dos juros da dívida externa, as remessas de lucros e dividendos pelas empresas multinacionais instaladas nas nações emergentes e o atraso tecnológico, que torna os países dependentes prisioneiros da importação de produtos de alta tecnologia, são, juntos, os responsáveis por criar uma balança de pagamento deficitária e, consequentemente, a necessidade de empréstimos em dólares para que estes países possam equilibrar suas contas externas.

*Cairo Andrade - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais da Universidade Federal da Bahia (NEC/UFBA). Graduando em Economia na Faculdade de Economia da UFBA.

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