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Agricultura no Brasil: setor estratégico que atende a todos?

Imagem Agricultura no Brasil: setor estratégico que atende a todos?
Bnews - Divulgação

Publicado em 14/11/2018, às 14h34   ¹Ludmila Giuli Pedroso, ²Paulo Jerônimo Rodrigues


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Não é de hoje que a indústria manufatureira brasileira está apresentando problemas para acompanhar a nova revolução industrial – indústria 4.0 – e o avanço das manufaturas asiáticas lideradas pela China. Resta ao setor agropecuário, como setor estratégico, conseguir níveis positivos de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em períodos de desempenho negativo da economia. Desse modo, um grande número de pesquisas sobre o setor foi propagado em meio acadêmico no Brasil, em uma tentativa de retirar o estigma negativo que o setor traz. 

Conduzindo a ideia de apoio e reconhecimento por parte do governo em relação à agricultura familiar, identificando ser um setor que gera cada vez mais pesquisa e inovação e ser possível a sobrevivência do produtor no cenário competitivo internacional. Contudo, problemas antigos como reforma agrária, responsabilidade ambiental e aspectos socioeconômicos do impacto da inovação tecnológica no campo são ainda “tabus” na discussão de políticas e propostas de desenvolvimento do setor.

Até mesmo pesquisas fundamentais, como o Censo Agropecuário realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que é de grande riqueza de dados para traçar um perfil de setor rural no Brasil e útil na tomada de decisão de propostas ao setor, carecem de verbas para a sua realização, metodologia coerente para traçar evolução e periodicidade da pesquisa.

Assim, responsável pela elaboração dos dados sobre agricultura e pecuária no Brasil, com atraso de 14 anos, o Censo Agropecuário divulgado apresentou seus resultados sobre o setor rural brasileiro. O último levantamento de informações sobre a produção e a característica da agropecuária no país foi realizado em 2006. Vale ressaltar a periodicidade da pesquisa, que é quinquenal desde a década de 1970. Mas, nos anos mais recentes como 1990, 2000, 2010, ela não foi realizada. 

No decorrer, houve uma defasagem das informações sobre a agropecuária, em comparação ao censo das informações nacionais gerais, o que prejudicou o reconhecimento da realidade em voga para formulação de políticas públicas e novas pesquisas sobre o tema. Principalmente no que se refere aos estudos de pequenas propriedades rurais que não possuem estrutura financeira para arcar com os custos de atualização de seus números.

Além do atraso, a principal fonte de investigação estatística sobre a produção agropecuária do país enfrentou restrições orçamentárias do governo federal, com metade dos recursos previstos. Nesse caso, o método de trabalho teve que se adaptar à realidade de menos recursos e menos pesquisadores em campo para executar a pesquisa. Por isso, questões essenciais para o estudo da realidade agropecuária não foram detalhadas, como o uso de agrotóxicos e produção vegetal, e as estatísticas relacionadas à agricultura familiar também não foram divulgadas no resultado preliminar revelado em agosto de 2018. 

No último Censo, o corte de gastos implicou na mudança metodológica para adequar os recursos disponíveis para execução da pesquisa. Além disso, a ausência na unidade metodológica entre os censos não ajuda na comparação com os demais dados pesquisados desde 1920. Muitas vezes, estão relacionadas às questões políticas, institucionais e financeiras da União.

Os resultados preliminares apresentados pelo IBGE na pesquisa recente indicam maior concentração de terras, com a queda do número de estabelecimentos, aumento uso de agrotóxicos na lavoura em mais de 20% e predominância de homens na direção das propriedades rurais e pretos e pardos no trabalho rural. Em relação às lavouras, vale atentar que 87% delas estão sujeitas à utilização temporária, e não permanente. Isso deixa claro o fator capital como motor de produtividade e aumento de produção, através de mecanização, irrigação, tecnologia da informação através da internet e, mais recentemente, o uso da agricultura de precisão.

Logo, tais informações traduzem a explicação da expansão da fronteira agrícola, na qual vem, cada vez mais, sendo rompida pelo setor da agricultura empresarial com a produção de grãos. O Pará e o Mato Grosso do Sul lideram o crescimento da área plantada, acima da média nacional, que, aliás, em sua grande maioria foi de queda. O Mato Grosso lidera a produção de soja e de milho no país, quando não é líder em nenhum dos dois produtos em números de estabelecimentos, porém a alta produtividade responde os seus resultados.

Quanto aos resultados da expansão tecnológica, o avanço das técnicas de produção no campo para aumento da produtividade no último período é evidente, como nos programas do governo federal com linhas especiais de financiamento para máquinas e equipamentos no campo, seja para pequenos ou grandes produtores. Esse resultado é representado na queda de trabalhadores ocupados no campo e no aumento, por exemplo, de 407 mil tratadores em comparação à 2006. Esse dado representa um acréscimo de 49%. 

Segundo o Censo Agropecuário, 15% dos estabelecimentos possuem apoio financeiro do setor governamental, principalmente no que tange ao financiamento da agricultura familiar. Tendo em vista que linhas especiais de financiamento como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) são responsáveis por 76% do apoio do governo, vale ressaltar que esse setor tem relevante a participação na agricultura e segurança alimentar no Brasil, pois, em 2006, a agricultura familiar produziu 70% dos alimentos que chegaram à mesa dos brasileiros e representou 86% dos estabelecimentos. 

Do mesmo modo como veio sendo negligenciado, com a força da bancada ruralista no Governo Temer, marcou uma inflexão para retrocessos em setores estratégicos do país para o papel do Estado como fomentador de políticas públicas e investimentos no meio rural, principalmente para os pequenos produtores. E, por fim, ao extinguir o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), o governo nega a visão econômica da agricultura familiar e a responsabilidade com a segurança alimentar no país. Além disso, Bolsonaro reafirmou seu compromisso com a bancada ruralista e acatou a indicação de Tereza Cristina (DEM-MS), uma das principais defensoras de mudanças legislativas para facilitar o uso de agrotóxicos, para o Ministério da Agricultura. E para agricultura familiar? Sem gestos e propostas: aguardaremos as cenas dos próximos capítulos.

¹Ludmila Giuli Pedroso – Pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais (Nec) da UFBA. Doutoranda em economia pela Universidade Federal da Bahia. Mestre em economia aplicada pela Universidade Federal de Alagoas

²Paulo Jerônimo Rodrigues – Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (Nec) da UFBA. Graduando em economia pela Faculdade de Economia da UFBA.

Classificação Indicativa: Livre

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