Política

O Doutrinarismo de Bolsonaro e as Relações Internacionais

Imagem O Doutrinarismo de Bolsonaro e as Relações Internacionais
Bnews - Divulgação

Publicado em 20/11/2018, às 16h23   *Luiz Filgueiras


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O Presidente eleito Jair Bolsonaro nem bem tomou posse e já criou vários problemas para o país na área internacional. Com declarações de intenções, opiniões e o anúncio de medidas a serem implementadas pelo seu futuro Governo, concernentes às relações externas do Brasil, conseguiu gerar atritos com a China (o maior parceiro comercial e maior investidor no país), o MERCOSUL (o mais importante comprador de manufaturados brasileiros) e os países Árabes (o principal importador de proteína animal). 

Adicionalmente, criou um problema diplomático com Cuba, induzindo esse país a se retirar do acordo que deu origem ao “Programa Mais Médicos”; o que levará à saída dos médicos cubanos do Brasil. Para completar, o seu futuro Ministro da Casa Civil também conseguiu gerar arestas com a Noruega, país que é o principal doador internacional do combate ao desmatamento da Amazônia brasileira.

Com relação à China, que propiciou ao Brasil um superávit comercial de US$ 20 bilhões só este ano (até setembro), Bolsonaro fez comentários dúbios sobre a possibilidade de vir a romper acordos comerciais, acusando-a de ser um “predador” que busca dominar setores-chave da economia brasileira. O governo chinês reagiu duramente, alertando para as graves consequências que adviria para a economia brasileira, caso o Brasil acompanhe a linha da política externa de Donald Trump.

O MERCOSUL, por sua vez, foi definido, pelo futuro Ministro da Economia de Bolsonaro, como um bloco “totalmente ideológico”, constituindo-se em uma “prisão cognitiva” (?), em que só se negocia com “gente que tiver inclinações bolivarianas”; por isso não será prioridade para as relações comerciais do Brasil. A consequência, obviamente, foi criar um mal-estar entre os demais participantes do bloco, deixando-os bastante apreensivos com relação ao futuro do grupo.

Quanto aos países árabes, o imbróglio ficou por conta da declaração de Bolsonaro de que iria transferir a embaixada brasileira de Telavive para Jerusalém, de acordo com a vontade e o pedido do Governo de Israel. Até agora só os EUA fizeram essa transferência, ignorando o reconhecimento pela comunidade internacional de que Jerusalém também é um lugar sagrado para os palestinos - que desejam fazer dela (ou de parte dela) a sede de seu futuro Estado. A reação do mundo árabe foi imediata, fazendo-se sentir no cancelamento de uma visita do chanceler brasileiro ao Egito, conforme decisão do governo deste país.

  No caso dos “Mais Médicos”, o que aconteceu não foi um “rompimento unilateral” de Cuba com o programa, mas uma grosseira provocação de Bolsonaro, ao anunciar que exigiria mudanças nos seus termos - desrespeitando a Organização Pan-americana da Saúde (OPAS), instituição que intermediou o acordo com o governo cubano. De todos os eventos citados, de longe este é o mais grave, não apenas por evidenciar um anticomunismo anacrônico e uma crença delirante na existência de uma suposta “ameaça comunista”; mas, principalmente, porque terá efeitos deletérios imediatos sobre a saúde pública do país, atingindo as populações mais pobres e fragilizadas, assim como centenas de municípios - tendo em vista a dificuldade para repor a ausência dos médicos cubanos.

É bom lembrar que o “Programa Mais Médicos” só surgiu, e foi implementado, porque não havia médicos brasileiros, em número suficiente, dispostos a trabalhar em locais pobres e remotos - conforme as necessidades do país. Mas, quem sabe agora, com o entusiasmo da maioria dos médicos com a eleição de Bolsonaro, se consiga “voluntários” em número suficiente para substituir os cubanos. 

Todos esses eventos são produtos de uma visão de mundo doutrinária, binária e tosca de Bolsonaro e os seus seguidores, na qual os países são divididos entre “os do bem” e “os do mal”, comunistas e anticomunistas, pertencentes ao Ocidente ou ao Oriente, cristãos e mulçumanos. Visão essa adotada e difundida pelo Governo Trump, própria do denominado movimento neoconservador americano - que acredita na existência de uma guerra cultural-religiosa entre a Civilização Ocidental (Estados Unidos e parte da Europa) e os que estão fora dela (inclusive a América Latina e o Brasil). Um movimento “antiglobalização”, que considera os EUA a nação eleita por Deus (destino manifesto); que mistura fortemente religião (fundamentalismo evangélico) e política; que prega valores reacionários no âmbito do comportamento, dos costumes e da cultura; que defende um neoliberalismo nacionalista, destacando o individualismo e o empreendedorismo (“faça você mesmo”), cuja tradução religiosa é a chamada “teologia da prosperidade”.

Essa ideologia de extrema direita, como toda e qualquer ideologia, é uma forma de compreender o mundo e a sociedade, que orienta a percepção e, o mais importante, a ação das pessoas e de grupos sociais; portanto tem efeitos e consequências práticos - para o bem ou para o mal. Os indivíduos e grupos sociais, mesmo que não saibam, ou se recusem a perceber, estão todos influenciados por alguma visão de mundo que pauta, circunscreve, limita e justifica os seus valores (ético-morais, culturais e políticos), juízos e ações. Não há exceções; a não ser que acreditemos que “a ideologia é que nem o mau hálito, só o outro tem”, frase de um sociólogo inglês para ironizar aqueles que se consideram neutros e puros, infensos a qualquer ideologia.

Como se sabe, Bolsonaro e seus seguidores criticam, desde sempre, a política externa dos Governos Lula e Dilma, qualificando-a de ideológica e não pragmática (na defesa dos interesses do país): segundo eles, a sua forte ênfase nas relações Sul-Sul (Brasil, América Latina e África) e a não prioridade no estabelecimento de acordos bilaterais (com os EUA e a União Europeia), assim como ações independentes desses Governos com relação às propostas e à política externa dos EUA (rejeição à ALCA, a forma de tratar as crises da Venezuela, Paraguai, Bolívia, Honduras e do Irã, além da relação amistosa com Cuba), seriam expressões da falta de pragmatismo na defesa dos interesses brasileiros, que estariam sendo prejudicados por uma política externa conduzida de “forma ideológica”.
Mas, os eventos protagonizados por Bolsonaro, e seus seguidores, evidenciam duas coisas: 1- como não poderia deixar de ser, eles são produto de uma visão ideológica (visão de mundo) acerca de como entender e definir as relações internacionais e a política externa do país; e 2- são exemplos de como uma ideologia, alçada à condição doutrinária tosca (anticomunismo anacrônico e fundamentalismo religioso) e politicamente subserviente aos EUA, pode provocar estragos importantes nas relações internacionais do país e, por consequência, prejudicar seus interesses nacionais.

Para piorar, o futuro Ministro de Relações Exteriores, anunciado recentemente por Bolsonaro, reza na cartilha dos neoconservadores americanos e acredita que Donald Trump salvará a Civilização Ocidental dos bárbaros. Caso essa visão de extrema direita, belicosa e servil aos EUA, prevaleça na condução da política externa brasileira nossos problemas diplomáticos e comerciais tenderão a se multiplicar. 

*Luiz Filgueiras - Professor Titular de Economia da Universidade Federal da Bahia - Ufba

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