Educação

A qualidade na Educação e as gratificações aos professores a partir do desempenho de estudantes

Imagem A qualidade na Educação e as gratificações aos professores a partir do desempenho de estudantes
Bnews - Divulgação

Publicado em 27/12/2018, às 08h37   Penildon Silva Filho*


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No presente mês de dezembro de 2018, foi enviado um projeto de Lei para a Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) que propunha uma mudança profunda nas bases de remuneração dos docentes da rede estadual de ensino da Bahia, introduzindo uma condicionalidade para os professores receberem as gratificações por qualificação, que apenas seriam concedidas àqueles que estivessem em escolas cujos estudantes atingissem determinados níveis de desempenho escolar. Considero um debate válido, pois foi certamente provocado pela necessidade da Bahia melhorar os seus resultados da Prova Brasil e do IDEB e, mais importante ainda, pensar uma estratégia para a melhoria da Educação baiana, tendo como referencial o que consideramos como Educação de qualidade, e demonstra o interesse do governo estadual com a política pública da Educação.

Entretanto, o Projeto de Lei 22.985/2018 não deixa claro qual será o instrumento de aferição desse desempenho, nem os critérios que seriam usados na definição das metas ou a metodologia de aplicação desse sistema novo, nem propõe um espaço de diálogo com a comunidade escolar e a sociedade sobre esses critérios. Por esses motivos e pela compreensão de que esse não é o melhor caminho para elevar os níveis de conhecimentos dos nossos alunos, coube-me discutir aqui alguns pontos para contribuir com esse debate.

O PL 22.985/2018 foi inserido no momento do ajuste administrativo estadual apresentado à Assembleia Legislativa, um conjunto de medidas que visava resistir no âmbito das finanças estaduais ao impacto da crise econômica provocada pela desestabilização política que resultou no golpe de direita que depôs a presidente Dilma e maculou a eleição presidencial de 2018 com uma atuação judicial e midiática que tirou o candidato Lula do páreo, que com certeza seria eleito. É importante fazer essa ressalva para constituirmos um quadro mais geral das condições em que o Brasil vive, que impactam nas políticas públicas de todos os entes federados, e a Bahia tem se destacado pela resistência a esse processo de desestabilização e de imposição de receitas neoliberais do governo Temer/Bolsonaro, de profundos ataques aos direitos sociais e destruição do Estado Nacional, como por exemplo o que está sendo provocado pela emenda constitucional 95 de congelamento dos gastos sociais por 20 anos. E essa resistência baiana é louvável.

Entretanto o presente projeto 22.985/2018, que altera a lei 8.261/2002, não se trata apenas de uma iniciativa para reduzir os investimentos nas gratificações ao aperfeiçoamento profissional, o que por si mereceria um cuidado maior na relação com os professores para sua negociação, mas de um novo paradigma dessa gratificação, que passa a ser condicionada à “melhoria do ensino”, pois no artigo 82 alterado pelo PL em questão, inciso V, é colocado que a concessão da gratificação é condicionada ao “alcance de meta anual de desempenho pela unidade escolar de lotação do professor ou do coordenador pedagógico.” Coloca-se a gratificação ao docente vinculada a um “indicador de permanência e sucesso escolar”, como está dito no parágrafo 4º do mesmo artigo.

Embora essa medida de vincular gratificações ou outras formas de remuneração ao desempenho dos alunos tenha sido aplicada em outras gestões estaduais e municipais, não há nenhuma evidência de que houve melhoria dos índices do IDEB com esse mecanismo e não há estudo nenhum que comprove a eficácia desse artifício. Na verdade, há uma ampla literatura contrária a essa adoção e indicando outras formas de melhorar a Educação.

Em outubro de 2017, a UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura lançou o Relatório de Monitoramento Global da Educação, apresentado simultaneamente em Brasília, Londres (Reino Unido) e Maputo (Moçambique). A UNESCO sustenta em seu documento oficial, apoiado por várias pesquisas, que essa medida de “vinculação da remuneração de professores ao desempenho dos estudantes como estratégia para melhorar a qualidade da Educação promove desequilíbrios e não teve resultados expressivos nos países que a adotaram. O documento faz diversas menções ao Brasil, destacando denúncias de desvios de recursos (em estados e municípios), a baixa performance dos alunos do ensino médio em ciências, mas elogia a participação popular na construção do Plano Nacional de Educação (PNE).” Conheça o relatório no link.

Na minha opinião, a aprovação de um mecanismo tão profundo como esse do PL 22.985/2018, que altera a filosofia da gestão na Educação, demandaria maior debate, abrindo-o para os profissionais da Educação, com os gestores, com as universidades, os pais e alunos, além da Sociedade como um todo. Deve haver essa abertura do diálogo com os profissionais da Educação e a Sociedade em geral para pensarmos e implementarmos um novo projeto de Educação, que tenha a “implicação” de todos no processo, incluindo o professor, e evitarmos a “responsabilização” dos docentes pelo fracasso ou sucesso escolar, o que não resolve o problema, aumenta as tensões e distorce o processo educativo.

Há dezenas de artigos científicos, além do relatório da UNESCO que tem referência internacional, apresentando resultados de pesquisas sobre esse tema, e trago aqui a citação de apenas um, o de Márcia Aparecida Jacomini e Marieta Gouvêa de Oliveira Penna, intitulado “Carreira docente e valorização do magistério: condições de trabalho e desenvolvimento profissional”, que afirma, trazendo várias outras referências em seu interior para quem quiser pesquisar e entender melhor sobre Educação: “Iniciou-se, muitas vezes sem considerar as condições de realização do processo educativo escolar, um processo de responsabilização do professor pela pouca aprendizagem dos estudantes, verificada nas avaliações externas. Desse debate resultou a defesa, por parte de políticos, acadêmicos (Abreu & Balzano, 2001; Vegas & Umansky, 2005) e de setores da sociedade, da vinculação do salário dos professores ao desempenho dos alunos, como forma de melhorar a qualidade do ensino. Entrementes, esse tipo de medida tem recebido críticas porque incentiva a preparação do aluno para a realização de provas e não necessariamente garante a aprendizagem e a Educação a que todos têm direito (Dolton, Mcintosh, & Chevalier, 2003; Ravitch, 2010).”

Não se deve responsabilizar unicamente os professores pelo sucesso ou pelo fracasso dos índices escolares porque sabemos que outras variáveis são também muito importantes para o desempenho de nossos alunos. Há pesquisas empíricas que indicam que variáveis sociais e econômicas pesam muito mais no desempenho dos alunos do que a ação dos professores, assim como outras variáveis fundamentais, como de estrutura física das escolas, características da gestão escolar, clima organizacional, a existência de todo o quadro docente em todas as áreas ou não e até a incidência de racismo, preconceitos de gênero ou sexuais e outros preconceitos sobre o aprendizado dos alunos, como ficou claro em pesquisa feita pela FIPE/USP a pedido do INEP/MEC em 2009, na gestão do então ministro da Educação Fernando Haddad, pesquisa que está disponível em internet. O nome desta última pesquisa é “Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar”, realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) a pedido do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O relatório completo ainda pode ser acessado neste link (aconselhamos que baixem logo antes que retirem da rede).

Outra pesquisa, o “Relatório Coleman”, provavelmente o primeiro de muitos estudos que se dedicaram à análise das variáveis sociais, econômicas e culturais na Educação, foi encomendado pelo Congresso norte-americano em 1965 numa conjuntura de busca de diminuição das desigualdades na Educação e de estratégias que garantissem a equidade na Educação. A agência do governo que fez a encomenda pedia para demonstrar que mais dinheiro para as escolas promoveria a igualdade de resultados entre ricos e pobres, brancos e negros. A pesquisa abrangeu dados coletados com milhares de professores, escolas e quase 600 mil alunos de nível equivalente ao das nossas séries finais no Ensino Fundamental.   

Mas o pesquisador James Samuel Coleman não aceitou a premissa de que apenas mais recursos financeiros nas escolas resolveriam o problema da qualidade da Educação e encontrou um quadro mais complexo, e igualmente instigante e interessante nas relações entre escola e Sociedade. Coleman nos apresentou três conclusões, como João Batista Araújo e Oliveira resumiu em artigo no jornal O Estado de S.Paulo em 2016: “1) a quantidade de dinheiro ou o tipo de insumo nas escolas não explica, por si só, o resultado de seus alunos; 2) o fator que mais explica o desempenho é a composição socioeconômica da escola; e 3) determinado tipo de estabelecimento de ensino – no caso, os católicos – tem impacto diferenciado e isso se deve a valores comuns entre casa e escola. Coleman demonstra que as escolas fazem diferença, sim, mas não é colocando mais dinheiro ou mais insumos nelas que os alunos vão aprender mais ou melhorar seu desempenho.” Acrescentamos que se analisa aqui que não especificamente valores católicos seriam superiores, mas o fato de haver valores comuns compartilhados entre escola e comunidade, que poderiam ser outros que não os católicos, assim como valores compartilhados dentro do ambiente escolar, o que traz luz mais uma vez sobre a importância das condições sociais e econômicas da população e da necessidade da integração cultural das instituições escolares com as comunidades.

Apesar dessas conclusões que relativizavam o aporte de recursos financeiros, devemos ter parcimônia com esse raciocínio, afinal um mínimo de recursos sempre é fundamental para um funcionamento digno das escolas e para que haja uma carreira docente minimamente atrativa, caso contrário continuaremos a ter dificuldade de atrair os jovens para o magistério. A proposta de custo-aluno-qualidade, contida no Plano Nacional de Educação (PNE) do Brasil, como garantidora de um patamar mínimo de investimento em Educação não se contrapõe às evidências de Coleman.

Ainda segundo Coleman, o desempenho dos alunos depende dos valores do grupo majoritário dentro das escolas. Quando um grupo majoritariamente tem valores de valorização do estudo e da busca por um sucesso acadêmico visando um crescimento pessoal e profissional, a tendência é que o grupo de jovens influencie toda a comunidade, e de forma mais decisiva do que os professores e até os pais.

Apesar de limitações no estudo, Coleman foi o primeiro a apontar que não é a Escola o principal fator que determina o sucesso escolar, mas principalmente a origem familiar e as oportunidades sociais que as crianças e jovens têm. O relatório dessa pesquisa também indicou que escolas com mesmos recursos financeiros têm resultados diferentes a depender do clima escolar, da gestão, das iniciativas dos professores e do envolvimento da comunidade. Quando se trabalha com Educação nunca se tem apenas uma variável que mudará todo o sistema de forma rápida, ou uma solução rápida e milagrosa que alterará todo o quadro.

Uma conclusão que têm implicações nas políticas de Educação é que o aluno, entendido como ser bio-psico-social, deve ser foco de atenção de políticas de Saúde, de Assistência Social e de Psicologia se quisermos que ele tenha sucesso escolar, e não somente foco de políticas tradicionais setorizadas da Educação. A experiência feita no município brasileiro de Taboão da Serra-SP, do “professor de família”, inspirado no “médico de família”, pagava um salário para as professoras visitarem as famílias de alunos, e seus resultados positivos no IDEB demonstraram a importância de ter políticas que foquem no aluno como ser social e a levar em conta a origem social do mesmo, sua história e necessidades específicas para garantir o aprendizado.

A qualidade da Educação está também ligada à estrutura física das escolas, à formação inicial e continuada de professores, à definição de um currículo com participação das comunidades escolares, à inovações pedagógicas e metodologias ativas visando à formação científica, cultural, cidadã e crítica do aluno. A qualidade depende de um acompanhamento da aprendizagem não somente de Português e Matemática, mas das demais áreas do conhecimento pelos professores, pelos coordenadores pedagógicos, por núcleos de acompanhamento pedagógicos regionais que tenham a avaliação como instrumento que auxiliem os gestores e os docentes a tomarem decisões para garantir o direito à aprendizagem dos alunos. A gestão de pessoal da rede assim como dos processos administrativos em geral deve estar subordinada à prioridade pedagógica, os meios não podem se sobrepor aos fins.

Há muita literatura sobre a qualidade na Educação, mas há algumas estratégias a serem realçadas para atingir a qualidade “socialmente referenciada na Educação”, como por exemplo: 1) Tempo de aprendizagem escolar elevado; 2) Trabalhos de casa frequentes e monitorizados; 3) Monitorização frequente do progresso dos alunos; 4) Currículo organizado com coerência; 5) Variedade de estratégias de ensino; 6) Oportunidades para a responsabilização dos alunos. Todas são estratégias articuladas com as apontadas anteriormente.

O PL, ao vincular a gratificação ao atingimento dos índices da escola, responsabiliza unicamente os professores pelo processo e cria um impasse na relação com esses profissionais, que deveria ser de parceria e diálogo para termos sucesso na melhoria da Educação. O PL deixa de definir o indicador “de permanência ou sucesso escolar”, ou se será ainda criado pela gestão estadual. Por outro lado, o PL acaba com as gratificações para cursos de menos de 360 horas, e o Instituto Anísio Teixeira (IAT), órgão da secretaria da Educação responsável pela formação de professores, ofertava muitos cursos de menos de 360 horas, assim como o MEC, mas agora sem a gratificação os professores não terão mais estímulo para fazer esses cursos. Coloca-se agora a necessidade de se ter uma política de formação e de valorização dos profissionais da Educação da Bahia, e com certeza a oportunidade aberta com esse debate propicia a elaboração dessa política.

No artigo 84 do PL em questão, é dito que “A concessão da gratificação de Estímulo ao aperfeiçoamento profissional e à Melhoria do Ensino dar-se-á por ato de autoridade competente, nos termos estabelecidos em regulamento próprio.” Assim a concessão da gratificação pode ocorrer ou não, de acordo com a decisão do gestor, em regulamento ainda a ser feito, o que é muito vago. Não há previsibilidade desse direito, cria-se uma insegurança que deve resultar em um desestímulo à carreira docente e à formação continuada. No artigo 82, inciso IV, está escrito “que o curso (feito pelo professor) tenha sido promovido pela Secretaria da Educação ou instituições públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, devidamente reconhecidas pelo MEC”. Apenas as instituições brasileiras são reconhecidas pelo MEC, e da maneira como está redigido cria-se uma possibilidade de insegurança jurídica.

Por fim, mas não menos importante, no debate mais amplo sobre os caminhos da Educação brasileira, quem estuda e exerce a política e a gestão da Educação às vezes é arguido que haveria supostamente uma necessidade de intervenção mais “administrativa” na Educação, mais de “Gestão”, que se deve “deixar de lado questões muito pedagógicas para dar lugar a uma visão de administrador”. É interessante estudar o que um teórico da Administração fala sobre gestão, Peter Drucker, talvez o mais lido nesse campo. Em seu livro “O Legado Vivo de Peter Drucker – Livro oficial da Peter F. Drucker and Masatoshi Ito Graduate School of Management”, no seu capítulo 3, “Liderando Profissionais do Conhecimento: Além da Era de Comando e Controle”, de autoria de Craig L. Pearce, temos uma elaboração muito concernente à Educação. No mundo atual, cada vez mais se trabalha em equipes de profissionais do conhecimento, que trocaram o trabalho manual ou repetitivo pelo trabalho intelectual para enfrentar tarefas mais complexas. Nesse contexto perde relevância a liderança vertical e hierárquica e ganha importância a liderança compartilhada, quando cada um dos integrantes da equipe de trabalho técnico/intelectual pode contribuir de forma profunda, assumindo a liderança em determinado momento, num trabalho mais colaborativo. Os próprios trabalhadores vão tendo uma elevação do seu nível educacional e demandam do trabalho não apenas uma remuneração, mas a busca por um sentido para o mesmo e pela realização pessoal. Eles exigem um “impacto significativo” através de seu conhecimento técnico nos trabalhos em equipes de liderança compartilhada.

Nas palavras do autor do capítulo, Drucker entendia que “A pesquisa sobre esse tópico é muito clara: ela indica que os grupos com desempenho medíocre têm a tendência de ser dominados por um líder nomeado, enquanto os grupos com alto desempenho demonstram padrões de liderança mais dispersos, isto é, eles compartilham a liderança”. Trouxe essa contribuição do campo da Administração para demonstrar que o envolvimento da comunidade escolar e da rede como um todo é importante, democrático e mais eficaz, e para isso utilizo uma abordagem do campo de conhecimento de Gestão/Administração, e que não é estranha ao campo da Educação.

*Penildon Silva Filho é doutor em Educação e professor da Ufba. Escreve para o BNews às quintas-feiras.

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