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Financeirização no Brasil e os impactos no setor industrial

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Bnews - Divulgação

Publicado em 08/01/2019, às 21h34   Yuri Dantas


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O conceito de financeirização abrange o fenômeno em que o ambiente macroeconômico favorece as alocações financeiras de capital em detrimento das alocações diretamente produtivas, substituindo a dinâmica anteriormente existente por uma estruturalmente articulada segundo os princípios da lógica financeira. Esse processo é sustentado por uma crescente introdução de inovações financeiras e alternativas às imobilizações do capital, como a criação de derivativos, swaps, títulos, etc., assim como o desenvolvimento das novas tecnologias da comunicação e da informação.  Diante da possibilidade de enriquecimento privado muito mais tentadora para os detentores de capital, temos a migração parcial de uma acumulação produtiva para uma acumulação financeira. Parcial porque a acumulação financeira, embora ganhe uma autonomia significativa, não pode ser completamente desligada da esfera produtiva.

Destarte, quando o capital encara um elevado grau de incerteza e limitações nas oportunidades lucrativas de investimento, ele busca alternativas em capitais altamente líquidos. E a esfera financeira supre as necessidades sob essas circunstâncias. Assim, a realocação de recursos se dá pela possibilidade de expansão dos preços dos ativos financeiros ou pelos altos spreads entre as taxas de juros de ativos e passivos. No entanto, para se manter a atratividade do mercado financeiro, é preciso readaptar as próprias configurações institucionais do país, como a mudança de um regime monetário inflacionário para um desinflacionário - que eleva a diferença entre as taxas de inflação da esfera produtiva e da esfera financeira – ou a securitização da dívida pública. 

No âmbito social, a financeirização tem também impactos na relação salarial, como o aumentando a desigualdade de renda. Por exemplo, classes alta e média-alta investiriam a sua renda extra no mercado financeiro e ganhariam retornos com isso, ao contrário das demais classes sociais. Outro fator a ser destacado é a inserção forçada dos trabalhadores assalariados na esfera financeira, seja para assegurar rendas sociais por meio de privatizações no sistema previdenciário, seja para manter o padrão de consumo por meio de endividamentos relacionados à compra de moradias e bens duráveis – geralmente quando o país enfrenta estagnação ou declínio nos salários reais.

Assim, a financeirização requer mudanças significativas nas normas políticas e sociais, e é nessa necessidade que surge o empecilho, especialmente para os países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Um dos problemas provenientes da financeirização é a significativa perda de autonomia dos Estados nacionais que, ao invés de desenvolver e implementar estratégias para o desenvolvimento socioeconômico sustentável, passa a redirecionar seus esforços para atender as demandas da alta finança, que por sua vez não tem como prioridades atender a objetivos sociais. Deste modo, o papel submisso adotado pelo Estado frente ao setor financeiro apresenta-se como um debilitante estrutural para a concretização de estratégias de desenvolvimento nacional, principalmente para os países inseridos em uma realidade periférica (alto grau de abertura comercial e forte contraste socioeconômico), como o Brasil.

Essa submissão é determinante à inserção dos países periféricos no mercado financeiro e à consequente guinada de seus respectivos Estados para o desenvolvimento das instituições necessárias para a acumulação rentista-patrimonial. Como efeito colateral, temos a criação de obstáculos estruturais para o investimento produtivo, e a possível perpetuação desses países como periferia. Como está inserido no contexto periférico, o Brasil, ao adentrar no mercado financeiro, encara essas dificuldades para superar o seu status e atingir o desenvolvimento nacional. Inicialmente, é preciso entender o histórico que levou o Brasil ao processo de financeirização. 

Nas décadas de 1980 e 1990, a conjuntura de fraco desempenho econômico enfrentado pelo país guina as estratégias de crescimento para a estabilização, trazendo condições institucionais para a liberalização comercial e financeira provenientes do processo de globalização. A adoção da ideologia neoliberal inviabiliza a retomada de um projeto nacional de desenvolvimento socioeconômico. Entre as características do novo plano político-institucional, destaca-se as privatizações e desnacionalizações de grandes estatais; a reconfiguração da forma de inserção internacional; reformas monetárias e medidas de sustentação da acumulação bancária e financeira; reformas política, de seguridade social, no sistema tributário e administrativa. 

Portanto, a partir dos anos 1990, o padrão neoliberal de inserção do Brasil trouxe reflexos para a configuração das formas institucionais graças ao acesso aos mercados globais o que hegemoniza o setor financeiro. Com a liberalização financeira e comercial do período, a financeirização restringe as ações do Estado ao fazê-lo priorizar os interesses do capital à custa do social, desfavorecendo a formulação de estratégias nacionais de desenvolvimento socioeconômico. No geral, países imersos nas finanças não são capazes de harmonizar o conflito de interesses que emerge das relações Estado-capital financeiro. 

Outro problema da inconsequente financeirização e inserção internacional vivenciada pelo Brasil é a deterioração do setor industrial. Além de interromper as políticas econômicas e industriais associadas ao modelo de substituição das importações que usavam do protecionismo como estratégia de desenvolvimento, o processo de liberalização comercial e financeira trouxe consigo uma forte apreciação cambial e alarmou as desvantagens competitivas gritantes no setor intensivo em tecnologia da indústria brasileira. Como resposta, as exportações brasileiras se especializaram em commodities e bens de baixa intensidade tecnológica, e a participação da indústria de transformação no PIB decresceu significantemente, o que poderia sinalizar um possível processo de desindustrialização do Brasil. Além disso, o Brasil tornou-se dependente da importação de bens de alta intensidade tecnológica, o que justifica sua posição periférica. 

Portanto, o atual modo de regulação neoliberal brasileira é desfavorável para a consolidação industrial – setor chave para o desenvolvimento nacional, mas altamente vantajosa para a acumulação financeira, no quesito dívida pública, derivativos e produtos financeiros similares. Além do baixo nível de investimento e a desindustrialização anteriormente citados, a financeirização também tem como consequências macroeconômicas dificuldade em manter níveis satisfatórios de crescimento; altos níveis de flexibilização e informalização laboral; alto nível de dependência em fundos públicos para financiar investimentos produtivos de longo prazo; e alta dependência da entrada de capitais estrangeiros, que é encorajado pelos preceitos neoliberais. Todas essas consequências dificultam o crescimento produtivo nacional e perpetuam seu subdesenvolvimento e a sua posição periférica no sistema mundial. 

*Yuri Dantas - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Graduado em Ciências Econômicas pela UFBA e Mestrando em Economia pela Ufba.

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