Política

Salvador ainda carece de mãos negras

Imagem Salvador ainda carece de mãos negras
Bnews - Divulgação

Publicado em 12/01/2019, às 18h38   Ailton Ferreira


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Em 2015, ativistas e personalidades negras de Salvador ensaiaram discussões sobre uma candidatura negra para Salvador, considerada a Roma Negra, com 80% de pessoas negras na sua população. Em artigos publicados em jornais baianos, fui o autor do artigo “ Mãos negras para Salvador”, gerando um debate público com o tributarista, professor e vereador Edvaldo Brito, que sugeriu um seminário para tratar o tema. Vale lembrar que o professor Edvaldo Brito, ocupou a Prefeitura de Salvador num mandato tampão em 1978, sendo a única experiência de um gestor negro na cidade mais negra fora do continente africano.

Sabemos que a construção da identidade é um processo de mão dupla, de diálogos que afirmam e reconhecem. E neste quesito estamos reprovados, pois há 467 anos repetimos para o nosso povo, principalmente para os nossos jovens: "que eles não servem para governar", "que eles servem apenas para obedecer". Este discurso escrito com letras, gestos e símbolos, contribui para aumentar a introjecção do auto desvalor e moldar relações sócio-raciais desequilibradas.

A presença negra na Prefeitura de Salvador é mais do que uma questão partidária, é sobretudo uma questão didática empoderadora, é uma questão de cura para uma cidade doente, posto que está partida, uma cidade que não se percebe por inteira quando se olha no espelho.

Agora, o tema volta ao foco com relação a 2020.  O deputado federal Valmir Assunção, dentre outros nomes, é sempre lembrado e já anunciou que topa o desafio.  O parlamentar está no terceiro mandato na Câmara dos Deputados, foi o deputado estadual autor da Lei que criou o Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa do Estado da Bahia e foi também o secretário de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza no governo Jaques Wagner. Repito o que foi escrito na primeira edição do “Mãos Negras”: Salvador precisa de cuidado, de chás de ervas, dos mingaus que saram. A nossa cidade precisa de mãos negras que lhe façam carinho, mãos com o afeto e a ternura de quem sabe cuidar.

Salvador precisa resgatar as famílias comunitárias, as famílias negras que cuidavam dos filhos do mundo, das crianças da comunidade. Aprendemos a ser criados por mães e pais, que sempre cuidaram de pessoas para além das portas das suas casas. Estamos perdendo a mãe rezadeira, a mãe parteira, a mãe educadora, as mulheres que resolviam os problemas das comunidades, principalmente, das comunidades empobrecidas. Estamos perdendo os mestres-de-obra da vida, os artífices da Comunidade, aqueles que organizavam do baba ao dominó, que faziam o carnaval do bairro e abriam o rêgo para as águas das chuvas passarem levando os nossos barquinhos carregados de esperança.

Os nossos bairros violentados precisam das famílias negras, das mãos que cuidam com a sabedoria ancestral.

*Ailton Ferreira é sociólogo, educador, assessor especial do Gabinete da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado e ex-secretário municipal da Reparação de Salvador.

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