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O Censo Agropecuário 2017 e os desafios do meio rural baiano

Imagem O Censo Agropecuário 2017 e os desafios do meio rural baiano
Bnews - Divulgação

Publicado em 22/01/2019, às 13h13   Matteus Martins e Paulo Jerônimo Rodrigues*


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Os limites do Censo Agropecuário 2017 expressam ao menos duas constatações que dizem muito sobre o desenvolvimento nacional. Primeiro, o baixo orçamento destinado ao estudo e a mudança na metodologia indicam pouco compromisso do governo federal com a informação e, por consequência com a capacidade de realizar planejamento, formular e ajustar as políticas públicas. Segundo, as alterações metodológicas evidenciam a força do conservadorismo ruralista, uma vez que o questionário reduziu uma grande gama de questões que evidenciariam o universo de produção e organização da agricultura familiar.

Em que pese tais limites, os resultados preliminares servem para problematizar alguns temas sobre o desenvolvimento rural, ainda que seja na escuridão de tratar os desiguais de forma igual, quando em economia este não parece ser um princípio razoável: em matéria de política pública, o conhecimento do público/categoria a que se destina a política é fundamental para a sua devida elaboração; no setor privado, conhecer um público é fundamental para a oferta de bens e serviços, para a realização de investimentos e para a viabilização de negócios.  

Uma primeira análise que pode ser feita é sobre a diversidade produtiva da agropecuária baiana. Os números do Censo expressam que a Bahia participa da produção nacional em 41 grupos de produtos da lavoura temporária, 39 da lavoura permanente, nos 13 grupos da pecuária, em 30 grupos do extrativismo, em 21 dos 22 grupos da aqüicultura, em todos os 33 grupos da produção agroindustrial da pesquisa e nos 60 grupos da horticultura. Isso evidencia a riqueza potencial do meio rural baiano.

Esta riqueza potencial para muitas atividades tem colocado a Bahia em posição de destaque na produção nacional. Na pecuária, apenas para a produção de galináceos a Bahia não se coloca entre os 10 maiores produtores, ocupando assim a 11º colocação no plano nacional. Para os demais tipos, além de se colocar entre os dez maiores, ainda o faz assumindo posições de destaque. Assim, no que tange ao tamanho do rebanho, a Bahia ocupa a 1ª colocação em 4 grupos da atividade pecuária (30,76% dos tipos pesquisados pelo IBGE).

Do mesmo modo, para as atividades agrícolas pode-se falar de uma produção tão diversa quanto grandiosa, conforme o ranking feito pelo IBGE para os 103 produtos de lavouras permanente e temporária. Neste ranking a Bahia encontra-se entre as três primeiras colocações em 40 produtos (38,83%). Dentre estes, para 14 produtos (13,59%) o estado assume a primeira colocação; para 12 produtos (11,65%) assume a segunda colocação e para outros 14 (38,83%) assume a terceira colocação.

Estas atividades também colocam a Bahia na primeira colocação nacional no que respeita ao número de pessoas ocupadas. O desenvolvimento delas se dá mediante o trabalho de mais de 2 milhões de pessoas.

Esta diversidade produtiva, característica de um território com cinco biomas distintos, enfrenta desafios grandiosos, principalmente no que tange à superação da pobreza rural. Esta meta deu saltos positivos nos últimos anos, fruto ao desenvolvimento das forças produtivas e da forte mão de um Estado interventor que, finalmente, resolveu dividir o bolo. Neste sentido, segundo estudos da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia sobre a série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, de 2007 para 2017 a população rural extremamente pobre teve uma involução de 5,6%, enquanto a urbana obteve involução de 2,2%. Já o percentual da população em condição de pobreza no meio rural reduziu 11,8% e a urbana 8,2%.

Cada bioma apresenta sua especificidade, sobre as quais se desenvolvem distintas atividades produtivas. Dentre estes biomas, gostaríamos de chamar a atenção para o cerrado, no oeste da Bahia, a caatinga, no semiárido e a mata atlântica do sul baiano, sobre os quais os números do Censo indicam um potencial contrastante com a permanência da pobreza.

No oeste baiano, um grande desafio é garantir a diversidade das formas de produção ali expressas por um agronegócio moderno, por uma agricultura familiar em modernização e por povos e comunidades tradicionais com uma dinâmica própria e um saber incomensurável. Garantir a diversidade produtiva do oeste baiano passa pela implementação de políticas que assegurem a utilização dos recursos naturais, em especial, da água. Se não se pode comparar a participação destas categorias de produção no PIB da Bahia, não se pode também comparar as consequências negativas destas formas de produção, para assim evitarmos juízo de valor. Neste sentido, equacionar o uso dos recursos garantindo a diversidade das formas de vida e produção se mostra uma tarefa fundamental para o desenvolvimento do oeste baiano.

Para o segundo bioma dois desafios saltam aos olhos: aprofundar a dimensão econômica da convivência com o semiárido e, por conseqüência, elevar a provisão de infraestrutura produtiva. Primeiro, isso significa dizer que é preciso estruturar as atividades potenciais da caatinga. A caprinovinocultura se destaca neste sentido: atividade potencial, pela própria natureza, e em elevado desenvolvimento. Contudo é preciso dar um salto, agora, no que tange a qualidade: a genética do rebanho baiano (como fora a qualidade do nosso sisal no passado) ainda deixa muito a desejar. Em segundo, atrelado ao investimento em genética, o fomento às agroindústrias de pequeno porte para abate de caprinos/ovinos e transformação do leite se coloca como imperativo. São insuficientes as agroindústrias com estes fins, e aquelas que existem o tamanho da planta ainda é de grande escala, dificultando a viabilidade das atividades. Resultado? Abate clandestino, leite de cabra de outros estados no mercado e subestimação desta importante atividade. Assim, estes investimentos despontam como estratégicos para o desenvolvimento rural da Bahia.

No sul da Bahia, a riqueza da mata atlântica causa admiração. Piaçava, palmito, guaraná, cravo, dendê, cacau, são alguns exemplos das dezenas de produtos potenciais da Mata Atlântica da região. Ao lado desta riqueza natural, há uma enorme pobreza social cuja superação passa por políticas públicas e investimento privado capaz de aproximar estas pessoas dos meios de produção e o resultado disso dos mercados. O cacau serve de exemplo. A Bahia tem neste território uma forma de produzir que consegue agregar a dimensão ambiental, econômica, cultural e política: o sistema agroflorestal Cacau Cabruca (SAF Cabruca). Este sistema produz cacau de forma consorciada com componentes arbóreos do bioma e vem se apresentando como um pilar para o desenvolvimento do cacau na Bahia. Não basta ocupar a primeira colocação na produção de cacau. É preciso fazê-lo promovendo a inclusão socioprodutiva e a sustentabilidade, evitando que a cultura do cacau seja mais uma vez varrida da pauta produtiva baiana. O SAF Cabruca é uma proposta grandiosa neste sentido.

Em uma Bahia com tamanha diversidade produtiva no setor agropecuário e tamanha extensão territorial, faz-se necessário a realização de investimentos estratégicos que aproveitem o potencial e as aptidões regionais e assegurem as formas de produzir capazes de promover inclusão produtiva, superar a pobreza e assegurar o desenvolvimento baiano. Sem essa necessária integração estar-se-á desperdiçando o potencial do nosso meio rural em nome de privilégios que servem para gerar e reproduzir desigualdades.

Autores:

Matteus Martins – Colaborador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).  Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Mestre em Agronegócios pela Universidade de Brasília (UNB) e Doutorando em Economia pela UFBA.

Paulo Jerônimo Rodrigues - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduado em Ciências Econômicas pela UFBA.

Classificação Indicativa: Livre

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